sábado, 29 de junho de 2024

INSS: As regras insustentáveis do INSS



Não há caminho indolor para se corrigir o desajuste fiscal atual e futuro, mas a eliminação de isenções tributárias regressivas e injustificáveis e a revisão de algumas regras que regem os programas sociais seriam um bom começo.

Diante da percepção de que o arcabouço fiscal do ministro Haddad é insuficiente para reverter a trajetória explosiva da dívida pública, a taxa real de juros de longo prazo disparou, juntamente com os ataques de Lula ao Banco Central. O clima de impasse só será alterado quando houver uma clara percepção de que o atual déficit primário (incluindo precatórios) de 1,5% do PIB será transformado num superávit estrutural de 2%. Existem medidas, envolvendo eliminação de isenções tributárias injustificáveis, assim como reformulação das regras de acesso aos benefícios assistenciais, capazes de alcançar essa meta.

Segundo o TCU, as isenções fiscais atingem 5,9% do PIB, sendo muitas totalmente injustificáveis, extorquidas por lobbies empresariais, ao longo dos anos. Algumas, de pequeno impacto, como o diferimento de IR sobre os fundos exclusivos, foram devidamente eliminadas. Mas há outras, como os regimes especiais de tributação da pessoa jurídica - Simples e Lucro Presumido - que seguem intocadas. Bem como programas altamente regressivos que beneficiam a indústria automobilística, a de semicondutores ou a elite amazonense via ZFM.

Do lado das despesas, o eterno déficit do INSS poderia ser reduzido mediante mudança nas regras atuais que desestimulam a contribuição. Um trabalhador celetista que recebe exatamente um salário mínimo (SM) contribui à alíquota de 7,5% ao INSS. Seu empregador contribui a 20%, além de pagar outras - Salário Educação, Sistema S, Incra, RAI e FGTS - perfazendo encargos de 35% do SM. Para conseguir manter seu emprego, o trabalhador precisa gerar 135% do SM, mas desse montante ele receberá apenas um SM, sendo 92,5% do SM no bolso, e mais 8% do SM quando receber seu FGTS parcialmente desvalorização pela inflação. Conclui-se que o trabalhador recebe apenas 74,4% (=100,5/135) do que produz. O resto fica com o Estado.

Se esse trabalhador fizer um acordo com seu empregador, passando a trabalhar na condição de MEI, o encargo total cairá a apenas 5% do SM. Os recursos recebidos pelo governo cairão de 25,6% do que o trabalhador produz para apenas 3,7% (=5/135). Isto sem que ocorra qualquer redução de sua aposentadoria futura, ou de outros benefícios de risco no presente. Não surpreende que o número de MEIs esteja crescendo aceleradamente, já tendo alcançado 15,8 milhões.

A reforma da previdência de 2019 estabeleceu duas pré-condições para um trabalhador urbano poder se aposentar: ter atingido 65 anos de idade, e ter contribuído por 20 anos. O valor do benefício é calculado a partir do salário médio atualizado de contribuição (SMA). Quem só contribuiu por 20 anos recebe 60% do seu SMA. A cada ano a mais de contribuição, o benefício cresce 2%. Quem contribuiu por 35 anos, por exemplo, recebe 90% (= 60%+15x2%) do SMA.

Ocorre que ninguém recebe menos de um SM. Um trabalhador celetista que contribuiu sobre um SM por 40 anos recebe, portanto, a mesma aposentadoria que outro que tenha efetuado igual contribuição por apenas 20 anos. Contribuir por mais de 20 anos é um mau negócio.

O fato de o SM ser o piso de benefícios do INSS desincentiva contribuições elevadas, pois o SM é corrigido acima da inflação, enquanto as aposentadorias acima de um SM são corrigidas somente pela inflação. Tome-se o caso de um trabalhador que, após contribuir acima do SM por muitos anos, tenha se aposentado com benefício de 25% acima do SM. Se o aumento do SM for de 2% ao ano acima da inflação - número compatível com a regra atual de correção do SM pela variação do PIB -, apenas 11 anos após ter se aposentado o trabalhador estará recebendo o mesmo benefício de quem se aposentou recebendo o piso de apenas um SM. É muito mais negócio registrar a carteira de trabalho por somente um SM, recebendo “por fora” a diferença. Idealmente por apenas 20 anos.

Sob regime atual, não surpreende que sejam apenas 36 milhões de empregados com carteira assinada no setor privado

Mas a maior distorção está no valor do Benefício de Prestação Continuada (BPC), uma renda de um SM paga a quem chegou aos 65 anos sem renda porque nunca contribuiu ao INSS! O INSS paga benefícios a 40 milhões de pessoas, dos quais 27 milhões de exatamente um SM. Não surpreende que, sob as regras atuais, de uma população economicamente ativa de 109 milhões, os empregados com carteira assinada no setor privado sejam apenas 36 milhões.

A fim de se estimular a contribuição ao INSS, é preciso que haja uma discrepância significativa entre o benefício recebido por quem contribuiu por muitos anos e aquele recebido por quem pouco (ou nada) contribuiu. Não é possível implantar isso rapidamente, pois seria jurídica e politicamente inviável, mas é possível fazê-lo gradualmente. Basta se estabelecer um benefício previdenciário mínimo (BPM) inicialmente igual ao SM, mas que seria corrigido somente pela inflação. Pela regra atual de correção do SM, se o crescimento do PIB for de 2% ao ano, após 25 anos o BPM se tornaria 60% do SM, corrigindo as distorções listadas acima.

Em artigo recente, Delalibera, Ferreira e Parente estimam que, pelas regras atuais, em 2060 o déficit previdenciário superará 10% do PIB. Para se equilibrar o sistema seria preciso um aumento brutal de impostos, ou elevação da idade mínima de aposentadoria para 72 anos. Não há caminho indolor para se corrigir o desajuste fiscal atual e futuro, mas a eliminação de isenções tributárias regressivas e injustificáveis, bem como a revisão de algumas regras que regem os programas sociais, seriam um bom começo.

Fonte: Valor, Pedro Cavalcanti e Renato Fragelli (27/06/2024)

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