quarta-feira, 21 de agosto de 2024

INSS vê fila de espera cair, mas suspeitas de fraude aumentar

 


Em seu primeiro ano de vigência, o Programa de Enfrentamento à Fila da Previdência Social foi eficaz 

em reduzir o estoque de requerimentos e o tempo de espera para análise de pedidos, mas há indícios de concessões indevidas e fraudes, especialmente no caso do auxílio-doença, segundo especialistas. Há, desse modo, aceleração da emissão de benefícios, o que aumenta ainda mais os gastos previdenciários e assistenciais da União, com impacto negativo sobre as contas públicas.


O principal problema apontado pelos especialistas é em relação à concessão do auxílio-doença, que foi facilitada pelo governo com a criação do Atestmed, ferramenta implementada a partir do segundo semestre de 2023 que permite a concessão do benefício temporário via análise de atestado digital, sem passar por perícia médica presencial, como era a regra antes.

Os dados do Ministério da Previdência Social mostram alta de 55,5% no número de auxílios-doença emitidos em junho deste ano (o último dado disponível) em relação a junho de 2023. O total chegou a 1,7 milhão de emissões. Para comparar, as aposentadorias por idade cresceram 5,2%, e as pensões por morte, 1,7%.

O auxílio-doença responde por parte pequena do gasto total com benefícios, mas as despesas têm tendência da alta. O governo parou de publicar relatório com essa conta no início do ano, mas, segundo o dado mais recente, de fevereiro, os desembolsos em 12 meses somaram R$ 31,9 bilhões, alta de 23,2% ante os 12 meses anteriores, sem considerar a inflação.

Em relação ao número de benefícios, considerando aposentadorias, pensões e auxílios previdenciários e assistenciais - as emissões chegaram a 40,3 milhões em junho deste ano, alta de 5,7% em ante o mesmo mês do ano passado. Em números absolutos, foram 2,19 milhões de emissões a mais - 1,5 milhão do tipo previdenciário e 686 mil assistenciais (Benefício de Prestação Continuada, o BPC). As concessões de auxílio-doença respondem por 4,2% do total, mas, com crescimento acima da média, ajudaram a explicar o movimento.

“O programa de enfrentamento à fila do INSS teve o mérito de reduzir a fila e a espera do segurado. Contudo, isso provavelmente aconteceu às custas de aumento da concessão indevida dos benefícios”, afirma Leonardo Rolim, ex-presidente do INSS e consultor no Congresso Nacional.

Desde a implantação do programa, o sistema ficou mais ágil, o que garante o acesso à seguridade social para quem de fato precisa. Em junho de 2023, antes de lançamento da medida, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) estimava que havia quase 1,8 milhão de pedidos de benefícios previdenciários e assistenciais aguardando análise. Destes, 597 mil eram de auxílio-doença, tecnicamente classificado como auxílio incapacidade temporária. Já em junho deste ano (último dado disponível), o estoque de requerimentos caiu para 1,3 milhão, sendo 334 mil de auxílio-doença.

O INSS considera que, do estoque atual, cerca de 300 mil pedidos estão, de fato, aguardando na fila, porque uma média de 1 milhão de novos requerimentos entram mensalmente no sistema.

Outra métrica relevante, o tempo médio de espera por resposta passou de 70 dias em junho de 2023 para 36 um ano depois. O indicador leva em conta os requerimentos que estão no estoque descontando os pedidos que estão em exigência - fase que depende do envio de alguma informação complementar do segurado. Legalmente, o INSS tem 45 dias para responder um pedido de benefício, mas o prazo não era cumprido.

O aumento no número de concessões - independentemente do indício de fraudes - tem pressionado as contas públicas. Em julho, no relatório de avaliação do Orçamento, o governo passou a prever gasto total de R$ 923,1 bilhões com benefícios previdenciários em 2024, alta de R$ 5,3 bilhões. A variação é justificada pelo fato de as despesas de maio a junho terem sido executadas acima do previsto e de “comportamentos inesperados de entrada de pedidos”, conforme descrito pelo governo no relatório.

Única explicação plausível é que os filtros para conceder o auxílio estão frágeis”— Marcos Mendes

Para o BPC, a expectativa é de um gasto de R$ 111,5 bilhões no ano, alta de 6,4 bilhões em relação ao relatório de avaliação do Orçamento de maio, também em “razão da elevação nos quantitativos de benefícios concedidos face ao Programa de Enfrentamento à Fila da Previdência Social, bem como do aumento da quantidade de requerimentos novos e analisados”. O BPC é uma política do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, mas operacionalizado pelo INSS.

Rogério Nagamine, economista especialista em Previdência, chama atenção para a importância de combinar o enfrentamento à fila com critérios justos de concessão. “É preciso encontrar formas de reduzir a fila e a espera do segurado do INSS. Contudo, é preciso que seja por medidas de gestão que evitem o aumento da concessão indevida dos benefícios”, defende.

Já Marcos Mendes, doutor em economia e pesquisador associado ao Insper, destaca que a redução da fila explica uma “parcela muito pequena” do aumento do auxílio temporário. “Como não está havendo surto de qualquer doença no país, a única explicação plausível é que os filtros para concessão do auxílio estão frágeis, o que estimula o aumento da demanda e as fraudes”, completa.

Rolim, ex-INSS, destaca que, em setembro de 2023, foram emitidos 970 mil auxílios-doença. Em junho deste ano, 1,7 milhão. “O aumento foi de 74,8%, algo nunca visto na Previdência. Entendo que a concessão desse benefício por atestado médico é salutar para trazer comodidade ao cidadão e para ampliar a capacidade e rapidez de atendimento da perícia, mas não é o instrumento mais adequado para a redução da fila.”

Procurados, INSS e ministério não responderam. Quando prorrogou o programa, a pasta disse, em nota, que as ações empreendidas ajudaram a reduzir a fila de espera e o tempo médio entre agendamento e realização da perícia médica. O governo argumenta que o Atestmed reduz o chamado custo do atraso - definido como os valores dos benefícios concedidos em atraso, ajustados pela correção monetária. A economia esperada para o ano é de R$ 5,6 bilhões.

Marcos Mendes observa que esse ganho esperado é “mais do que compensado pela explosão de novos requerimentos”.

O programa de enfrentamento à fila foi criado em meados de julho de 2023 e teria vigência até terça-feira passada (13), mas foi prorrogado por mais três meses, até 13 de novembro.

Fonte: Valor (19/08/2024)


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