Recurso Especial relativo a falta de pagamento das prestações por parte do usuário do plano de saúde
Diante do inadimplemento do pagamento da mensalidade, o plano de saúde deverá notificar o segurado para regularizar o débito e informar os meios hábeis para a realização do pagamento, tal como o envio do boleto ou a inserção da mensalidade em atraso na próxima cobrança.
1. Situação FÁTICA.
Creide contratou o plano de saúde Brasa. Ocorre que, por lapso, deixou de pagar a parcela referente a outubro de 2018, tendo pago as anteriores e posteriores regularmente. Um belo dia, Creide recebeu uma correspondência do plano de saúde informando a resilição do contrato em razão do inadimplemento. Inconformada, Creide ajuizou ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais. A pretensão foi indeferida e o recurso não provido.
Inconformada, Creide interpôs recurso especial no qual alega que além de não ter sido respeitado o prazo máximo para a notificação da mora, vez que ocorreu após o quinquagésimo dia de inadimplência (no 64° dia), há inequívoca quebra de boa-fé objetiva, já que as parcelas posteriores continuaram sendo recebidas pela Operadora.
2. Análise ESTRATÉGICA.
2.1. Questão JURÍDICA.
Lei n. 9.656/98:
Art. 13. Os contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei têm renovação automática a partir do vencimento do prazo inicial de vigência, não cabendo a cobrança de taxas ou qualquer outro valor no ato da renovação.
Parágrafo único. Os produtos de que trata o caput, contratados individualmente, terão vigência mínima de um ano, sendo vedadas.
II -- a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o qüinquagésimo dia de inadimplência; e
2.2. É dever do plano a notificação e informar os meios de regularização?
R: Yeaph!!!!
Nos termos do art. 13, parágrafo único, inciso II, da Lei n. 9.656/98, inadimplido o pagamento da mensalidade, o plano de saúde deverá notificar o segurado para regularizar o débito.
A notificação, além de apontar o inadimplemento, deverá informar os meios hábeis para a realização do pagamento, tal como o envio do boleto ou a inserção da mensalidade em atraso na próxima cobrança.
Vencida a notificação e o encaminhamento adequado de forma a possibilitar a emenda da mora, só então poderá ser considerado rompido o contrato.
É exigir demais do consumidor que acesse o sítio eletrônico da empresa e, dentre os vários links, faça o login, que possivelmente necessita de cadastro prévio, encontre o ícone referente a pagamento ou emissão de segunda via do boleto, selecione a competência desejada, imprima e realize o pagamento, entre outros tantos obstáculos. O procedimento é desnecessário e cria dificuldade abusiva para o consumidor.
Por fim, o recebimento das mensalidades posteriores ao inadimplemento, inclusive a do mês subsequente ao cancelamento unilateral do plano de saúde, implica violação ao princípio da boa-fé objetiva e ao instituto da surretcio.
2.3. Resultado final.
Diante do inadimplemento do pagamento da mensalidade, o plano de saúde deverá notificar o segurado para regularizar o débito e informar os meios hábeis para a realização do pagamento, tal como o envio do boleto ou a inserção da mensalidade em atraso na próxima cobrança.
DOUTRINA
FLÁVIO TARTUCE aponta que a surretcio é o surgimento de um direito diante de práticas, usos e costumes (“Direito Civil”, vol. 03, Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 113).
Com todo o respeito, o PLANO DE SAÚDE deveria ter em linha de consideração que o seu capital pode e deve ser humanista porque desde a Grécia e de de Roma antes de Cristo, foi abolida a escravidão por dívida, dando ensejo a um importantíssimo passo inicial para a caminhada da humanidade – rumo à solução dialética entre a dignidade humana e o patrimônio econômico (Ricardo Sayeg e Wagner Balera, “Capitalismo Humanista” – Dimensão Econômica dos Direitos Humanos, Max Limonad, págs. 107/108).
Há de salientar que existem duas acepções de boa-fé: uma subjetiva e outra objetiva: A boa-fé subjetiva é um estado psicológico em que a pessoa possui a crença de ser titular de um direito que em verdade só existe na aparência. O indivíduo se encontra em escusável situação de ignorância sobre a realidade dos fatos e da lesão a direito alheio. […].[…]Em sentido diverso, o princípio da boa-fé objetiva – localizado no campo dos direitos das obrigações – é o objeto de nosso enfoque. Trata-se da “confiança adjetiva”, uma crença efetiva no comportamento alheio. O princípio compreende um modelo de eticização de conduta social, verdadeiro standard jurídico ou regra de comportamento, caracterizado por uma atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção, de modo a não frustrar a legítima confiança da outra parte.A boa-fé objetiva pressupõe: (a) uma relação jurídica que ligue duas pessoas, impondo-lhes especiais deveres mútuos de conduta; (b) padrões de comportamento exigíveis do profissional competente, naquilo que se traduz como bônus pater famílias; (c) reunião de condições suficientes para ensejar na outra parte um estado de confiança no negócio celebrado. Ela é examinada externamente, vale dizer, a aferição se dirige à correção da conduta do indivíduo, pouco importando a sua convicção. O contrário da boa-fé subjetiva é a má-fé; já o agir humano despido de lealdade e correção é apenas qualificado como carecedor de boa-fé objetiva. Tal qual no direito penal, irrelevante é a cogitação do agente. (in Manual de Direito Civil, volume único, Salvador: ed. JusPodivm, 2019, págs. 1.062/1.063)
Fonte: Estratégia (26/07/2022)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
"Este blog não se responsabiliza pelos comentários emitidos pelos leitores, mesmo anônimos, e DESTACAMOS que os IPs de origem dos possíveis comentários OFENSIVOS ficam disponíveis nos servidores do Google/ Blogger para eventuais demandas judiciais ou policiais".