sexta-feira, 28 de junho de 2024

Planos de Saúde Coletivos: Mais uma vez a abusividade

 


Um massacre nos beneficiários de plano de saúde coletivos. É uma relação abusiva. 

Vejam o imbróglio: uma operadora de plano de saúde, arbitrariamente e sem comprovação atuarial, reajustou o plano em 22,63%. Vale lembrar de que a inflação da vida real ficou em 4,62%.

É uma “inflação lunática” de 22,63%. Desconectada das coisas terrestres. Há uma diferença astronômica!

Tudo isso, torna inviável a continuidade no plano de saúde. O que gera angústia, tristeza, dor no coração, apreensão e abalo emocional.

Os planos vêm sempre com a mesma ladainha: de que a culpa é da “inflação médica” e à alta sinistralidade.

Como assim?

Sinistro é o Tavinho, consumidor idoso ou doente ter que se virar para pagar essa conta. Aliás, não há rigor no controle e transparência de custos das operadoras.

Refrescando a memória:  as operadoras de saúde fecharam o ano de 2023, com o lucro de R$ 3 bilhões, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)  [1]

Por outro lado, as operadoras: negam atendimentos e até descumprem decisões judiciais. Serviço caro e sem respeito ao consumidor. As pedras e a torcida do Flamengo sempre souberam disso.

Mas para além dessas abusividades, há outra: queriam vergonhosamente cancelar milhares de planos de saúde.

O que é uma brutalidade!

Do Direito fundamental à saúde

A saúde é direito de todos e dever do Estado. Está intimamente ligada com o direito à vida e à dignidade da pessoa humana. Por ser um direito constitucional, há, sim, uma obrigação de fazer do Estado.

Pela nossa Constituição, não há que se falar em Estado-mínimo. Mas em Estado de bem-estar social.

Logo, temos o direito subjetivo de exigir do Estado políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (artigo 196, CF).

Ocorre que, com a omissão do Estado e o sucateamento do SUS (Sistema Único de Saúde), que, aliás, faz milagres, 51 milhões de brasileiros, que podem pagar com sacrifício, ficam nas mãos dos planos de saúde, onde prosperam os donos de hospitais e de operadoras, querendo sempre maximizar os seus lucros.

Ou seja, três em cada dez brasileiros dependem dos planos de saúde. Avança a saúde suplementar. sete em cada dez dependem do SUS.

Infelizmente, tudo isso impõe marcha à ré no direito à saúde. Ele não pode ser suprimido nem enfraquecido, em face o princípio da vedação do retrocesso.

Do falso plano coletivo

O “falso coletivo” é uma fraude para as operadoras de saúde terem mais liberdade nos reajustes das mensalidades e, assim, maiores lucros. A armadilha da seguradora é tentar fugir do índice fixado pela ANS para os planos individuais e familiares e impor, arbitrariamente, suas próprias regras, com preços exorbitantes.

À primeira vista, parece um plano coletivo. À segunda vista, na essência, o “falso coletivo” tem natureza jurídica de plano individual e familiar. Fica, sim, submetido as normas da ANS, que para este ano fixou o reajuste em 6,91%.

Sobre o tema, orienta a nota de esclarecimento sobre planos coletivos, emitida pela ANS, em 26.6.2013:

“São considerados ‘falsos’ coletivos os contratos coletivos por adesão compostos por indivíduos sem nenhum vínculo representativo com a entidade contratante do plano de saúde. Por não terem representatividade, esses grupos ficavam mais vulneráveis.”

No “falso coletivo”, operadora contrata através de pessoa jurídica (CNPJ). Entretanto, mesmo que haja poucos membros da mesma família no plano, eles dizem que é um contrato coletivo.

O que é um faz-de-conta…

Por outras palavras, trata-se uma “falsa coletivização”, ante o número reduzido de seus membros.  Em regra, são restritos aos componentes de uma única família.

Pergunto: qual a pressão que um pequeno grupo familiar pode fazer na negociação com operadora de saúde?!

Explico: uma grande empresa tem igualdade com a seguradora na hora da negociação. Já o consumidor Tavinho é o fraquinho. Merece, sim, proteção do CDC.

A propósito, a jurisprudência assentou o entendimento de que devem ser aplicadas as regras próprias dos planos individuais e familiares aos ¨falsos coletivos¨.

