Foi por meio de um decreto que o governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva
permitiu a criação do que hoje é a megaoperadora Oi, em 2008. Editado dez anos depois da
privatização da Telebrás, o decreto mudou o Plano Geral de Outorgas (PGO), permitindo que um
mesmo grupo econômico pudesse operar em mais de uma área de concessão.
Já na época, o decreto foi interpretado como uma tentativa do governo de salvar a companhia – que
resultou da união entre a antiga Oi (ex-Telemar) e a Brasil Telecom. Mas a história da Oi mostra que
essa não foi a primeira tentativa do governo de ajudar a companhia. Pelo contrário: todos os governos,
de uma forma ou de outra, tentaram salvar a empresa.
A Lava Jato cita este decreto, assinado por Lula, como uma das medidas para favorecer a operadora em
troca de repasses para empresas ligadas ao filho do ex-presidente Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha e
dos empresários Fernando Bittar, Kalil Bittar e Jonas Suassuna.
Ex-presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e atual diretor do setor de
telecomunicações da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Juarez Quadros afirma
que o decreto de 2008 não foi ilegal, mas, ainda assim, não deveria ter sido editado. “Não houve
nenhuma ilegalidade com o decreto. A lei permitia que o PGO fosse alterado pelo Poder Executivo. O
que houve foi uma falta de avaliação de uma condição estratégica do negócio, ao permitir que dois
grupos econômicos com problemas financeiros se unissem e só aumentassem o volume de dívidas”,
afirmou Quadros. “Se isso tivesse sido evitado, o processo de recuperação judicial de uma ou outra
(Brasil Telecom ou Oi) seria mais fácil de administrar, e não teria gerado uma dívida conjunta de R$ 65
bilhões.”
Fernando Henrique Cardoso
Mas se o decreto foi essencial para transformar a Oi no que ela é hoje, a história da empresa é permeada
por ações do governo desde sua fundação. Ela começa no leilão de telefonia fixa, realizado em 1998.
Para aumentar a competição, o governo dividiu o País em três regiões: Telesp; adquirida pela
Telefônica; Centro-Sul, arrematada pela Brasil Telecom; e Norte Leste, comprada pela Telemar – que
anos depois mudou de nome e se tornou a Oi.
Se hoje é um serviço obsoleto, na época, a telefonia fixa era um sonho de consumo da maioria da
população e carro-chefe das empresas. A telefonia celular, também leiloada na mesma data, dava seus
primeiros passos, ainda restrita aos serviços de voz e mensagens de texto com preços ainda inacessíveis
para a maioria da população.
á na época do leilão, a então Telemar não era bem vista pelo governo do ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso, que duvidava da capacidade da companhia de honrar compromissos vultosos.
Diferentemente da Telefônica (hoje Vivo) e da Brasil Telecom, a empresa era composta apenas por
investidores nacionais – como BNDESPar, fundos de pensão estatais e braços de investimento da
construtora Andrade Gutierrez e do grupo Jereissati – e não tinha entre seus sócios nenhum acionista
com experiência na área de telefonia.
Mesmo assim, a então Telemar participou do leilão e adquiriu, sem ágio, pelo preço mínimo, a área
mais desafiadora da disputa, que incluía as regiões Norte, Nordeste e Sudeste, exceto São Paulo. As
dúvidas do governo FHC se confirmaram ao longo dos anos, e a empresa passou a enfrentar
dificuldades financeiras para honrar o compromisso de universalizar a telefonia fixa em sua área de
concessão.
Ao longo dos anos, a companhia acumulou inúmeras multas da Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel) por descumprir obrigações. Com o tempo, essas sanções acabaram atingindo patamares
bilionários.
Lula
Foi quando o governo Lula, em novembro de 2008, editou um decreto que mudava o marco regulatório
do setor e permitia que companhias detentoras de áreas de concessão diferentes pudessem se fundir -
até então, algo proibido. A deficitária Oi acabou comprando a Brasil Telecom – que atuava no Sul e no
Centro-Oeste, além de Acre, Rondônia e Tocantins. A Brasil Telecom também tinha problemas
financeiros, mas estava em situação aparentemente mais sadia do que a Oi.
Na época, o governo informou que passaria a exigir contrapartidas da nova empresa que surgisse da
operação. A nova Oi nascia como uma supertele, escolhida pelo governo para ser uma campeã nacional,
estimular o crescimento econômico e, eventualmente, tornar-se uma empresa de alcance internacional.
