terça-feira, 10 de outubro de 2023

TIC: Governo Lula muda regra para internet em escolas e só satélite da Starlink pode atender à exigência

 


Velocidade exigida pelo Ministério da Educação só pode ser atendida pela empresa de Elon Musk em até 40 mil escolas e exclui a Telebrás do serviço

MEC afirma que alteração ‘segue os parâmetros recomendados’ por estudos internos.

A Starlink, de Elon Musk, é a única empresa capaz de atender os requisitos exigidos para levar internet por satélite a até 40 mil das 138 mil escolas públicas que o governo Lula pretende conectar até 2026. Essa condição foi criada em agosto, quando uma portaria do Ministério da Educação estipulou em 50 megabits por segundo (mbps) a velocidade mínima de conexão para os colégios. Nenhuma outra empresa privada que opera por satélite no mercado brasileiro hoje atinge esse parâmetro, tampouco a estatal Telebrás.

A conexão via satélite, ramo de atuação da Starlink, é a opção para levar internet a regiões remotas do Brasil, sem infraestrutura de fibra óptica – tecnologia comum nos grandes centros urbanos e ausente em áreas onde estão 40 mil escolas. Essas unidades de ensino tornaram-se prioridade do governo, no lançamento do programa Estratégia Nacional de Escolas Conectada, em 26 de setembro. A maioria das escolas fica nas regiões Nordeste e Norte, inclusive na Floresta Amazônica.

Em nota, o MEC afirma que a mudança “segue os parâmetros de velocidade recomendados no âmbito do Gape (Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas)”. O grupo, vinculado à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), justifica que “as velocidades mínimas foram definidas com base em uma análise das necessidades das escolas públicas” (leia mais abaixo).

Os parâmetros estipulados pelo governo brasileiro ficam acima de recomendações internacionais e do que é praticado nos Estados Unidos. A ITU (International Telecommunication Union), agência das Nações Unidas para tecnologias de comunicação, estabeleceu uma meta para 2030 de 20 mpbs para escolas em todo o mundo. O governo americano trabalha com 25 mbps.

No Reino Unido, a taxa recomendada é de 100 mbps. O país, contudo, é específico ao pontuar que a velocidade deve ser obtida com fibra óptica, tecnologia que demanda uma infraestrutura local e possibilita velocidades maiores. Os satélites são vistos como soluções para localidades afastadas, sem infraestrutura, características comuns em regiões do Brasil.

A União Europeia estipulou um mínimo de 30 Mbps até 2020. Para 2025, o alvo é 1 gigabit por segundo (gbps). Na UE, estão países que são referência mundial em educação, como Estônia e Finlândia, e com outras dinâmicas de infraestrutura.

Universalizar a conexão com a internet em escolas tornou-se prioridade global após a pandemia, com investimentos pesados dos diferentes governos. A União Europeia tem fundos bilionários que podem ser usados pelos países-membros para digitalizar escolas. Um deles tem um orçamento de € 44,5 bilhões (R$ 270 bilhões). Em 2022, o governo britânico anunciou uma política de £ 150 milhões (R$ 921 milhões) para ajudar escolas a atualizarem sua tecnologia. No Brasil, o plano é aplicar R$ 6,5 bilhões para criar pontos de internet ou melhorar a qualidade da conexão de todas as escolas públicas do País.

O Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), criado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), principal referência técnica para assuntos de conectividade no Brasil, recomenda velocidade equivalente a 1 mbps por aluno, no maior turno da escola, como aquela necessária para viabilizar as principais atividades pedagógicas do dia a dia escolar. Não há recomendação de parâmetro mínimo. Ou seja, se a escola tem 30 alunos no período de maior movimento, ela deverá ter 30 mbps de velocidade.

Segundo o NIC.br, uma velocidade que tenha como referência o número de alunos possibilita atividades com áudio e vídeo, download de arquivos, uso geral (pesquisa, e-mail, consumo de notícias, redes sociais e envio de mensagens por aplicativos), jogos e streaming.

“Apoiamos a ideia de seguir critérios/metodologias reconhecidos nacional e internacionalmente. Nesse sentido, tem sido bem aceito o critério de 1 mbps/aluno no maior turno, ou na impossibilidade, a melhor internet disponível na região”, afirmou Paulo Kuester Neto, supervisor de projetos do NIC.br, ao Estadão.

Entenda a mudança feita pelo MEC

A portaria editada pelo MEC estabeleceu dois critérios. Primeiro, 1mbps por aluno, conforme a recomendação técnica nacional. Mas o segundo parâmetro foi além ao estipular um mínimo de 50 mbps para as escolas, “sempre que possível”, independentemente da quantidade de alunos. Pela regra, portanto, todas as escolas com menos de 50 alunos devem ter uma velocidade mínima geral de 50 mbps.

