sábado, 13 de agosto de 2022

Comportamento: Oxford elege o melhor remédio contra insônia, que chegará ao Brasil nos próximos meses



Já aprovada pela FDA, nova medicação está em análise na Anvisa e deve chegar ao país nos próximos meses

Segundo a Associação Brasileira do Sono (ABS), 73 milhões de brasileiros sofrem com insônia. O tratamento varia, podendo envolver apenas mudanças de rotina, como uma regularidade na hora de dormir, ou, em casos mais severos, o auxílio de medicamentos devidamente prescritos por um médico. Porém, embora necessários, eles nem sempre significam um ponto final para o problema. Isso porque muitos remédios disponíveis hoje trazem efeitos colaterais graves, como quadros de dependência ou até mesmo uma piora do sono a longo prazo.

Essa realidade demanda por novas alternativas, que compõem a chamada nova geração do tratamento da insônia. Um dos fármacos mais promissores é o lemborexant, vendido pelo nome comercial de Dayvigo, nos Estados Unidos, aprovado pela Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora do país, em 2019. O remédio foi elencado com o melhor perfil de eficácia, aceitabilidade e tolerabilidade por uma ampla revisão de estudos sobre 36 medicamentos realizados durante mais de quatro décadas. O trabalho, de pesquisadores da Universidade de Oxford, foi publicado na revista científica The Lancet.

“Deve-se notar que o lemborexant age através de uma via diferente no cérebro, o sistema neurotransmissor orexina (hipocretina), um mecanismo novo de ação. O direcionamento mais seletivo dessa via e dos receptores de orexina pode levar a melhores tratamentos farmacológicos para a insônia”, afirma o professor de psicofarmacologia da Universidade de Oxford e co-autor do estudo, Philip Cowen, em comunicado.

O remédio, que é uma nova alternativa a pessoas que sofrem com o transtorno, está perto de chegar também ao Brasil. Procurada pelo GLOBO, a farmacêutica responsável pelo lemborexant, a japonesa Eisai, afirmou que o medicamento já está em análise pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Brasil, a Anvisa, desde 2021, e pode chegar às drogarias já no ano que vem.

— A revisão dos dados está demorando mais do que o previsto devido à pandemia e à prioridade da agência na revisão e aprovação das vacinas e medicamentos destinados à prevenção e tratamento da Covid-19. Embora gostaríamos que a aprovação fosse mais rápida, compreendemos a situação da Anvisa. Neste momento, estimamos que o lemborexant será aprovado no início de 2023. A Eisai tem planos de disponibilizar o medicamento no país ainda no decorrer do ano que vem — conta o farmacêutico-responsável e diretor de garantia de qualidade da filial brasileira da Eisai, Luiz Silva.

Nova geração é bem-vinda

Para a neurologista Dalva Poyares, professora de medicina do sono na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a chegada da alternativa no mercado é bem-vinda, uma vez que é grande o número de pessoas que sofrem com a doença no país.

— Nós temos que ampliar as nossas opções. A insônia é muito prevalente na população, então quanto mais opções de medicamentos seguros, melhor. E a nova geração é de fato os antagonistas da hipocretina, esses estão evoluindo cada vez mais. Tenho atualmente 10 pacientes nos Estados Unidos usando o remédio, e os relatos são de boa tolerância, pouco efeito residual pela manhã e seguro. Então parece de fato ser uma ótima opção de insônia para médio prazo — conta Poyares.

Os antagonistas da hipocretina, como são classificados os novos medicamentos, atuam por meio de um sistema no cérebro diferente dos remédios tradicionais, explica a neurologista Rosana Alves, especialista do sono do Grupo Fleury.

— A hipocretina é um neurotransmissor cujo papel principal é manter a vigília e o despertar. Então o bloqueio desse neurotransmissor consegue aumentar e induzir o sono. Nós vamos observar nos próximos anos como o remédio vai funcionar melhor, mas os efeitos são promissores — afirma a especialista, que é membro da Associação Brasileira do Sono (ABS).

Em relação aos medicamentos mais utilizados hoje no Brasil, os benzodiazepínicos, Dalva explica que eles agem de forma contrária. Em vez de inibir a vigília, eles induzem um neurotransmissor chamado GABA, que promove uma redução da atividade no sistema nervoso e consequente efeito hipnótico. Desde que foram descobertos, na década de 60, eles se tornaram uma das categorias de fármacos mais vendidos, sendo utilizados também para tratamento da ansiedade.

— Porém, os benzodiazepínicos causam dependência e a longo prazo favorecem o déficit cognitivo. Então ele é perigoso, ainda mais em quantidades excessivas — alerta a médica.

Isso porque, embora eles de fato tenham um bom efeito terapêutico para induzir o sono, o uso não deve ultrapassar quatro semanas, nem ser realizado sem o acompanhamento médico. Além disso, quando misturados com álcool ou ingeridos em excesso, os remédios podem provocar paradas respiratórias.

A partir dos anos 80, quando esses efeitos negativos começaram a ser relatados, começou um movimento de “desprescrição” dos remédios, para reduzir o número de pessoas dependentes. No entanto, até hoje o uso dos fármacos é mais alto que o recomendado.

Parte desses esforços foram intensificados com a chegada das drogas Z, medicamentos que também atuam no GABA, porém são mais específicos por serem direcionados a apenas uma subunidade do neurotransmissor. O perfil de fato é mais favorável – a revisão de Oxford apontou um deles, a ezopiclona, como uma das opções com os melhores resultados após o lemborexant. Porém, a longo prazo, também podem provocar quadros de dependência.

— Uma das maiores preocupações com esses hipnóticos é que quanto mais potente e mais específico, maior probabilidade de eventos adversos, como queda em idosos, confusão mental e intolerância. Com o tempo, a pessoa pode ter até mais dificuldade para dormir — explica Dalva.

Por isso, Rosana, da ABS, reforça que o tratamento da insônia é sempre priorizado com medidas não farmacológicas. Os medicamentos são eficazes e importantes, porém não devem ser a primeira alternativa, e só podem ser ingeridos mediante orientação dos especialistas.

— Técnicas de higiene do sono, como horários regulares de sono, evitar dispositivos eletrônicos antes de ir para a cama, não consumir bebidas energéticas, entre outros, além de técnicas de relaxamento e terapia cognitivo comportamental são sempre a primeira aposta para resolver o problema — diz a neurologista.

Ela explica ainda que a chegada do lemborexant, embora animadora, não deve ser encarada como a solução do problema da insônia.

— Toda vez que temos um novo medicamento, temos que tomar cuidado para não parecer que são milagrosos. Na maioria dos casos de insônia, você precisa identificar as causas dela e evitar o uso de remédios de forma prolongada. Essa classe nova de remédios parece promissora, mas precisamos aguardar ao longo do tempo — diz Rosana.

As especialistas explicam que a insônia é caracterizada por dificuldades para dormir que levam a problemas de memória, de foco e concentração, sonolência durante o dia e irritabilidade, o que traz prejuízos pessoais e profissionais. A longo prazo, a insônia aumenta também o risco para doenças cardiovasculares e metabólicas, como diabetes e obesidade.

Há fatores, como situações de estresse no trabalho ou na família, que podem desencadear quadros de insônia, porém há elementos genéticos que levam a essa predisposição da vigília, dizem as neurologistas.

Uma das maneiras de identificar se os problemas para dormir podem ser um sintoma da insônia, e não apenas algo temporário, é monitorar se eles acontecem ao menos três vezes por semana durante um período de ao menos três meses.

Fonte: O Globo (12/08/2022)

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