Mesmo com dívidas elevadas, ela foi uma das mais beneficiadas pela política de empréstimos
subsidiados do BNDES, iniciada no governo Lula e intensificada na gestão Dilma Rousseff.
Dilma
Em 2013, já no governo Dilma, a Oi e a Portugal Telecom anunciaram uma fusão para criar a CorpCo,
uma companhia global com atuação no Brasil, Portugal e países africanos. Mas o negócio deu errado
cerca de um ano depois, quando a tele portuguesa, sem informar a sócia brasileira, comprou títulos no
valor de quase 900 milhões de euros do Banco Espírito Santo. O banco, que era um dos maiores
acionistas da empresa, não honrou o pagamento e acabou falindo. Em 2015, a Oi conseguiu vender a
Portugal Telecom para a Altice.
No mercado interno, as dificuldades da Oi ficaram mais visíveis em 2014, quando a companhia, ao
contrário de suas concorrentes Vivo, Claro e TIM, não participou do leilão do 4G, que ofertou a
frequência de 700 MHz. Esse investimento era vital para que a companhia pudesse concorrer de igual
para igual com as outras teles pela nova tecnologia que hoje é o principal negócio e fonte de receitas do
setor.
Com grande parte de seus clientes na telefonia fixa, mas em quarto lugar no ranking de telefonia
celular, o faturamento da Oi caía enquanto as dívidas aumentavam. Com a piora nos indicadores de
qualidade do serviço, a empresa entrou no radar da Anatel, que muitas vezes ameaçou intervir na
concessionária - mas, sem apoio do governo federal, nunca o fez.
Temer
A Oi finalmente entrou com pedido de recuperação judicial em junho de 2016, com dívidas de R$ 65
bilhões. Já na gestão de Michel Temer, o governo tinha ainda mais interesse em evitar a falência da
empresa, já que quase R$ 20 bilhões desse passivo eram dívidas com a União e a própria Anatel. Além
disso, em milhares de municípios do País, a companhia era a única operadora, e o colapso da
companhia poderia deixar milhões de consumidores incomunicáveis.
Em 2017, a agência chegou a elaborar uma medida provisória na tentativa de ajudar a empresa,
alongando prazos de pagamento de dívidas e substituindo passivos por investimentos. O texto, no
entanto, nunca foi editado pelo governo.
Paralelamente, o governo passou a defender a aprovação do novo marco regulatório das teles no
Congresso como uma forma de atrair um novo investidor, permitindo a migração do regime de
concessões, que exigia investimentos até em orelhões, para o de autorizações, mais flexível e focado em
banda larga. A avaliação era a de que a Oi precisava de um novo sócio que injetasse recursos suficientes
para que a companhia pudesse competir com outras teles. O texto já havia sido aprovado pela Câmara,
mas ficou parado no Senado.
Às vésperas da assembleia de credores que avaliaria o plano de recuperação judicial da companhia,
numa reunião que se estendeu pela madrugada do dia 13 de dezembro de 2017, Temer e seus ministros
pressionaram a Anatel a aceitar a proposta da companhia, que propunha descontos de 90% nas dívidas
da tele com a União e a agência e prazo de 20 anos para o pagamento. Sem amparo legal e sob risco de
responsabilização pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a Anatel e a Advocacia Geral da União
(AGU) votaram contra o plano. A maioria dos credores, no entanto, aprovou a proposta.
Bolsonaro
Foi apenas durante o governo do presidente Jair Bolsonaro que o novo marco regulatório das teles
virou lei. O projeto foi sancionado em outubro, depois de aprovado pelo Senado em setembro e pela
Câmara anos antes, em 2015. A previsão do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e
Comunicações (MCTIC) é a de que a proposta seja regulamentada, com decretos e portarias, em janeiro.
Até agora, porém, a Oi não conseguiu atrair um novo investidor da área de telecomunicações. Boa parte
dos sócios da empresa hoje são fundos de investimento estrangeiros. O período de recuperação judicial
se encerra em fevereiro do ano que vem, mas a empresa quer prorrogá-lo. Por enquanto, o governo
Bolsonaro não fez nenhum movimento na direção de ajudar a companhia.
Fonte: Estadão (10/12/2019)
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