segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Meu Bolso: Desempenho dos fundos DI já preocupa investidor que gosta de porto seguro

 


Aumento dos riscos fiscais leva título público a perder valor no mercado secundário, o que afeta aplicações 

A piora das condições para o financiamento da dívida pública, que se acentuou nos últimos dias, já começa a esbarrar num outro limite preocupante: o desempenho dos fundos DI, destino dos recursos dos investidores mais conservadores. Com o aumento das preocupações fiscais, os títulos públicos estão perdendo valor no mercado secundário e as LFTs, papéis que acompanham a variação da taxa Selic, já são negociadas com deságio, ou seja, abaixo de seu valor de face. Isso significa que, na marcação a mercado dos preços desses títulos em carteira, os fundos DI podem ter prejuízo.  

Para gestores, se a situação não se reverter em breve, há o risco de o investidor começar a sacar seus recursos - e isso agravaria ainda mais o quadro, ao obrigar o gestor a se desfazer dos papéis com desvalorização.

Levantamento feito pelo economista e blogueiro do Valor Investe Marcelo D’Agosto mostra que, de um universo de 180 fundos da categoria renda fixa DI (com patrimônio de R$ 400 bilhões e 4,7 milhões de cotistas), conforme seleção do Guia Valor de Fundos de Investimento, 30% deles, que reúnem patrimônio de R$ 54 bilhões e 2,1 milhões de cotistas, já apresentam perda em setembro. Considerando que outras carteiras ainda podem ajustar os investimentos a valor de mercado, o número de fundos com “cota negativa” pode aumentar.    

O desempenho dos fundos reflete o que está ocorrendo no mercado secundário de títulos do Tesouro Nacional, em especial de LFT, que amargou desvalorização em seis pregões consecutivos até o dia 18. Como os fundos DI carregam esses papéis e também LTNs (papéis prefixados de curto prazo) casadas com posições em juros futuros, na marcação a mercado acabaram registrando perda.  

Essa variação negativa de cotas muitas vezes assusta o investidor, que nem sempre é alertado para o fato de que até mesmo a renda fixa pode enfrentar períodos de instabilidade - vale dizer que o prejuízo só se concretiza na venda do papel com deságio, no caso do fundo, ou no saque pelo investidor.  

Termômetro do desempenho das LFTs, o IMA-S, índice calculado pela Anbima, acumula variação negativa de 0,05% em setembro. A oscilação é pequena, mas o sinal negativo serve como alerta. “A LFT não oferece risco de mercado [já que acompanha a Selic] e, portanto, não deveria ser negociada com deságio”, diz o gestor de um fundo que prefere não ser identificado. “É uma demonstração de que o mercado não está disposto a receber 2% ao ano para correr todo o risco fiscal que está colocado.”  

Deságio das LFTs é resultado da queda de braço que mercado tem travado com o Tesouro há algum tempo  

O deságio das LFTs surgiu na última semana, mas é resultado da queda de braço que o mercado tem travado com o Tesouro há algum tempo. Enquanto o gestor da dívida tem que lidar com a explosão recente do endividamento público, que pode levar o déficit primário do setor público para 11,7% neste ano por causa de medidas de combate aos efeitos da pandemia, o mercado tem exigido uma taxa cada vez maior para financiá-lo.  

Por algumas semanas, o Tesouro fez ofertas concentradas em papéis prefixados de prazos mais curtos, em especial LTNs com vencimento em 2021. A ideia era evitar adicionar pressão sobre a curva de juros futuros e ganhar tempo, na expectativa de que a agenda fiscal avançasse e, com isso, o prêmio cedesse.  

A perspectiva para o cenário fiscal, entretanto, piorou. O projeto da reforma administrativa foi apresentado, mas não há sinais de avanço no Congresso. Além disso, surgiram ruídos em torno do encaminhamento dos programas de assistência do governo, diminuindo a confiança no avanço da agenda fiscal.   

Fonte: Valor (21/09/2020)


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