Das 138 mil escolas públicas do Brasil, 40 mil ficam fora da área de cobertura de fibra óptica, em regiões mais remotas e sem infraestrutura. Portanto, são mais propícias a serem conectadas via satélite. Além disso, 23 mil delas são pequenos estabelecimentos, com menos de 50 alunos. É principalmente neste universo de escolas menores e em áreas sem infraestrutura que os satélites de Musk poderão pavimentar um domínio sobre outras empresas, uma vez que só a Starlink detém a velocidade que passou a ser exigida pelo MEC.

Concorrentes de Musk que atuam no Brasil consideram que a regra dos 50 mbps restringe o mercado. As empresas apontam que há milhares de escolas com 10 e 15 alunos, por exemplo, que poderiam ser atendidas com velocidades de 10 mbps ou 15 mpbs, respectivamente. Com a regra, contudo, as concorrentes afirmam que ficarão fora da disputa, pois os custos de operação ficam mais caros para elas do que para os representantes da tecnologia da Starlink.

“Quem pensou nessa especificação de colocar os 50 mbps está falando assim: ‘eu não quero a tecnologia antiga (de satélite), eu quero uma tecnologia nova’”, afirmou Renato Franzin, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). “A gente pode discutir se isso é legítimo ou não. Tecnicamente, eu acho que é. Tecnicamente, você está dizendo, eu quero da última geração. Pensando em quem fez a especificação e não pensando em número de alunos.”


Starlink chegou ao Brasil pelas mãos de Bolsonaro

Em maio do ano passado, o então presidente Jair Bolsonaro recebeu Musk em uma cerimônia no interior de São Paulo e posou para foto com o clássico aperto de mãos de chefes de Estado. Musk cobiça os bilhões de clientes em potencial de grandes países, como Rússia, China e Índia, que até o momento não autorizaram sua operação. Só o Brasil ofereceu “tapete vermelho” ao empresário.

A nova definição de velocidade de internet pela gestão petista marca a abertura do mercado governamental brasileiro para a Starlink. Recentemente, a Nasa manifestou preocupação com o crescimento exponencial da empresa de Elon Musk. Sozinho, o empresário tem quase metade dos satélites ativos em órbita e pode ligar ou desligar a comunicação de áreas inteiras do mundo, se assim desejar.

Toda a operação militar da Ucrânia depende dele, segundo reportagem do jornal The New York Times. Musk também é dono do X (antigo Twitter), da Tesla, especializada em carros elétricos, e da SpaceX, fabricante de sistemas aeroespaciais que opera a rede Starlink.

A internet por satélite, comercializada mundialmente por Musk, é uma tecnologia diferente da fibra óptica – mais comum nos grandes centros urbanos. A fibra permite velocidades maiores, escalabilidade e menor custo, segundo o NIC.br. No Reino Unido, por exemplo, o foco é conectar escolas com fibra. Por isso, a velocidade mínima recomendada é bem maior que a do Brasil: mínimo de 100 mbps para as escolas primárias e 1 gigabit por segundo (gbps) para as secundárias e para as faculdades.

Já a conexão por satélite em geral tem um custo mais elevado e velocidade menor. É uma tecnologia que surge como alternativa para regiões onde é inviável levar cabos e equipamentos de fibra óptica, realidade de algumas áreas do Brasil, sobretudo na região amazônica.

Em paralelo à medida do governo federal, secretarias estaduais lançaram licitações milionárias para conectar escolas com exigências ainda maiores e mais específicas que as do MEC, e que só a tecnologia de Musk pode atender.

O presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Telecomunicações por Satélite (Sindisat), Fabio Alencar, critica a nova regra do governo e aponta que o parâmetro de 50 mbps restringe a concorrência. Alencar, que representa 59 empresas do setor, pontua ainda que os satélites têm uma capacidade finita de velocidade para entregar aos clientes. A qualidade do serviço, portanto, depende da quantidade de pessoas que estão conectadas ao mesmo tempo.

“Você pode ter uma Ferrari, mas se a marginal (em São Paulo) estiver lotada, não adianta. Você vai andar na mesma velocidade do Gol 1.0″, explicou Alencar. “Quando você fala (em) 50 mbps, você está definindo um critério que é velocidade e velocidade não adianta se você tiver congestionamento, porque a capacidade é compartilhada”, afirma o dirigente.

Estima-se que a Starlink tenha pelo menos 90 mil clientes residenciais no Brasil. O crescimento significativo ainda não foi suficiente para “congestionar” os satélites, nem para demonstrar qual será a resposta de Musk caso o fenômeno venha a ocorrer.

Em regiões dos Estados Unidos, o serviço está disseminado e casos de “engarrafamento” já existem. Em fevereiro, o canal americano CNBC revelou que Musk reajustou as mensalidades de clientes residenciais com base na capacidade de seu serviço. Para conter a demanda em regiões “congestionadas”, o empresário subiu o valor da mensalidade. Como alguns desistem de pagar a mais, a velocidade de quem fica aumenta.

Musk também leva vantagem sobre as empresas que operam no Brasil, atualmente, porque seus satélites estão mais próximos da órbita da Terra. Os equipamentos das outras companhias ficam a uma distância maior, o que faz com que os dados levem mais tempo para serem transferidos pela rede.

