sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Previdência Privada: Indefinição de ITCMD nos planos de previdência, VGBL principalmente, e a insegurança jurídica

 


A manutenção da não incidência, como regra, do ITCMD sobre o VGBL é indispensável para garantir segurança jurídica e justiça tributária. 

Uma decisão favorável do STF nesse sentido promoveria a confiança dos investidores nos planos de previdência complementar, assegurando que os beneficiários desses planos sejam protegidos conforme a legislação atual.

O segundo Projeto de Lei de regulamentação da reforma tributária (PLP 108/2024), apresentado no último dia 8 de julho ao Senado, prevê a incidência de ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) sobre planos de previdência privada do tipo VGBL e PGBL. 

De acordo com o PL, o ITCMD incidirá sobre os aportes financeiros capitalizados sob a forma de planos de previdência privada ou qualquer outra forma ou denominação de aplicação financeira ou investimento, seja qual for a modalidade de garantia. 

Mas, a discussão na justiça sobre a tributação desses planos de previdência está longe de encerrada e tem gerado debates entre os especialistas. A natureza jurídica desses produtos é fator determinante para a incidência do ITCMD, sendo o VGBL enquadrado como seguro de vida e o PGBL como aplicação financeira e poupança previdenciária. 

O Tema 1214 do Supremo Tribunal Federal (STF), que trata da tributação dos planos de previdência complementar, é indispensável para definir essas questões. A repercussão geral reconhecida nesse tema destaca a relevância da matéria para o ordenamento jurídico e a economia do país. Recentemente, em 07/06/2024, o processo foi encaminhado para conclusão do relator, indicando uma possível resolução em breve. 

A falta de uma decisão definitiva do STF sobre o Tema 1214 cria uma atmosfera de incerteza jurídica significativa, especialmente no que se refere à correta aplicação das normas tributárias para o VGBL. Sem uma definição clara, os contribuintes e as autoridades fiscais estaduais podem interpretar as normas de maneira divergente, aumentando o risco de litígios e decisões conflitantes. 

As Resoluções CNSP nº 140/2005, 464/2024 classificam o VGBL como seguro de vida e conceituam a sua natureza securitária, afirmando que ele é destinado a oferecer uma proteção financeira ao segurado. Essas resoluções são corroboradas pelo STJ, que em diversas ocasiões estabeleceu que os valores do VGBL não integram a herança e, portanto, não são tributáveis pelo ITCMD. A decisão da Segunda Turma do STJ no julgamento do REsp 1.961.483/RS, relatada pela ministra Assusete Magalhães, confirma que o VGBL é um seguro de vida individual e, portanto, isento de ITCMD. 

A Superintendência de Seguros Privados (Susep), em sua Circular nº 699/2024, também define o VGBL como um seguro de vida, cuja finalidade é pagar uma indenização ao segurado, seja em forma de renda ou pagamento único, em função da sua sobrevivência ao período de diferimento contratado. Essa definição é reforçada pelo artigo 794 do Código Civil, que estabelece que os valores recebidos pelos beneficiários de seguros de vida não integram a herança do falecido. 

Tributar o VGBL seria desconsiderar a sua classificação como seguro de vida. Os dispositivos legais são claros ao definir que os valores recebidos pelo beneficiário em decorrência da morte do segurado não compõem o acervo hereditário, portanto, não são passíveis de incidência do ITCMD, conforme o artigo 79 da Lei 11.196/2005 e o artigo 794 do Código Civil . Em diversas decisões, como no Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 1.215.071/RS, o STJ estabeleceu que os valores do VGBL não se submetem à colação, justamente por serem considerados seguros de vida. 

Além disso, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) decidiu que o VGBL possui natureza de seguro de vida, não se sujeitando ao ITCMD, conforme o acórdão do Agravo de Instrumento-Cv: AI 0464426-84.2021.8.13.0000 MG. A decisão salienta que o VGBL possui natureza securitária e, portanto, não faz parte do patrimônio do falecido, não significando valor transmitido aos herdeiros, devendo receber tratamento jurídico equivalente ao seguro de vida. 

É importante esclarecer que é possível a modificação da natureza de seguro do VGBL, caso este tenha comprovadamente sido utilizado com o objetivo de evitar a realização de partilha de bens que deveriam compor o acervo hereditário, em benefício de apenas partes de seus herdeiros necessários.  

Por exemplo, uma determinada pessoa realiza um aporte, poucos dias antes da sua morte, de recursos financeiros vultosos em VGBL, deixando apenas um de seus herdeiros necessários como beneficiário de tal seguro. Neste caso, claramente o VGBL foi utilizado como a finalidade de prejudicar os demais herdeiros necessários em benefício de apenas um deles, de modo que entendemos que, neste caso, os recursos ali mantidos devem compor o acervo hereditário do falecido e, portanto, também incidir o ITCMD. 

Outro ponto importante: os direitos sucessórios não podem ser confundidos com os direitos decorrentes do regime de bens aplicável ao casamento ou união estável, de modo que, caso os recursos aportados em VGBL sejam comuns entre os cônjuges ou conviventes por força do regime de bens eleito, a meação sobre os recursos ali mantidos deverá ser apurada em caso de dissolução do casamento ou da união estável, em vida ou após a morte.  

No caso do PGBL, a tributação é justificável devido à sua natureza como poupança previdenciária. Este plano de previdência é um mecanismo de acumulação de capital para a aposentadoria, com incidência de imposto de renda sobre os resgates e benefícios recebidos. A Resolução CNSP nº 463/2024 reforça essa classificação.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, conforme o acordão do Agravo Interno no Recurso Especial nº 0316949-91.2018.8.19.0001 por exemplo, declarou que o ITCMD incide sobre o PGBL, considerando-o parte da herança devido à sua natureza de poupança previdenciária.

A distinção correta entre VGBL e PGBL é primordial para garantir a justiça fiscal e a segurança jurídica. A manutenção da isenção do ITCMD para o VGBL protege os beneficiários de uma carga tributária indevida, respeitando sua natureza de seguro de vida. Já a tributação do PGBL é coerente com sua função de investimento, garantindo que os rendimentos sejam devidamente tributados. 

A manutenção da não incidência, como regra, do ITCMD sobre o VGBL é indispensável para garantir segurança jurídica e justiça tributária. Uma decisão favorável do STF nesse sentido promoveria a confiança dos investidores nos planos de previdência complementar, assegurando que os beneficiários desses planos sejam protegidos conforme a legislação atual.  

Ainda, na transmissão do plano aos herdeiros, o ITCMD deverá ser recolhido com base no valor transmitido e deverá ser complementado quando da transmissão do restante dos bens e direitos, adicionando à base de cálculo os valores dos bens anteriormente transmitidos, deduzindo os valores recolhidos do referido imposto, observadas as alíquotas progressivas dispostas na legislação dos Estados ou Distrito Federal, baseando-se no valor total do quinhão ou legado. 

Em São Paulo, o ITCMD é regulamentado pela Lei Estadual nº 10.705/2000 e pelo Decreto nº 46.655/2002. O ITCMD incide sobre a transmissão de quaisquer bens ou direitos em decorrência de sucessão (causa mortis) ou doação. No caso de VGBL, como mencionado, ele é considerado um seguro de vida e, portanto, os valores pagos aos beneficiários não são tributáveis por ITCMD. Isso se deve ao fato de que os valores recebidos pelos beneficiários não integram a herança, conforme o artigo 794 do Código Civil e a jurisprudência consolidada do STJ.

Fonte: Estadão (29/07/2024)

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