Em meio a ações judiciais, companhia repete o ‘efeito Uber’ no setor de ônibus
A Buser, empresa de tecnologia que vende viagens de ônibus por fretamento, tem seu modelo de negócios questionado na Justiça por companhias de transporte de passageiros, praticamente desde sua fundação, há três anos e meio. Mas agora conseguiu atrair quatro viações rodoviárias interestaduais para sua plataforma, abrindo um flanco no “inimigo”. Além do fretamento, que tem desde junho de 2017, a Buser começa a vender passagens de empresas que operam nas rodoviárias.
As viações Adamantina, Luxor Turismo, Viação Esmeralda e Viação São Luiz, que oferecem viagens interestaduais com autorização da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), são as primeiras parceiras do Buser Passagens. O novo serviço cobre viagens para 20 cidades em cinco Estados (MG, MT, MS, GO, SP), além do Distrito Federal. Hoje a Buser opera em 170 cidades com uma frota de 550 ônibus de 160 parceiros ativos no aplicativo.
A expansão do modelo de negócios para a venda de passagens “tradicionais” se assemelha ao modelo de marketplaces (plataformas na internet que reúnem diversas companhias, como um shopping center), adotado por empresas como ClickBus e Guichê Virtual.
A Buser vem crescendo e já vendeu 5 milhões de passagens, oferecendo viagens de graça e preços inferiores aos das linhas que atuam por concessão pública ou autorização da ANTT.
Marcelo Vasconcellos, co-fundador do Buser, lembra que a ideia de criar a startup surgiu por experiência própria, após uma viagem para um evento, em Salvador. “O trecho de ônibus custava R$ 400, claramente pela falta de competição.”
A Buser não revela números, mas segundo Vasconcellos ainda não atingiu o equilíbrio financeiro por estar usando o caixa no processo de crescimento.
Sobre as disputas judiciais, o executivo diz que “toda tecnologia, quando surge, gera questionamentos de todos os lados”, lembrando da disputa entre Uber e o sindicato dos taxistas. “Operamos com decisões que respaldam nosso funcionamento”, ressalta.
Na última semana, a Justiça do Rio de Janeiro impediu o uso da plataforma da Buser por três empresas de fretamento, alegando que o serviço público de transporte interestadual e internacional deve ser prestado mediante permissão, autorização ou concessão. A 23ª Camara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro negou recurso das três empresas e confirmou a liminar na ação proposta pela Associação Brasileira de Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati).
Mas em dezembro, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou improcedente um recurso do Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo (Setpesp), que acusava a Buser de transporte ilegal e irregular de passageiros. “Além de recolher menos impostos, por ser uma empresa de tecnologia, a Buser não tem as mesmas obrigações das empresas que atuam por concessão pública”, diz Gentil Zanoivello, presidente do Setpesp.
Os encargos embutidos no valor de uma passagem de ônibus no Estado de São Paulo são taxa de embarque (R$ 6,25), ICMS (12 %), PIS/Cofins (3,65 %), Taxa Artesp (2%) - de fiscalização dos terminais rodoviários - e gratuidades (R$ 1,25), referentes ao subsídio de passagens a grupos como idosos, estudantes e crianças.
Uma fretadora em São Paulo deve pagar ICMS (12 %) e PIS/Cofins (3,65 %). Empresas como Buser e 4Bus, que também atua como plataforma de intermediação de viagens fretadas, recolhem ISS (5%), PIS e Cofins (9,25%), por serem empresas de serviços de tecnologia.
Ao contrário das linhas públicas, Zanoivello explica que a Buser não tem obrigação de atender localidades que não são lucrativas. Segundo ele, 70% das linhas regulares que atendem 645 municípios do Estado de São Paulo são deficitárias. “Quando uma empresa opera somente as boas linhas, ela tira a receita que é essencial para o equilíbrio econômico do sistema”, afirma. O sindicato também argumenta que a Buser oferece destinos regulares pré-estabelecidos. “Hoje, a empresa abre o horário sem interessados, define o preço e as pessoas passam a aderir àquela viagem, o que não é diferente do transporte regular”.
Além do transporte intermunicipal, a Buser também vende viagens entre 16 Estados. De acordo com a Abrati, em 2020, por conta da pandemia, o setor faturou R$ 3,78 bilhões, 46% menos do que os R$ 7 bilhões registrados em 2019 por conta da queda do fluxo de passageiros.
Considerando que o transporte interestadual requer autorização, e não concessão, a Abrati defende não há impeditivos para a adequação dos parceiros e da Buser junto à ANTT. “As ações do setor frente à Buser vêm ocorrendo porque a empresa não quer se submeter às regras”, diz Letícia.
Fonte: Valor (13/01/2021)
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