sábado, 23 de julho de 2022

Fundos de Pensão: Processos administrativos da Previc para punição são complexos e confusos



O processo administrativo sancionador na Previc pode ser de 2 espécies 

O inquérito administrativo é direcionado para os casos mais complexos. Por sua vez, o auto de infração é concebido para tratar de demandas mais simples. Apesar do claro critério de distinção legal, há processos muito complexos equivocadamente tratados pelo rito mais sintético do auto de infração. Até quando?

1. Padrão de Conduta

Ao aplicar os recursos dos planos de benefícios, o administrador de EFPC deve adotar práticas que garantam o cumprimento do seu dever fiduciário. Para tanto, o administrador deve racionalmente: (a) buscar e considerar informações em quantidade e qualidade suficientes; (b) avaliar juízos de risco e retorno; (c) adequar suas decisões ao perfil de risco do plano; (d) ter por interesse de referência a rentabilidade financeira para honrar as obrigações; (e) observar, ainda, os princípios de segurança, solvência, liquidez e transparência. Por tudo que foi dito, o administrador ativo e probo atua sempre no melhor interesse dos planos administrados e utiliza informação para decidir com racionalidade econômica.1

2. Responsabilização Administrativa

Na essência, o administrador de EFPC é um gestor de recurso de terceiros. Assim, pode lesionar o patrimônio alheio se não atuar no interesse dos planos administrados e praticar ato incompatível com seus deveres de cuidado e lealdade.

Com efeito, na proteção de direitos patrimoniais privados difusos e/ou coletivos, o estado-administração possui o papel de punir condutas indesejadas. Por sua vez, esse poder punitivo está atribuído a uma autarquia federal.2  A lei 12.154/09 estabelece a competência da Previc para fiscalizar as atividades das EFPC, apurar e julgar infrações, e aplicar penalidades.3  Também é certo que esses processos sancionadores, por se tratarem de uma espécie de processo administrativo, são regidos pela lei 9.784/99.4  Nessa mesma linha, o decreto 4.942/03 regulamenta a apuração de responsabilidade no âmbito do regime da previdência complementar e prevê duas espécies de processo administrativo: (a) o Auto de Infração; e (b) o Inquérito Administrativo. Vejamos: "Art. 2º O processo administrativo [...] terá início com a lavratura do auto de infração ou a instauração do inquérito administrativo."

3. Critério de Distinção entre Inquérito Administrativo e Auto de Infração

Do prisma sob o qual a norma reguladora foi idealizada, o Inquérito Administrativo é direcionado para os casos mais complexos com necessidade de uma extensa produção de provas. De outro lado, o Auto de Infração foi concebido para tratar de demandas mais simples em que, já à primeira vista, se vislumbra um erro grosseiro ou uma violação objetiva de uma regra.

Estabelece o decreto 4.942/03. "Art.39. [...] II - quando configurada a prática de ato, omissivo ou comissivo, que possa constituir infração nos termos deste decreto: a) pela lavratura de auto de infração, observado o disposto no Capítulo II deste decreto; ou b) pela instauração do inquérito administrativo, quando a complexidade dos fatos assim o recomendar.[...]"

Perceba-se que o caráter de uma demanda menos complexa permite que a descrição da infração seja sumária e que os supostos infratores sejam notificados apenas após a lavratura do Auto de Infração.5  Por seu turno, a natureza mais complexa do Inquérito Administrativo prevê um procedimento em que as pessoas que praticaram os atos em apuração sejam notificadas para acompanhar o inquérito desde o seu início.6 

Neste sentido, chamamos atenção para a portaria 901/19 que cria o COPAI - Comitê de Análise de Lavratura de Auto de Infração e Instauração de Inquérito Administrativo.6 Esse Comitê deve deliberar prévia e autonomamente à lavratura do Auto de Infração ou instauração do Inquérito Administrativo.  (Sempre seguindo um processo formalizado em que conste, no mínimo: Proposta de instauração do Inquérito Administrativo ou do Auto de Infração;8  votos de cada membro; 9  opinião conclusiva;10  e ata da reunião).

A motivação do ato administrativo da decisão do COPAI também é um elemento central para se verificar sua validade. Há que se examinar, no mínimo, se estão atendidos os pressupostos do Art. 50 da Lei 9.784/99.11  Isto é, deve haver uma motivação explícita, clara e congruente diante da complexidade dos indícios de uma infração para distinguir entre o Inquérito Administrativo e o Auto de Infração. E, por pressuposto lógico, o estado-administração deve definir precisamente uma gradação. Não se admite razoável que os fiscais só se deparem com casos simples. Ao mesmo tempo, não é plausível que só encontrem casos complexos. Como exemplo, podemos imaginar uma violação objetiva de regras de limites quantitativos ou uma decisão desprovida de critério de racionalidade que é logo percebida. Possivelmente, dará ensejo a um Auto de Infração lavrado pouquíssimo tempo depois de o fato ocorrer. Entretanto, se houver maior complexidade para aferir a existência do ato ilícito será o caso de Inquérito Administrativo.

