sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Comportamento: A importância de Associações e de Governança para a democracia em qualquer setor no Brasil

 


O direito à associação fundamentado constitucionalmente garante uma democracia mais real

Nascida no início dos anos 80, tenho várias lembranças da redemocratização do Brasil. Me vem à memória as imagens do hospital de base em Brasília e da notícia da morte do recém-eleito presidente da República Tancredo Neves, da posse de seu vice José Sarney, dos telejornais que mostravam aquelas mesmas vias de Brasília nas quais passeava com minha família.

Me recordo das muitas imagens da Assembleia Nacional Constituinte, de Ulysses Guimarães e de uma espécie de magia que pairava no ar no ano de 1989, com as primeiras eleições diretas depois de muito anos. Meus pais tinham suas preferências políticas e despertaram meu interesse e paixão pela política.

Já em 1992, o impeachment do presidente da República Fernando Collor. Fiz parte da tal geração “cara pintada”. O governo Itamar Franco e especialmente os anos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso tem lembrança mais nítida em minha memória.

Não ficava mais na fila para comprar carne com meus pais no açougue e no supermercado devido a escassez do produto, notei a falta daquele funcionário que remarcava os preços dos produtos. A redemocratização e as mudanças econômicas, especialmente o fim da hiperinflação, foram impactantes no final dos anos 80 e início dos anos 90.

Vivemos em um Brasil de estabilidade econômica e de democracia já consolidada, passados mais de trinta anos da promulgação da chamada Constituição Cidadã. A vontade do povo chega de uma forma ou de outra aos ouvidos dos decisores políticos, mas ainda muitas vezes não da melhor maneira, que seria aquela mais direta e transparente.

No mundo ideal, todo cidadão e todo o setor da sociedade seria ouvido e atendido, na medida do possível, pelos parlamentares e membros do executivo eleito. Mas são inúmeros os fatores que impedem esse cenário. As associações são muitas vezes essa ponte que separa a sociedade do poder público. Mas essa ponte só acontece com alguns requisitos que serão comentados em seguida.

Essa vontade do povo somente se perfaz de forma efetiva quando os pleitos são levados aos decisores – independentemente da esfera – de forma estrategicamente pensada, em que se considerem os perfis, os cenários, a maneira como se comportam, o potencial eleitoral, dentre vários outros fatores. Importante que profissionais com visão ampla estejam envolvidos neste processo estratégico.

Tais pleitos e interesses podem ser levados de muitas formas. Seja através dos canais eletrônicos disponíveis nos sites do legislativo e do executivo, a exemplo do “e-cidadania”, do “e-democracia” e do “fala.br”, cuja efetividade se mostra baixa; seja através de redes sociais, que geram normalmente uma resposta imediata do agente político, mas não necessariamente a solução para a questão; seja através de “corpo a corpo” realizado junto a parlamentares e decisores nas várias esferas do poder público.

Uma das formas mais efetivas de defesa desses interesses, que pode englobar todas essas formas de acesso ao poder público, é o advocacy realizado por organizações de pessoas físicas e/ou jurídicas em prol desse interesse comum, legalmente constituído através de associações, que passam a ter papel fundamental na democracia brasileira.

O mundo associativo é bastante próprio e pode englobar uma série de tipos e estruturas, mas com certeza, uma das principais razões de ser das associações é ter a representatividade perante o poder público de um setor, de um grupo de pessoas, instituição ou empresas, ou de um interesse.

A Constituição Federal de 1988, fruto da redemocratização do país, determina em seus artigos 5º e 8º o direito à associação e sua existência de forma legítima no ordenamento jurídico democrático.

Não basta, no entanto, ter uma associação legalmente constituída para obtenção de efetiva representatividade perante o poder público. As associações precisam de mínima governança, que não necessariamente pressupõe grandes orçamentos, mas efetivamente um planejamento estratégico e planos de ação executáveis dentro da realidade possível de recursos financeiros e humanos, inclusive de atividade de voluntariado.

Além disso, as associações pressupõem mínima representatividade dos interesses que defendem. Na prática, são comuns várias associações que representam um mesmo setor, sendo que muitas vezes são constituídas por uma ou duas empresas com maior poder econômico e um interesse muito específico.

Por um lado, seria importante verificar a real representatividade das associações, por outro lado, são legítimas e devem sim levar seus pleitos ao poder público. Mas precisariam de uma associação para isto? Nos parece que nem sempre. Quando os interesses são os mesmos do que outras instituições, pessoas ou empresas, importante levar o pleito conforme acordado em associação.

Mas muitas vezes o interesse pode ser privado e não há nada de errado em levar tal interesse individualmente. Faz parte da democracia que o decisores conheçam as necessidades e interesses de todos. O modo como os pleitos são levados pode ajudar o decisor a diminuir sua curva de aprendizagem e passar a ter mais subsídios e dados para melhor decidir.

Não podemos deixar de falar de questões de compliance nas associações. São muitos os casos julgados pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), por exemplo, que condenou empresas e associações, onde o ambiente das associações servia para que as empresas pudessem combinar preços, condições e dividir mercado, criando cartéis com enormes prejuízos ao mercado e aos cidadãos.

Além do Executivo e do Legislativo, as associações têm legitimidade para estar presentes no Judiciário em questões de repercussão geral e de direitos difusos, exatamente por representarem ali uma parcela da sociedade que poderá ser diretamente afetada por certa decisão.

Como comentado, os grupos associativos somente conseguirão chegar aos objetivos pensados pelos seus associados perante o poder público com planejamento. Em primeiro lugar, não é fácil conciliar os interesses de todos os associados, mas diretrizes mínimas de governança traduzidas em um bom planejamento estratégico mostrarão ganhos.

Sendo assim, mostra-se importante o investimento neste planejamento, que deve se transformar em planos de ação que contemplarão: orçamento previsto, número de associados e aumento ou não dos mesmos, investimentos em comunicação interna e externa, marketing, assuntos que serão prioridade interna e externamente, relacionamento com o poder público.

Neste último ponto, para o sucesso deste relacionamento, torna-se imprescindível pensar em profissionais bem preparados para este trato com o poder público, que é feito entre pessoas, portanto acaba tornando-se pessoal.

A pessoa, grupo de pessoas ou o consultor externo deve estar muito conectado com o planejamento estratégico da associação, compliant (compromissado) com isso e com todas as regras que envolvem o trato com o poder público, sabendo muito bem seus limites e maneira como portar-se. As regras legislativas neste ponto são muito claras.

Neste sentido, as associações podem, por exemplo, representar os interesses e direitos de moradores de um bairro novo que está se formando em determinado município. Também podem reunir empresas de certo setor econômico para mapear e acompanhar proposições legislativas e normativas que podem melhorar ou piorar seu ambiente de negócios.

Da mesma forma, reunir trabalhadores ou profissionais para garantir melhores condições de trabalho. Podem, ainda, reunir interesses em comum da sociedade para levantamento de dados e realização de pesquisas para fomento a melhores decisões políticas, mais fundamentadas e baseadas em evidências.

Dito isso, o direito à associação fundamentado constitucionalmente garante uma democracia mais real, ou seja, mais conectada com as necessidades dos cidadãos, da sociedade e do Estado. Desde que tais associações estejam minimamente organizadas em sua estrutura administrativa, conectada a ciência de fazer presente perante o poder público de forma profissionalizada.

Fonte: Jota (07/01/2021)

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