É preciso educar nossos filhos de acordo com um novo modelo de finanças pessoais
Na semana passada, abordei a razão pela qual considero educação financeira tão importante. Recebi inúmeros e-mails e mensagens em minhas redes sociais, com enorme repercussão e agradeço por cada contato. Esse feedback é valioso e seguirei, portanto, falando de educação financeira. Proponho hoje a todos vocês uma mudança de paradigma, que, de forma natural, rege minha vida financeira desde meus vinte e poucos anos (e só vejo benefícios). É uma dica que não se encontra por aí e que pode, inclusive, mudar a maneira como educamos nossos filhos para lidar com suas finanças pessoais (provavelmente, isso é o mais importante!). Mas, antes de chegarmos a ela, preciso contextualizar para te convencer.
Hoje é lugar comum blogueiros, youtubers e influenciadores de finanças pessoais aconselharem seus seguidores a manterem uma reserva financeira para emergências de curto prazo. E isso está certíssimo. Aliás, afirmo que todos devem ter três tipos de reservas, como se fossem investimentos em caixinhas totalmente separadas.
A reserva de longo prazo é a para a aposentadoria, ou seja, que comporá sua renda na terceira idade e possibilitará reduzir (ou até cessar) o ritmo de trabalho, permitindo mais tempo para os netos, para viagens e para tudo aquilo que te fizer feliz nesse momento especial da vida. Já a reserva de médio prazo é aquela que perseguirá algum sonho que hoje parece distante, como a compra da sua casa própria.
Por fim, a terceira caixinha de investimento deve ser a de curto prazo, ou seja, a tal reserva de emergência, que serve para cobrir gastos inesperados e, se você tiver a sorte de não tê-los, para uma viagem bacana ou qualquer outra coisa que você queira comprar (sempre mantendo-a acima de um nível mínimo). Quero focar, ao menos hoje, nesta terceira caixinha, a de reserva de emergência.
A pergunta natural que nos vem à cabeça é: mas qual deve ser esse nível mínimo para a reserva de emergência? Em minha opinião, ela deve ser tal que cubra seu padrão de vida por um ano. Para ilustrar, se o seu padrão de vida hoje custa R$ 5 mil por mês (guarde esse valor pois seguirei com ele ao longo do texto), você deve trabalhar para acumular R$ 60 mil na sua reserva de emergência. Nesse momento, você deve estar pensando: e a tal mudança de paradigma, o que tem a ver com essa reserva de emergência? Correto, vamos a isso.
A cultura adotada no Brasil é a dos gastos mensais, com salário mensal e contas mensais. Por exemplo, se você me perguntar qual o meu salário e eu responder R$ 5 mil, haverá alguma dúvida? Acho que não né? Pois estará implícito que se trata de um salário mensal. Já nos Estados Unidos, em contraexemplo, pesquise a respeito do salário médio de determinada profissão e é comum encontrar algo como 60 mil dólares por ano. Sim, por lá, a cultura é ao ano, diferentemente daqui. Você já multiplicou seu salário por 12 (ou por 13, com o décimo-terceiro) para saber seu salário anual? Provavelmente, não. E, em princípio, não há nada de errado nisso. Mas...
Quando iniciamos nossa jornada profissional, recebemos o primeiro salário ao final do primeiro mês trabalhado, jamais no início. Em consequência, alguém precisou nos financiar por aquele primeiro mês, normalmente nossos pais ou algum amigo ou parente muito próximo ou nós mesmos, de uma forma ou de outra.
Minha proposta é mudar o paradigma do orçamento mensal para o orçamento anual!
Vamos por partes. O primeiro passo é você batalhar para construir sua reserva de emergência para cobrir um ano do seu custo de vida. Depois disso, será como se você recebesse seu salário anualmente. Ou seja, suponha que em 31 de dezembro de 2020, você tenha em sua reserva de emergência R$ 60 mil, que cobrem seu padrão de vida por um ano. Você se planejará para viver com esse montante ao longo de todo ano de 2021: em outras palavras, você adequará seu orçamento para gastar não mais do que R$ 5 mil por mês!
