Selecionamos um tema específico – isenção de IRPF por moléstia grave – para demonstrar que a jurisdição administrativa em matéria tributária permanece funcionando sem qualquer prejuízo aos contribuintes.
Como é sabido, a legislação do imposto de renda é bastante clara sobre as hipóteses que dão ensejo à isenção. A Lei nº 7.713/88 determina as hipóteses nas quais os rendimentos estarão isentos de tributação pelo imposto sobre a renda. A leitura do dispositivo constante do artigo 6° é esclarecedora. Veja-se:
Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguinte rendimentos percebidos por pessoas físicas:
(…)
XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma;
(…)
XXI – os valores recebidos a título de pensão quando o beneficiário desse rendimento for portador das doenças relacionadas no inciso XIV deste artigo, exceto as decorrentes de moléstia profissional, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída após a concessão da pensão.
Da mesma forma, o Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 9.580/18)[1] determina a mesma isenção em seu artigo 35. Confira-se:
Art. 35. São isentos ou não tributáveis:
(…)
II – os seguintes rendimentos pagos pelas previdências públicas e privadas:
(…)
b) os proventos de aposentadoria ou reforma motivadas por acidente em serviço e aqueles percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson , espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados de doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome de imunodeficiência adquirida e fibrose cística (mucoviscidose), com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou da reforma;
c) os valores recebidos a título de pensão, quando o beneficiário desse rendimento for portador de doença relacionada na alínea “b”, exceto aquela decorrente de moléstia profissional, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída após a concessão da pensão.
Resta claro da leitura dos dispositivos acima transcritos, portanto, que os valores recebidos a título de pensão determinada por força de decisão judicial e pagos a contribuinte com uma das doenças previstas na legislação são considerados como rendimentos isentos.
Acompanhando a legislação, o Conselho formou jurisprudência favorável aos contribuintes que tenham suas condições médicas reconhecidas por laudos de órgãos oficiais. Essa posição foi consolidada definitivamente pela Súmula 63 do Carf. Veja-se:
Súmula Carf nº 63: Para gozo da isenção do imposto de renda da pessoa física pelos portadores de moléstia grave, os rendimentos devem ser provenientes de aposentadoria, reforma, reserva remunerada ou pensão e a moléstia deve ser devidamente comprovada por laudo pericial emitido por serviço médico oficial da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios.
A Súmula acima transcrita é a consolidação da posição firmada há anos pelo Tribunal Administrativo. Não é necessário que se alongue na análise das centenas de decisões da jurisprudência do Carf sobre o assunto.
Pois bem. Na Sessão Virtual de 1º de Setembro, discutiu-se a isenção de imposto de renda sobre os resgates de contribuições à previdência privada, especificamente PGBL e FAPI, bem como a aplicabilidade da norma isentiva aos resgates feitos a título de VGBL.
No caso, a 2ª Turma, da 2ª Camara da 2ª Seção entendeu que a natureza jurídica dos resgates de previdência complementar privada estão cobertos pela norma isentiva, uma vez que possuem natureza previdenciária. Assim constou da ementa:
ISENÇÃO. MOLÉSTIA GRAVE. RENDIMENTOS DECORRENTES DE RESGATE DE CONTRIBUIÇÕES À PREVIDÊNCIA PRIVADA, PGBL E FAPI. RESGATE DE PGBL. CARÁTER PREVIDENCIÁRIO. INTELECÇÃO DE SÓLIDA JURISPRUDÊNCIA DO STJ DE QUE SE EQUIPARA A VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. NOTA SEI 50/2018/CRJ/PGACET/PGFN-MF. DISPENSA DE CONTESTAR E DE RECORRER. LANÇAMENTO CANCELADO.
O resgate da complementação de aposentadoria por portador de moléstia grave especificada na lei está isento do imposto sobre a renda de pessoa física, sob o entendimento de que o resgate, de Contribuições à Previdência Privada, Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) e aos Fundos de Aposentadoria Programada Individual (FAPI), não descaracteriza a natureza jurídica previdenciária da verba.
A Nota SEI nº 50/2018/CRJ/PGACET/PGFN-MF inclui o tema na lista de dispensa de contestação e recursos, especialmente no contexto do resgate de PGBL na forma reafirmada na Nota SEI nº 51/2019/CRJ/PGACET/PGFN-ME.
Do voto do conselheiro relator, lê-se importante consideração sobre a irrelevância da forma – se mensal ou não – do recebimento das verbas do PGBL ou FAPI. Veja-se:
Pois bem, entendemos que os valores oriundos de resgates de contribuições da previdência complementar (Previdência Privada, PGBL ou FAPI) possuem natureza jurídica previdenciária, enquadrando-se na hipótese abrangida pela isenção da moléstia grave aludida, não sendo a maneira de recebimento dos referidos valores das contribuições previdenciárias privadas suficiente para alterar sua natureza jurídica.
Ora, se estes valores fossem recebidos mensalmente pelo Recorrente teriam a natura de proventos de aposentadoria, abarcados pela isenção do IRPF, não sendo, ao nosso sentir, coerente ter interpretação diferente quando estamos frente o resgate total das contribuições previdenciárias, por portador de moléstia grave (conforme Laudo Pericial da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo) e aposentado pelo Estado de São Paulo, por ser Procurador de Justiça do Estado de São Paulo aposentado, desde 1999.
Vê-se, portanto, que o Carf seguiu à risca a sua jurisprudência, aplicando o entendimento consolidado na Súmula 63 a um caso que não havia sido enquadrado nos limites da legislação isentiva pela autoridade fiscalizadora. Este caso é relevante pois deixa claro, uma vez mais, que o Carf vem usando as posições da PGFN como razões de decidir, ainda que não tenha sido editado ato do ministro da Economia para orientar a posição da Administração Federal. Nesse sentido se manifestou o relator:
No entanto, não comungamos do tênue entendimento da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil de não poder seguir os entendimentos da PGFN sobre esta matéria, por não haver um ato declaratório do ministro da Economia para que cumpra os referidos entendimentos da PGFN, uma vez que, de acordo com a nova sistemática do art. 19-A, inciso III, da Lei nº 10.522/02, a vinculação da RFB às teses firmadas pelos Tribunais Superiores (e não mais passíveis de irresignação em juízo) dá-se com a manifestação da PGFN, sendo desnecessária a edição de ato administrativo específico ou aprovação ministerial para tanto.
Deve-se notar, por relevante, que a decisão foi tomada por unanimidade. Esta unanimidade demonstra que, mesmo em casos nos quais ainda exista uma contraposição entre as posições da Autoridade fiscalizadora e da Procuradoria da Fazenda Nacional, o Carf utiliza-se de sólidos argumentos para manter sua posição em favor do contribuinte.
Além disso, esta decisão – a qual muitas outras poderiam ser somadas – que as sessões virtuais funcionam sem quaisquer tipos de percalços ou máculas. E que mesmo em questões nas quais há entendimentos contrapostos por parte de órgãos do Poder Executivo, o Carf mantém a sua autonomia decisória.
A atitude de iniciar os julgamentos com processos de baixo valor e menor complexidade deve ser objeto dos maiores elogios. Nenhuma mudança tão brusca no funcionamento de uma instituição como o Carf deve ser tomada sem muita reflexão. Certamente a posição de testar as sessões virtuais em processos de menor complexidade é algo que demonstra a seriedade com que se enfrentam os problemas que a pandemia trouxe no Conselho. Acima de tudo, esta decisão, tomada com prudência e equilíbrio, poderia (e deveria!) servir como exemplo a ser seguido pelo Poder Judiciário.
Fonte: Jota (29/09/2020)
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