Nesse sentido, o STJ entende que:

“A Corte de origem entendeu que o reajuste do plano de saúde não poderia ser baseado apenas nas taxas de sinistralidade, devendo ser limitado aos índices anuais da ANS, pois configurada a natureza individual do convênio (“falso coletivo”). (…) Ademais, esta Corte Superior tem jurisprudência no sentido de que “é possível, excepcionalmente, que o contrato de plano de saúde coletivo ou empresarial, que possua número diminuto de participantes, como no caso, por apresentar natureza de contrato coletivo atípico, seja tratado como plano individual ou familiar”. (AgInt no REsp n. 1.880.442/SP, relator Marco Buzzi, 4ª Turma, julgado em 2/5/2022, DJe de 6/5/2022).

Do ônus da prova da sinistralidade

Como se sabe, o ônus da prova incumbe:

(…)

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Em consequência, o plano de saúde só pode aplicar o reajuste por aumento de sinistralidade se demonstrar, com extrato pormenorizado, o aumento na proporção entre as despesas assistenciais e as receitas diretas do plano.

Ocorre que a operadora manda o boleto para o beneficiário. Diz que então ficamos assim:  o reajuste é 22,63%. Pode isso? É claro que não! Tem que provar por a +b, o aumento.

Em 23/4/2024, no REsp n. 2.065.976/SP, sendo relatora ministra Nancy Andrighi, o STJ, decidiu:

(…)

5. Esclarece a ANS, sobre o reajuste anual de planos coletivos, que a justificativa do percentual proposto deve ser fundamentada pela operadora e seus cálculos (memória de cálculo do reajuste e a metodologia utilizada) disponibilizados para conferência pela pessoa jurídica contratante com o mínimo de 30 dias de antecedência da data prevista para a aplicação do reajuste.

6. O reajuste por aumento de sinistralidade só pode ser aplicado pela operadora, de forma complementar ao reajuste por variação de custo, se e quando demonstrado, a partir de extrato pormenorizado, o incremento na proporção entre as despesas assistenciais e as receitas diretas do plano, apuradas no período de doze meses consecutivos, anteriores à data-base de aniversário considerada como mês de assinatura do contrato.

7. Além de responder administrativamente, perante a ANS, por eventual infração econômico-financeira ou assistencial, a aplicação do reajuste pela operadora, sem comprovar, previamente, o aumento de sinistralidade, torna abusiva a cobrança do beneficiário a tal título.

8. Se a operadora, em juízo, renuncia à fase instrutória e deixa de apresentar o extrato pormenorizado que demonstra o aumento da sinistralidade – o mesmo, aliás, que deveria ter sido apresentado à estipulante -, outra não pode ser a conclusão senão a de que é indevido o reajuste exigido, por ausência do seu fato gerador, impondo-se, pois, o seu afastamento; do contrário, estar-se-ia autorizando o reajuste sem causa correspondente, a ensejar o enriquecimento ilícito da operadora.

Tradução:  o reajuste por sinistralidade estará, portanto, condicionado à efetiva demonstração do alegado desequilíbrio contratual por parte da operadora, sob pena de violação aos princípios da: lealdade, da boa-fé e da função social do contrato.

Sobretudo, sob pena de conceder apenas a uma das partes contratantes poderes soberanos, absolutos e ilimitados para a fixação de percentuais de reajuste que apenas satisfaçam o seu interesse pessoal, qual seja, a maximização dos seus lucros.

Da revisão de cláusulas contratuais

Existe possibilidade de revisão de cláusulas contratuais em razão da abusividade havida entre as operadoras e beneficiários, no decorrer da relação jurídica de direito obrigacional.

Dessa maneira, a questão pode e deve ser judicializada a fim de garantir acesso ao direito à saúde.

Do dano moral pelo ‘falso coletivo’

Reprodução

A indenização por dano moral, pelo “falso coletivo” é evidente. Não há dúvidas. Há o receio de que, certamente, os contratantes não conseguirem pagar a mensalidade imposta, abusivamente, pelo plano, ficando sem assistência médica.

Em razão disso, há apreensão, dor no coração, tristeza, angústia e abalo emocional.

Há um dano um dano extrapatrimonial de natureza existencial, que é indenizável in re ipsa, vale dizer, o prejuízo, por ser presumido, independe de prova.

Conclusão

 É notório de que as operadoras de planos de saúde, cotidianamente, empregam práticas abusivas. É notório também de que prosperam os donos de hospitais e de operadoras.

Na outra ponta, o consumidor, em estado de carência e condição de vulnerabilidade, está sempre se prejudicando. Não à toa, que 51 milhões de beneficiários são vítimas das maldades infinitas dos planos de saúde. A coisa é tão perversa, tão absurda.

É muito triste perceber quanto andamos para trás, no direito à saúde!

Até quando: Congresso e ANS?

Fonte: Consultor Jurídico e Renato O. G. Ferraz (23/06/2024)

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