Tudo funciona como se você precisasse trabalhar um ano inteiro para conseguir seu salário! Note que já é assim, mas dentro do paradigma mensal: você trabalha um mês para receber seu salário e então planeja (ou, ao menos, deveria planejar) suas despesas para o mês seguinte dentro daquele orçamento. Por que não mudarmos esse paradigma do mês para o ano? É mais difícil, pois é preciso juntar 12 meses de custo de vida, eu sei, mas os benefícios são ENORMES. Aliás, lembro que, em geral, o caminho mais fácil não é o que te leva ao melhor lugar.
Você pode estar se perguntando se, dentro dessa mudança que sugiro, precisaria pedir ao seu chefe para receber seu salário somente ao final do ano. A resposta é, claro, que não. Receber mensalmente é um benefício, pois você poderá investir aquele dinheiro e acumular juros até o final do ano. Ou seja, melhor ainda!
E quais são os benefícios dessa mudança de paradigma?
- Tranquilidade: você passa a ter 12 meses de padrão de vida garantido. Caso venha a perder o emprego, terá um bom período para se realocar e se readequar, se necessário. Além disso, você sabe que já possui dinheiro para honrar todas as suas contas por todo o ano, o que reduz suas preocupações.
- Possibilidade de readequação orçamentária mais suave: a montanha-russa da vida com problemas financeiros inesperados decorrentes de pandemias ou de situações que levem a uma perda considerável de renda se torna muito menos brusca. Isto pois você terá 12 meses para suavizar aquela perda, em vez de apenas um ou dois. É como ter de descer do alto de um prédio: quanto mais tempo você tiver para descer, mais suave e tranquila será essa descida.
- Melhor ajuste de sua renda com seus compromissos: muitos contratos de fidelização são anuais (planos de telefonia celular e pacotes de TV paga, por exemplo). Você ajusta seu orçamento ao prazo de fidelização, sem correr o risco de precisar cortar e ter de pagar multa (e ninguém gosta de pagar multas).
- Renda extra com juros provenientes do seu próprio salário: seu salário ficará, em média, 12 meses investido, o que significa que ele inflará com os juros que se acumularão. No paradigma mensal, o salário entra na conta e você já precisa pagar contas, sem possibilidade de se ganhar juros com ele.
- Renda extra com descontos a taxas muito acima do mercado: com o orçamento anual disponível no início do ano, você pode pagar diversas contas à vista e ganhar generosos descontos. Por exemplo, IPTU em cota única, material escolar dos filhos à vista ou mesmo antecipação de parcelas de financiamento imobiliário rendem excelentes descontos que permanecem no seu investimento, gerando renda extra para o ano seguinte.
- Mente mais sã: sabemos como o psicológico nos impacta em nosso dia a dia. Com a mudança de paradigma proposta, você estará sempre 12 meses à frente. O ano corrente sempre “já estará pago” e seu trabalho de hoje será para pagar contas daqui a um ano. Isso, psicologicamente, gera um sentimento enorme de liberdade e tem um efeito psicológico bastante positivo, acredite!
- Flexibilidade: se em um determinado ano você obtiver renda acima do esperado, será possível aumentar seu nível de investimentos nas caixinhas de médio e longo prazo e/ou escolher aumentar o seu padrão de vida no ano seguinte. Flexibilidade ao seu dispor para aquilo que melhor se ajustar às suas necessidades.
Eu poderia elencar mais razões, mas penso que essas são mais do que suficientes. Se você já possui reservas suficientes, pode mudar de paradigma já neste ano! Se não possui e está no meio da caminhada profissional, sei que é uma tarefa árdua, mas não impossível. Acima de tudo, estou convicto de que nossas crianças poderiam ser educadas dentro desse novo paradigma.
E nós, pais, ajudaríamos nossos filhos a compor suas reservas emergenciais iniciais. E tudo que eles ganharem no primeiro ano de trabalho balizará o orçamento deles no ano (não no mês) seguinte. E assim por diante. Com uma boa educação financeira desde cedo, eles entenderão que será para o bem deles. E te agradecerão pelo resto de suas vidas.
Fonte: Valor Investe e Carlos Heitor Campani (02/09/2020)
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