Incertezas sobre eleições e política monetária ainda sugerem volatilidade no curto prazo
Os juros acima de 6,20% pagos pelas NTN-Bs ainda não tornam o papel atrativo para os fundos de pensão, considerados compradores naturais desses títulos dado o perfil de investimento de prazo mais longo. Ainda existe muita cautela, especialmente entre os fundos que operam sob o regime de contribuição definida e que, portanto, precisam fazer a marcação a mercado de grande parte de suas posições. A visão é que as notas do Tesouro ainda podem sofrer muita volatilidade nos próximos meses, reagindo às eleições no Brasil e às mudanças de política monetária, aqui e nos Estados Unidos. E, por isso, muitos gestores preferem manter posições de curto prazo e ampliar o caixa enquanto esperam que o mercado se equilibre.
“Esse nível de taxa [paga pelas NTN-Bs] não é factível, traz muitas incertezas do ponto de vista fiscal”, afirma Gilberto Stazione, diretor de Investimentos da Funpresp (Fundação de Previdência Complementar dos Servidores da União). A expectativa do executivo é que esse mercado se reequilibre seguindo dois “drivers”: a definição de uma âncora fiscal para do próximo governo e o fim do ciclo de alta da Selic, que deve atingir 14%. “Eles vão encontrar uma âncora fiscal e as taxas vão voltar a níveis aceitáveis. Aí haverá oportunidade de compra”, afirma. Por ter uma estratégia de contribuição definida, as alocações feitas a partir de 2020 são marcadas a mercado e, portanto, a contínua alta das taxas não favorece posições prefixadas já assumidas pelo fundo.
Hoje, a Funpresp tem posições em NTN-B, considerado um bom papel por proteger o fundo contra a inflação. Entretanto, a estratégia adotada há um ano foi a de comprar papéis mais curtos, com vencimentos em 2023, 2024 e 2025. “Vamos esperar as coisas se acalmarem para, então, voltar a alongar”, afirma. “Podemos até esperar até o vencimento, mas achamos que vamos vender essas posições curtas antes disso.”
Esse cenário mais incerto, já vislumbrado pelos gestores do fundo há um ano, justificou um aumento do caixa, que são posições em operações compromissadas de um dia, corrigidas pela Selic. Nos últimos seis meses, diz Stazioni, essa fatia cresceu para perto de R$ 450 milhões, o equivalente a cerca de 8% do patrimônio do fundo.
O mercado de títulos públicos deve ter maior volatilidade no segundo semestre, acredita o ex-diretor de investimentos da Previ, Marcelo Wagner. Além da eleição presidencial, a alta do juro nos Estados Unidos e o risco de recessão global trazem mais incerteza. Para os gestores que têm espaço para comprar os títulos públicos marcados na curva, há uma “excelente oportunidade”, na visão de Wagner. Este seria o caso de planos de benefício definido (BD), que garantem renda vitalícia, e os de contribuição variável - que no momento de pagamento de benefícios se transformam em BD.
“É uma excelente oportunidade, ficou ainda melhor para o gestor de fundo de pensão comprar NTN-B longa para fazer a imunização das dívidas de longo prazo, principalmente os que têm metas mais desafiadoras”, diz. No caso dos planos que se voltam para a acumulação de recursos, como os de contribuição definida, o momento é de muita cautela, segundo o ex-diretor da Previ. “Eu não faria compras em volumes grandes para esses portfólios. É preciso estar atento quando o Bacen começar a reduzir os juros”, afirma.
No último leilão do Tesouro Nacional, na terça-feira, o título com vencimento em 2025 foi vendido à taxa 6,5940%, enquanto os papéis para 2032 e 2045 saíram com taxas de 6,245% e 6,247%, respectivamente. Há um ano esses papéis chegavam a ser vendidos a taxas abaixo de 4%.
