quarta-feira, 13 de julho de 2022

TIC: Histórico das Telecomunicações e a visão do Brasil - Parte 1 Anos 60 e 70


Histórico: Anos de 1960 e 1970 com a Telefonia e Computação

Os anos de 1960 encontraram um sistema telefônico brasileiro absolutamente estagnado. A falta de investimentos, decorrência em parte das baixas tarifas impostas pelo governo, fizeram com que a demanda por telefones não fosse atendida durante um longo período. O valor das linhas no mercado paralelo chegou a níveis não imagináveis. As centrais telefônicas já obsoletas, muitas no velho sistema Strowger de relés rotativos, eram insuficientes e estavam saturadas. A demora para conseguir linha para uma ligação era absurda.

A situação era insustentável, pois a falta desse recurso e infra-estrutura essencial estrangulava o desenvolvimento dos negócios das empresas e não propiciavam um mínimo de conforto para os cidadãos. Diante desse quadro, e na conjuntura política favorável da época, as companhias telefônicas que operavam no Brasil começaram a ser desapropriadas e estatizadas. A nacionalização mais espetacular foi a compra compulsória da Companhia Telefônica Brasileira (CBT), resquício dos primórdios da telefonia no Brasil.

A partir dos anos de 1960, ocorreu a modernização do Sistema Brasileiro de Telecomunicações e foi criado o Ministério das Comunicações, herdeiro das competências até então do Contel. O modelo adotado para o Sistema Brasileiro de Telecomunicações foi o modelo europeu da época, particularmente o modelo alemão. O programa inicial mais importante foi a criação da Embratel, empresa à qual foi atribuída a instalação de um sistema de comunicações interurbanas da alta capacidade, cobrindo todo o território nacional. A Embratel se serviu, sobretudo de uma rede de microondas que ela própria instalou.

Um sistema de microondas é relativamente rápido de ser instalado. Num prazo muito curto os efeitos desse plano de modernização do Sistema Brasileiro de Telecomunicações se fizeram sentir e entusiasmou os usuários. As ligações interurbanas, antes completadas com tempo de espera de horas, passaram a ser instantâneas, por DDD, discagem direta à distância. O sistema DDD nasceu nessa época. Junto com comunicações de voz, seguiu-se o sistema telex, um recurso de comunicações muito usado nas empresas. Embora lento, era muito útil para os negócios. O sistema Embratel viabilizou redes de canais de televisão.

Permitiu o acompanhamento em tempo real de eventos de toda natureza e a transmissão simultânea em todo o país de noticiários e de espetáculos muito apreciados pelo público, como jogos de futebol, inclusive do exterior. A Copa do Mundo de Futebol de 1970 foi transmitida para o Brasil através de satélites, e o sinal distribuído pela Embratel. O Sistema Brasileiro de Telecomunicações estruturou-se nessa época a partir de uma nova empresa, a Telebrás, holding que passou então a controlar, a disciplinar e a expandir as empresas estaduais, praticamente todas elas já estatizadas. As redes telefônicas foram ampliadas e grande parte da demanda reprimida foi atendida.

Passou-se também a usar satélites comerciais de comunicações já em órbita, pertencentes a várias organizações, como a Comsat, da qual participava o governo brasileiro. O Sistema Telebrás e esses satélites disponibilizam canais de várias capacidades para comunicações dentro do país e para outros países e outros continentes. A primeira fase da modernização das comunicações no Brasil foi, assim, respaldada por um esforço excepcional das instituições de ensino para prover a engenharia requerida para esse trabalho.

Data também dos anos de 1960 e 1970 a instalação generalizada de computadores no Brasil. Vieram para universidades e outras instituições das mais variadas, como Jockey Club de São Paulo, bancos, e outras. O sistema bancário sempre foi um grande usuário e os bancos passaram a oferecer aos seus clientes um serviço diferenciado. A vanguarda dos principais bancos brasileiros no uso de computadores tem se mantido desde essa época.

