Ministros levaram em consideração o fato de a crise ter afetado mais fortemente os consumidores
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou a redução de aluguel e a manutenção de cliente em plano de saúde em razão da pandemia. Dois casos foram julgados nesta semana pelas 3ª e a 4ª Turmas e, em ambos, os ministros levaram em consideração o fato de a crise ter afetado mais fortemente os consumidores.
Redução do Aluguel
O caso sobre aluguel, julgado na terça-feira, era um recurso da EGA Administração Participações e Serviços. A empresa tentava reverter decisão de segunda instância favorável ao pedido feito pela Operativa Sistemas, sua locatária.
Em 16 de abril de 2020, a EGA pediu para reduzir aluguéis comerciais de um espaço de coworking. A empresa alegou que, por determinação legal do Distrito Federal, o atendimento no espaço foi reduzido, inviabilizando a atividade comercial.
A empresa pediu a revisão do valor do aluguel, um desconto de 50%, pelo prazo de cinco meses ou até cessarem os principais impactos econômicos da pandemia. Com o desconto, passaria a pagar R$ 1.657,84. Argumentou que sua receita no coworking teria caído 27,5% no período, para R$ 35 mil.
No julgamento, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, analisou se a situação decorrente da pandemia constitui fato apto à revisão judicial de contrato de locação não residencial, especialmente quanto à redução proporcional do valor dos aluguéis.
De acordo com Salomão, a liberdade de contratar é a regra e a intervenção judicial só cabe quando for imprescindível ao restabelecimento do equilíbrio entre as partes. No caso concreto, ele verificou que, apesar de a pandemia ter afetado locador e locatário, ocorreu desequilíbrio econômico-financeiro maior para a locatária.
Por isso, o ministro ponderou que a fixação de um período determinado para que as partes possam se adequar às condições seria importante, especialmente quando a manutenção do contrato é viável (REsp 1984277).
O ministro traçou paralelo com o entendimento adotado pelo STJ na situação de revisão dos contratos de arrendamento mercantil indexados ao dólar durante o período de maxivalorização da moeda americana, no ano de 1999. Naquele caso, o STJ estabeleceu balizas para a revisão dos contratos no âmbito das relações de consumo e nas demais relações civis.
Manutenção do plano de saúde
Na mesma tarde, a 3ª Turma negou pedido da Unimed de Dourados (MS). A empresa queria rescindir um contrato na pandemia, de um cliente que pagou parcelas do plano de saúde em atraso (REsp 2001686). Em seu voto, porém, a relatora, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a boa-fé objetiva impõe à operadora o dever de agir preservando o vínculo contratual dada a natureza dos contratos e a dependência dos beneficiários, especialmente idosos.
Ainda segundo a relatora, a pandemia não é justificativa para o não pagamento, mas pelo grave impacto na situação sócio-econômica mundial não pode ser desprezada pelos contratantes. ”A operadora rescindiu o contrato de plano de saúde em 2020 em meio à crise sanitária, depois de receber pagamentos com atraso desde ao menos 2005 e de todas as mensalidades vencidas terem sido efetivamente pagas com correção monetária e juros de mora”, disse.
Thais Matallo, sócia da área de direito do consumidor do escritório Machado Meyer, destaca que a Lei nº 9.656, de 1998, dá ao plano de saúde o direito de cancelar o contrato quando há falta de pagamento. Para a advogada, é necessário equilíbrio financeiro nos contratos, para evitar eventual oportunismo. “Os consumidores acabam pagando a conta”, afirma, ao se referir a eventuais reajustes para abranger o risco.
A advogada Ana Vogado, especialista em direito civil e sócia do Malta Advogados, lembra que o precedente do STJ sobre o efeito da pandemia nos contratos é um julgamento sobre mensalidades escolares. Nele, foi pleiteada a redução na mensalidade por mudança na forma de prestação do serviço contratado.
“Naquele caso a Corte já indicou que iria analisar caso a caso. Não há um padrão”, diz Ana. A advogada destaca que o desequilíbrio econômico financeiro precisa resultar em situação de vantagem para a outra parte, com enriquecimento ilícito.
Na ocasião, a 4ª Turma decidiu que deve ser analisada a natureza do contrato e a conduta das partes. O pedido foi negado porque, para os ministros, não houve comprovação do incremento dos gastos pelo consumidor. Foi considerado ainda que o número de aulas foi reduzido por causa de medidas sanitárias adotadas pelas autoridades públicas (REsp 1998206).
Fonte: Valor (18/08/2022)
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