Mesmo com essa alta, o diretor de investimentos a Vivest, Jorge Simino, diz que essa atratividade dos títulos não é tão clara neste momento. “Para quem marca na curva, pode ser uma boa oportunidade”, diz. “Mas, se você marca a mercado, então ainda não dá para dizer que o momento chegou.” Ele observa que o quadro fiscal vem se deteriorando desde o começo de maio, o que levou as taxas para perto de 6,30%. “Ainda tem muitas dúvidas sobre o fiscal, então não dá para dizer que está atrativo.”
Simino conta que venceu, em abril de 2021, um lote de NTN-C (títulos públicos atrelados ao IGP-M, que não é mais emitido pelo Tesouro), de R$ 10,132 bilhões, detido pelo fundo. Desse montante, que representa cerca de 30% do patrimônio do fundo, 50% foram alocados em NTN-B com vencimentos inferiores a 2030. “A gente tinha uma visão cautelosa para comprar papéis longos, e ainda assim, sofremos com a marcação a mercado, já que as taxas estavam perto de 4%”, diz. O restante dos recursos foram alocados em ativos no exterior e renda variável. Desde então, o fundo não comprou mais NTN-Bs, já se desfez das posições no exterior e decidiu carregar um caixa mais alto, de cerca de 20%.
De forma geral, a carteira das fundações está relativamente conservadora e a maioria dos fundos não alcançou os objetivos atuais, diz o sócio da consultoria Aditus, Guilherme Benites. De um total de 120 entidades clientes da consultoria, 92% dos planos não alcançaram as metas atuariais no primeiro semestre. Para a segunda metade do ano, os resultados ficarão próximos ao CDI, e a inflação não deve ser tão elevada, o que deve ajudar as entidades, acredita. “Ao contrário de 2021, a distância entre a meta atuarial e a rentabilidade será menor”, afirma. Mas, na visão dele, há pouco espaço para compra de mais títulos públicos, tendo em vista o movimento das fundações realizado num passado recente.
Há um ano, não se imaginava que haveria chances de comprar títulos públicos com juros acima da meta atuarial. “Foi uma oportunidade que não esperávamos. Já estão rendendo, estamos construindo o resultado futuro”, diz o presidente da Fundação Real Grandeza (FRG), Sérgio Wilson Fontes. No fundo de pensão, que tem patrimônio de mais de R$ 18 bilhões, a fundação comprou cerca de R$ 1,5 bilhão em NTN-Bs ao longo dos últimos meses que correspondem a cerca de 9% da carteira do plano BD. No caso do plano CD, foram aproximadamente R$ 300 milhões (15%). Apesar da oportunidade, do lado do passivo, o indexador dos benefícios é de IGP-DI mais 3,94%. “É quase impossível acompanhar”, admite Fontes. No ano, até junho, o plano CD teve rentabilidade de 2% e o BD, de 5,5%.
No Postalis, fundo de pensão dos funcionários dos Correios, há movimentos para títulos marcados a mercado. Segundo o diretor de investimentos, Pedro Pedrosa, a fundação está buscando NTN-Bs de menor prazo e vai voltar a comprar títulos mais longos em breve, com objetivo de se beneficiar quando a Selic voltar a cair. Pelas regras dos fundos de pensão, o Plano Postalprev, de contribuição variável, pode ter até 60% dos títulos marcados na curva. E, por causa do déficit, no plano BD não há mais espaço para compras.
A Funcef, fundo de pensão dos funcionários da Caixa, aproveitou os juros mais altos pagos pelos títulos, mesmo nos planos de contribuição definida, marcados a mercado. “Compramos para segurar os papéis. Como não vemos essa curva tão alta em cinco anos, achamos que há um ganho potencial nessa alocação”, afirma o diretor de Investimentos, Samuel Crespi. Diante disso, a Funcef vem ampliando, desde o segundo semestre, posições nesses títulos, ao mesmo tempo em que tem reduzido a exposição à renda variável. Hoje, a Funcef tem cerca de 50% de seu patrimônio alocado em NTN-B, e cerca de 20% em renda variável.
Fonte: Valor (28/07/2022)
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