As máquinas eram muito caras e fisicamente muito grandes. A tendência inicial era fazer computadores de porte cada vez maior. Os mainframes exigiram instalações grandes e caras, e seu preço de venda era de muitas dezenas de milhões de dólares. O Brasil, no início, recebeu alguns computadores a válvula, rapidamente substituídos por versões transistorizadas. Os modelos a válvula tinham limitações tão grandes que não poderiam ir muito longe.

A partir do momento em que os transistores passaram a ser usados, houve uma verdadeira descontinuidade na evolução dos computadores, tanto em termos de capacidade de computação, como em termos de custo. Nos anos de 1960, a Escola Politécnica de São Paulo recebeu o seu primeiro computador, já transistorizado, um IBM Modelo 1620.

Foi o início do desenvolvimento da USP e da Politécnica em computação. Um pouco mais tarde, a Politécnica comprou o modelo IBM 1130, mais avançado, também transistorizado, do mesmo fornecedor. O objetivo da Politécnica, já nessa ocasião, era envolver seu pessoal e os seus alunos mais adiantados com os circuitos da máquina e treinar professores para um curso pioneiro no Brasil, oferecido a partir dos anos de 1970.

Era um curso de Engenharia Eletrônica voltado para os Sistemas Digitais, nome escolhido porque o uso do termo Engenharia de Computação parecia prematuro. O curso de Sistemas Digitais da Escola Politécnica foi oferecido a partir dos anos de 1970 e formou as primeiras e as sucessivas gerações de profissionais e jovens empresários na área de computação no Brasil. Contribuíram decisivamente para o desenvolvimento desse grupo alguns projetos ambiciosos.

No então criado Laboratório de Sistemas Digitais da Escola destaca-se um projeto desenvolvido em contrato com a Marinha do Brasil, com o objetivo de projetar e fabricar o protótipo industrial de um computador de pequeno porte. Foi desenvolvido inteiramente pelo LSD, inclusive o software básico, a partir de conhecimentos desenvolvidos pela própria equipe, com colaboração de alguns especialistas que foram trazidos do exterior.

Participou do projeto, na área de software, a PUC do Rio de Janeiro. O projeto criou a competência necessária para o curso de Engenharia de Sistemas Digitais da Politécnica, mais recentemente para o curso de Engenharia da Computação e para muitos outros trabalhos desenvolvidos pelo grupo inicial do LSD ou dos seus spin-offs posteriores.

O G-10, computador desenvolvido para a Marinha, foi o primeiro protótipo industrial de computador desenvolvido no Brasil. Passou a ser reproduzido por uma empresa no Rio de Janeiro e dele foram feitas várias versões. Antes do G-10, alguns exercícios, pequenos projetos didáticos, já haviam sidos realizados no Brasil, como o de alunos do ITA, um pequeno computador implementado como exercício de laboratório.

Na própria Escola Politécnica, um pequeno computador de 8 bits foi projetado e construído com a finalidade de treinar estudantes de pós-graduação (Patinho Feio), com componentes improvisados no mercado local. O Patinho Feio está documentado e encontra-se no Museu da Escola Politécnica.

A essa altura, primeira metade dos anos de 1970, já se podia prever que a tecnologia das centrais telefônicas e a tecnologia das telecomunicações tendiam a se aproximar da tecnologia dos computadores. A fusão das telecomunicações e dos computadores foi definitivamente confirmada no fim do século XX. Já no começo dos anos de 1970, um grupo do Laboratório de Sistemas Digitais demonstrou na pratica a viabilidade de uma central telefônica digitalizada, a partir do microfone, e só voltando à forma analógica no fone do receptor.

Todo o processo de digitalização, de processamento do sinal e de comutação usou tecnologia de computação e se mostrou perfeitamente viável, mesmo para os componentes da época. O grupo montou um protótipo de central, interligada com a rede nacional de telecomunicações, que constituiu, provisoriamente, a estação 214 do sistema urbano de São Paulo.

