sexta-feira, 11 de abril de 2025

Sucessão Patrimonial: Conheça as exceções admitidas pelo STF no Tema 1214, incidência do ITCMD sobre VGBL e PGBL



Em casos normais não incide ITCMD sobre V/PGBL

O STF (Supremo Tribunal Federal), na apreciação do Tema 1.214, definiu recentemente a seguinte tese: “é inconstitucional a incidência do imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD) sobre o repasse aos beneficiários de valores e direitos relativos ao plano vida gerador de benefício livre (VGBL) ou ao plano gerador de benefício livre (PGBL) na hipótese de morte do titular do plano.”

Recusada a modulação dos efeitos dessa decisão, o Supremo, na prática, garantiu ao contribuinte o direito de repetir o indébito de valores que eventualmente tenham sido recolhidos. [1]

Prevaleceu, portanto, a ideia de que sobressai tanto do VGBL quanto do PBGL o “caráter de seguro de vida”, de modo que não se poderia falar em incidência do ITCMD sobre a transmissão dos valores aportados, no caso de falecimento do titular do plano, aos beneficiários indicados no contrato.

Sempre é assim?

Para além do enunciado da tese, é fundamental trazer a lume que o próprio STF excepcionou a possibilidade de, no caso concreto (isto é, “caso a caso”), serem identificadas eventuais situações de dissimulação, criadas mediante planejamento fiscal abusivo, nos termos do parágrafo único do artigo 116 do CTN. [2] Ademais, conforme também consta do voto do relator, acompanhado à unanimidade pelos demais ministros, foi assentado que o Tema 1.214 “não autoriza, evidentemente, que o VGBL ou o PGBL possam ser utilizados para se burlar o direito à legítima”.

Essas ressalvas não se reduzem a simples obter dictum! Antes, são premissas que não podem ser omitidas ou eliminadas sem afetar o conteúdo do acórdão. Por isso, e justamente por isso, integram a ratio decidendi do tema apreciado pelo STF.

No entanto, e como muitas vezes ocorre, a tese do tema foi redigida de tal forma a não abranger integralmente sua ratio. Trata-se de mais um caso em que, como adverte a doutrina, “a ratio decidendi não consta da tese jurídica, mas só do acórdão propriamente dito”. Mas, ainda que não expressada na tese, o fato é que a ratio decidendi é igualmente vinculante, isto é, a obrigatoriedade de respeito ao precedente “não se encerra na tese jurídica”.[3]

Violação de direitos de herdeiros

Pois bem: o que se tem constatado com grande frequência — e isso só tende a aumentar se a aplicação do Tema 1.214 ficar restrita à literalidade de sua tese, ignorando-se as exceções integrantes da ratio decidendi do acórdão — é exatamente a utilização de tais planos como forma de violar direitos de herdeiros necessários e/ou de dissimular a ocorrência do fato gerador do ITCMD.

Empiricamente, têm sido comuns as situações em que o pactuante, já em idade avançada ou acometido de enfermidades graves, aplica em tais planos significativos recursos, muitas vezes em valores acima da porção disponível de seu patrimônio e, ainda, com exclusão parcial ou total dos herdeiros necessários do rol contratual de beneficiários.

O montante investido, com o falecimento do contratante, é então devolvido diretamente para beneficiários previamente indicados, sem inventário, sem partilha, sem pagamento dos eventuais credores do de cujus e, claro, sem recolhimento do ITCMD.

Exemplo de Mato Grosso do Sul

Em Mato Grosso do Sul, cabe mencionar, apenas de exemplo, a questão tratada nos autos do inventário de nº 0810293-54.2022.8.12.0021, [4] ainda pendente de julgamento. Aqui, a inventariada, ao final de sua vida e após alienar diversos imóveis, aplicou cerca de 95% de todo o seu patrimônio num plano VGBL. Cuida-se de milhões de reais, devolvidos diretamente por meio de simples transferência bancária a apenas dois dos herdeiros necessários, porque beneficiários, sem partilha com os demais.

Caso igualmente interessante se verifica nos autos de nº 0812914-21.2021.8.12.0001. [5] Embora figurasse como titular do plano apenas o nome do cônjuge supérstite (viúvo), a metade do valor depositado pertenceria à esposa (falecida), pois casados no regime da comunhão universal. Neste feito, discute-se então se essa meação deve, ou não, ser partilhada entre os herdeiros da inventariada (não beneficiários), um dos quais, diga-se, seria incapaz.

Também de exemplo podem ser citados os fatos versados no AI nº 1421162-22.2024.8.12.0000, julgado pelo TJ-MS em 26 de fevereiro de 2025. [6] O contratante, enfermo, contava com 88 anos quando aderira ao plano, para nele aportar vultosa quantia, tendo designado, como beneficiário, apenas um entre seus vários filhos.

Nesse último caso, sem desconhecer que os planos de previdência privada (VGBL) tenham, “em regra”, caráter securitário, o TJ-MS entendeu que não havia por parte do contratante, cujo óbito sobreveio em poucos meses, nenhuma “expectativa em auferir proveito a título de prestações continuadas, revelando-se o propósito de capitalizar numerário de modo a favorecer terceiros em detrimento da ordem de vocação hereditária”. Assim, decidiu-se que “deve o numerário ser vertido para a partilha”.

Amparo em tema do STF

A inclusão desses valores na partilha, com o consequente recolhimento do imposto de transmissão causa mortis, está, pois, amparada pela ratio decidendi do tema analisado pelo STF, o qual, como destacado, expressamente autorizou separar o joio do trigo.

Enfim, circunstâncias como a idade ou a condição de saúde do proponente no momento da contratação, a dimensão do patrimônio aportado no pagamento do “prêmio”, a preterição de herdeiros necessários, o desrespeito à meação ou o prejuízo a eventuais credores, entre outras, podem evidenciar a excepcionalidade de uma situação em que os valores aplicados devem, sim, ser partilhados como herança, inclusive com o recolhimento do ITCMD devido.

[1] RE 1.363.013 ED/RJ, Rel. Ministro Dias Toffoli, publicado em 12/03/2025.

[2] A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.

[3] ALVIM, Teresa Arruda; BARIONI, Rodrigo. Recursos repetititvos: tese jurídica e ratio decidendi. Revista de Processo, São Paulo, v. 296/2019, p. 183 – 204.

[4] Em trâmite na comarca de Três Lagoas/MS.

[5] Em trâmite na Comarca de Campo Grande/MS.

[6] 1ª Câmara Cível, relator Des. Sérgio Fernandes Martins.

Fonte: Conjur (06/04/2025)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

"Este blog não se responsabiliza pelos comentários emitidos pelos leitores, mesmo anônimos, e DESTACAMOS que os IPs de origem dos possíveis comentários OFENSIVOS ficam disponíveis nos servidores do Google/ Blogger para eventuais demandas judiciais ou policiais".