Dentro de uma mesma lógica de gradação, a necessidade de uma investigação difícil e demorada sobre um sem-número de documentos é prova cabal de complexidade e, até mesmo, um provável indício de que não houve um erro grosseiro, portanto, um ato ilícito. Contudo, há os casos em que o administrador pode ter agido ou se omitido com o objetivo de beneficiar a si próprio ou a terceiro. Apenas nessas hipóteses - em que os atos tendem a ser dissimulados - seria compreensível uma apuração mais prolongada. O que, por evidente, só é comportado no Inquérito Administrativo.

4. A Régua da Complexidade

Existe uma presunção absoluta de complexidade nos casos de intervenção ou liquidação extrajudicial.12  Para além disso, a régua da complexidade não é absolutamente objetiva. No entanto, o Decreto 4.942/03 estabelece ritos diferentes para o Auto de Infração e para o Inquérito Administrativo. Por isso, havendo qualquer dúvida sobre ser uma infração mais complexa, caberá ao COPAI eleger o procedimento que apresenta maior oportunidade para o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. 13

Como técnica para reforçar os conceitos, pode-se pensar em duas situações bem exageradas. (a) Uma infração que leva anos para ser identificada, envolve mais de uma dezena de pessoas e vem acompanhada de mais de mil páginas de anexo. Por óbvio, enquadra-se na complexidade do Inquérito Administrativo; ou (b) Administrador de EFPC promoveu a aquisição direta de um imóvel depois da entrada em vigor da Resolução CMN 4.661/18.14 Parece claro que essa violação objetiva da regra é hipótese de Auto de Infração. Para outros casos, caberá, de início, ao COPAI a importante tarefa de decidir motivadamente se é o caso de Auto de Infração ou um Inquérito Administrativo. Não obstante, mesmo a decisão administrativa quanto ao rito a ser seguido pode ser revista pelo poder judiciário caso viole os requisitos legais.

4. Contraditório e ampla defesa

Acima, referimos que o Inquérito Administrativo confere uma maior oportunidade para o exercício da defesa. Todavia, mesmo o Auto de Infração deve respeitar o contraditório e a ampla defesa.

O princípio do contraditório pode ser desdobrado em 3 direitos subjetivos para o administrador de EFPC: (a) à plena informação: direito ao acesso integral a todos os documentos relativos aos fatos a que a fiscalização teve acesso. Esse direito abarca até documentos que os fiscais acessaram, mas não usaram como fundamento da infração. Inclui, do mesmo modo, a integralidade do procedimento administrativo pré-processual de AFDE - Ação Fiscal Direta Específica e dos atos administrativos que o antecederam e fundamentaram sua instauração; (b) à reação: direito a responder às acusações; e (c) à influência: direito a ter seus argumentos levados em consideração. Ou seja, a Previc só pode recusar os argumentos de forma fundamentada e com motivação explícita, clara e congruente.

O princípio da ampla defesa, por sua parte, consiste na obrigação de a Previc colocar à disposição do administrador de EFPC todos os meios para realizar sua defesa, garantindo prazo razoável para manifestação. Desta maneira, por exemplo, não se admitiriam práticas tais como: (a) processos administrativos com anexos propositadamente desorganizados; (b) lançamento simultâneo de vários processos administrativos para prejudicar as defesas; (c) omissão de informações sobre a cadeia de atos administrativos que antecederam e fizeram parte da AFDE.

5. Conclusão

Por fim, registramos que o critério de distinção legal aqui descrito, infelizmente, não encontra eco na prática da Previc. É que já foram vistos processos administrativos muito complexos tratados pelo rito mais sintético do Auto de Infração.

Esses equívocos, como demonstramos, não se coadunam com o direito. Podem, além do mais, significar a posterior anulação do processo administrativo. De tal modo, a escolha do agente público por incorrer em custos que não produziram nenhum resultado útil significaria uma questão a ser analisada à luz dos princípios da eficiência, economicidade e racionalização do trabalho administrativo.

Espera-se, entretanto, que o desenvolvimento dos trabalhos do COPAI viabilize uma evolução consistente ao importante trabalho de fiscalização da Previc.

Assim, em breve, os critérios de complexidade entre o Inquérito Administrativo e o Auto de Infração poderão tornar-se explícitos, claros e congruentes

Fonte: Migalhas (21/07/2022)

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