A construção desse protótipo piloto criou condições para que se preparasse um projeto ambicioso, de grande porte, com base na experiência conseguida com o desenvolvimento do computador G-10, para uma central telefônica comercial, segundo padrões internacionais, destinada a ser usada como uma central de comutação do Sistema Brasileiro de Telecomunicações. O projeto, chamado Siscom, foi negociado com o Ministério das Telecomunicações.

Chegou-se a um projeto altamente profissional com uma expectativa de resultado sem risco para o investimento. Estava praticamente acertada a sua contratação, quando o Ministério das Telecomunicações resolver se servir do projeto e criar com ele um centro. O PC beneficiou-se da disponibilidade de circuitos integrados em escala maior e dos microprocessadores que começaram a aparecer a partir de meados dos anos de 1970, sem ter havido tempo para serem usados, bem como o floppy disk e outros dispositivos de memória, no projeto do G-10.

O PC foi proposto com uma arquitetura aberta. Podia ser reproduzido, o que contribuiu para seu extraordinário sucesso. Os computadores do porte do G-10, na sua versão PC, e suas redes ou associações, destronaram os mainframes do começo dos anos de 1960 e levaram a computação a milhões de usuários.

Nos anos de 1970 e 1980, o Brasil adotou uma política equivocada de reserva do mercado brasileiro para produtos físicos de informática (hardware) fabricados no Brasil. A reserva de mercado não incluiu o software, e isso é uma das muitas objeções que se faz a essa política. Nessa época já se sabia que o computador ia ter preços cada vez menores, poder de computação crescente, uma arquitetura padronizada e características muito semelhantes.

A qualidade de praticamente todos os computadores de diferentes firmas fabricantes é equivalente, e não há porque diferenciar um computador feito nos Estados Unidos, na China, no Japão, na Europa ou no Brasil. A competitividade de uma dada marca resulta do preço da economia de escala, difícil de alcançar no Brasil, com mercado interno insuficiente e inexperiência na comercialização internacional desses produtos. O enorme nicho que realmente se confirmou seria a produção de software. Foi a produção de software que levou à criação de empresas dentre as maiores do mundo, como a Microsoft.

Essa oportunidade não foi sequer vislumbrada pelo grupo responsável pela política de reserva de mercado de hardware no Brasil. Pelo contrário, a reserva praticada induziu à “liberalização” (pirataria) e ao descrédito do Brasil e dos seus técnicos no mercado mundial de software. Alguns brasileiros, para criar empresas nessa área, tiveram de se instalar fora do Brasil, especialmente nos Estados Unidos, para ter um mínimo de garantias legais para seus produtos.

A produção brasileira de software ficou totalmente desprovida das mais elementares regras de proteção da propriedade intelectual e não conseguiu progredir. Foi a área que se mostrou muito promissora para países como o Brasil, com um número significativo de técnicos bem formados e uma vantagem competitiva conjuntural, que eram os salários relativamente baixos. Outros países, como a Índia e a Irlanda, beneficiaram-se dessa situação e se transformaram em grandes centros de produção de software.

Os efeitos perversos da política de reserva de mercado prolongaram-se até depois da vigência da Lei da Informática. A partir da abertura do mercado, observou-se um extraordinário aumento do número de usuários de computação e o aparecimento de muitas empresas de software. Todos os efeitos benéficos do uso da informática, à disposição de praticamente todas as atividades humanas, hoje aumentam a eficiência da infra-estrutura nacional, do setor produtivo, do ensino, da produção intelectual.

Amanhã virá a parte 2, Anos de 1980 e 1990: Globalização, Privatização, Fim do Monopólio e Desregulamentação

Fonte: Teleco e Antonio Helio G. Vieira (11/07/2022)

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