sexta-feira, 7 de junho de 2024

Comportamento: Ações sobre expurgos da poupança ainda geram impacto bilionário



Tribunais formaram uma jurisprudência pacífica a favor dos poupadores 

As ações judiciais sobre expurgos inflacionários, em que se discute há mais de 30 anos a diferença entre índices de correção da poupança dos brasileiros por conta dos planos econômicos das décadas de 1980 e 1990, ainda comprometem o balanço contábil dos sete principais bancos do país. A Caixa Econômica Federal (CEF) e o Citibank têm R$ 826,7 milhões provisionados - R$ 803,4 milhões e R$ 23,3 milhões, respectivamente. Já Itaú, Banco do Brasil, Bradesco, Santander e Safra têm R$ 26,7 bilhões para todos os processos cíveis, dos quais parcela significativa envolve as teses dos expurgos.

Esses valores, longe dos apresentados pelas instituições financeiras ao Supremo Tribunal Federal (STF) quando os processos chegaram aos ministros entre 2008 e 2010, devem ser pagos aos poupadores caso o Judiciário entenda válida a correção inflacionária ou por meio de acordos - possibilidade aberta na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 165.

Metade dos cerca de 600 mil poupadores ou herdeiros atingidos aderiu ao Acordo Coletivo de Planos Econômicos. Mas ainda faltam ser julgados todos os processos sobre o tema no STF - além da ADPF, quatro recursos extraordinários (Temas 264, 265, 284 e 285). Além disso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) deve definir qual o marco final da incidência dos juros remuneratórios de 0,5% sobre as contas de poupança, o que pode reduzir o valor a ser pago pelos bancos (Tema 1101).

A maioria dos bancos não detalha quantas ações tem sobre o tema nem seu impacto financeiro. Nas notas explicativas de seus últimos balanços, indica que a maior parte se refere às disputas dos expurgos inflacionários causados pelos planos Bresser, Verão e Planos Collor I e II.

O Banco do Brasil, que tem R$ 11,5 bilhões provisionados para demandas cíveis, diz que provisiona “ações em que o banco é citado e as correspondentes perspectivas de perdas, avaliadas depois de analisada cada demanda”, conforme jurisprudência do STJ e STF. Em nota ao Valor, afirma que já deu publicidade a “processos considerados relevantes, cuja materialidade é de fato representativa à decisão de investimento dos acionistas”, como consta no último formulário de referência.

O Bradesco, com R$ 8,5 bilhões bloqueados por ações cíveis, diz que as dos expurgos “são controladas individualmente por meio de sistema e provisionadas sempre que a perda for constatada como provável, considerando a opinião de assessores jurídicos”.

Segundo o advogado Marcos Cavalcante de Oliveira, representante do Bradesco e da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) nos tribunais superiores, do Sturzenegger e Cavalcante Advogados Associados, a norma contábil não exige detalhamento sobre o impacto financeiro. “É um critério que cada administração tem que exercer dependendo da quantidade dos processos.”

O impacto relativo à tese que entrou em julgamento no STJ, afirma, vai ter implicações diferentes a depender de quando o cliente retirou o valor da conta. Isso se prevalecer o voto do relator, ministro Raul Araújo, favorável aos bancos, para que a incidência dos juros seja até o encerramento da conta ou quando ela atingir saldo zero, e não quando houver o efetivo pagamento, como defendem os poupadores.

“Pode ter cliente que encerrou a conta dois meses depois do início do Plano Verão, em 1989, e só teria dois meses de juros remuneratórios, como pode ter conta ativa até hoje. Para cada cliente terá que ser feito um cálculo”, diz Cavalcante.

O Itaú, que tem R$ 3,1 bilhões provisionados, admite que o STF “proferiu algumas decisões a favor dos titulares de cadernetas de poupança, mas não consolidou seu entendimento”. Por meio de nota, disse que “a provisão é revisitada recorrentemente, considerando, entre outros parâmetros, as regras do acordo coletivo firmado em 2017”.

Já o Santander diz, em nota, que os R$ 3 bilhões provisionados correspondem “em sua maioria, a expurgos inflacionários”. No balanço, destacou que “existe jurisprudência no STF favorável aos bancos com relação a fenômeno econômico semelhante ao da poupança, como no caso da correção de depósitos a prazo (CDBs) e das correções aplicadas aos contratos (tablita)”.

O Citibank, no balanço, diz ter só três ações de cobrança contra ele relativas ao plano Verão com decisão desfavorável definitiva, o que o fez provisionar R$ 23,2 milhões. O Safra tem R$ 604,2 milhões provisionados em relação a processos cíveis, que entende como perda provável, sem detalhar sobre os expurgos.

No caso da Caixa, assim como o da maioria, a reserva se refere apenas às ações em que o banco é efetivamente notificado. No balanço, diz ter provisionado R$ 803 milhões pelos planos econômicos. Em nota, afirma que o montante “reflete a expectativa atual de desembolso a ser realizado em processos ativos e elegíveis para conciliação, segundo os critérios do acordo coletivo”. E acrescenta que “já realizou mais de 116 mil conciliações com os poupadores e seus advogados, em um valor aproximado de R$ 1,7 bilhão”.

O acordo coletivo citado pela Caixa foi homologado, em 2018, no âmbito da ADPF, entre Febraban, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Frente Brasileira Pelos Poupadores (Febrapo) e Advocacia-Geral da União (AGU). Foram pagos, até então, R$ 4,7 bilhões para 300 mil poupadores ou herdeiros.

Os valores propostos nos acordos preveem a aplicação de fatores de multiplicação sobre o saldo das poupanças. Eles variam de acordo com o plano. Para o Bresser, é de 0,04277. Para o Verão, é de 4,09818. Após multiplicar o saldo por um desses fatores, existem descontos progressivos para montantes acima de R$ 5 mil, de 8% a 19%.

Abaixo desse valor, não são aplicadas deduções. O pagamento é feito em parcela única, em 15 dias. Só podem aderir poupadores e herdeiros que ajuizaram ações individuais ou executaram sentenças de ações coletivas e ações civis públicas até 11 de dezembro de 2017.

De acordo com advogados, o acordo foi costurado em um contexto de jurisprudência desfavorável aos bancos. Os valores pagos pelas instituições, segundo os autos do processo no Supremo, representam, em média, 20% do que os titulares das poupanças teriam direito.

Em alguns casos, é bem menos que isso. O advogado Renato André de Souza, sócio do Carramaschi e Souza Sociedade de Advogados, que representa poupadores em mil ações judiciais há 20 anos, atua em processos em que foi oferecido menos de 1% do devido.

O Banco do Brasil propôs R$ 882 para encerrar um litígio em que o poupador recebeu R$ 96 mil ao final. Em outra ação, o Bradesco propôs R$ 13 mil, o que representou 14% dos R$ 87 mil que o cliente de Souza recebeu. Para Souza, o tema é juridicamente “indefensável” para os bancos. “Já foi julgado por dezenas de tribunais do país, que formaram uma jurisprudência pacífica a favor dos poupadores.”

Procurada pelo Valor, a Febraban diz não ter dados sobre o real impacto das ações e que o acordo homologado no STF pode abranger todos os processos, individuais ou liquidações de ações coletivas. Banco Central, Bradesco e Citibank não quiseram comentar. Banco Safra e STF não responderam até o fechamento da edição.

Fonte: Valor (05/06/2024)

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