Na terça-feira, 26, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou a nova Estratégia Nacional de Escolas Conectadas que pretende aplicar R$ 6,5 bilhões para criar pontos de internet ou melhorar a qualidade da conexão de todas as escolas públicas do País. O governo pretende usar recursos do leilão do 5G, do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) e ainda valores remanescentes de uma lei aprovada pelo Congresso durante a pandemia para entregar as conexões.

Como revelou o Estadão, a política de conectividade nas escolas públicas, tratada como prioridade no governo, tem forte atuação da MegaEdu, ONG financiada pela Fundação Lemann. Um estudo da MegaEdu identificou as 40 mil escolas fora da área de fibra ótica e a CEO da entidade criada há menos de um ano, Cristieni Castilhos, ocupa um assento no Fust, responsável por definir a aplicação de R$ 2,74 bilhões para conectividade de escolas.

O programa foi desenhado nos últimos meses em reuniões, principalmente, entre o MEC, o Ministério das Comunicações e a Casa Civil. Foi durante o processo de formulação da nova política que o MEC atualizou os parâmetros de velocidade das escolas. Outra decisão foi alterar a proposta que inicialmente ofereceria computador aos alunos e treinamento aos professores.

Satélite brasileiro pode ficar subutilizado

Atualmente, a Telebrás oferece internet a 17,5 mil escolas por meio do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC-1). Elas são atendidas pelo Programa Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão (Gesac), principal ação de conexão de escolas existente há 20 anos. A velocidade máxima usada pelo Gesac é de 20 mbps, menos do que o exigido pela nova regra do MEC.

Técnicos da Telebrás e especialistas consultados pelo Estadão defendem uma atualização do serviço, que, segundo eles, cresceu além da conta no governo Bolsonaro, levando a uma queda na qualidade geral por conta do “congestionamento”. Segundo eles, contudo, é possível prestar um serviço de qualidade com os 20 mbps com uma reformulação no programa. Esses técnicos destacam a importância de não se restringir o mercado de escolas com menos de 50 alunos que poderia ser atendido pelo Gesac.

O SGDC, que poderá ficar subutilizado, foi colocado em órbita em 2017, a um custo de R$ 2,8 bilhões – R$ 3,8 bilhões, em valores correntes, no maior investimento espacial da década. Foi o primeiro totalmente controlado pelo governo brasileiro. O projeto começou em 2013 e teve a construção empurrada pelo caso de espionagem contra Dilma Rousseff, quando comunicações sigilosas da então presidente foram capturadas pela NSA. A vida útil prevista é de 18 anos.

Em março, durante reunião do Gape, o MEC defendeu a inclusão do parâmetro de 50 mbps na padronização da velocidade de internet para escolas públicas do País. Na ocasião, o representante do Ministério das Comunicações no Gape, Pedro Lucas da Cruz Pereira Araújo, alertou para os problemas que poderiam ocorrer com a combinação dos critérios de 50 mbps por escola e 1 mbps por aluno.

“Dessa maneira, automaticamente seriam excluídas soluções de atendimento por satélite, como a de satélite geo-estacionário em Banda KA, que deveriam ser analisadas como qualquer outra opção tecnológica”, argumentou Araújo, em referência ao satélite da Telebrás.

Mesmo com o alerta do Ministério das Comunicações, o MEC afirmou, durante a reunião do Gape, que o grupo já havia usado uma velocidade mínima de 50 mbps em algumas escolas, anteriormente, e, por isso, o valor deveria ser mantido. Na avaliação do Ministério da Educação, baixar o parâmetro “poderia parecer, de certa forma, dar um passo para trás”.

Nova regra é baseada em estudos, diz MEC

Em nota, o MEC informou que “a Portaria do MEC nº 33, de 7 de agosto de 2023, segue os parâmetros de velocidade recomendados no âmbito do GAPE, através da Portaria ANATEL nº 2347, de 9 de maio de 2022, já considerando a sua alteração pela Portaria ANATEL nº 2607, de 14 de abril de 2023″.

“A definição dos parâmetros de velocidade foram objeto de discussão no âmbito do Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas (GAPE) da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL. O Ministério da Educação vem defendendo a necessidade de discussão, alinhamento e padronização dos parâmetros recomendados pelo Governo Federal”, registrou a pasta.

O Gape declarou que “as velocidades mínimas foram definidas com base em uma análise das necessidades das escolas públicas, levando em consideração estudos do Ministério da Educação, o número de alunos, o uso de tecnologias digitais e a disponibilidade de infraestrutura”. Segundo o grupo, “as diretrizes também estabelecem que as conexões devem ser, preferencialmente, de banda larga fixa, com prioridade para a tecnologia de fibra óptica”.

Em nota, o Gape ainda registrou que “não há desconsideração de qualquer tecnologia ou prestadora para implantação dos projetos”. “Qualquer decisão sobre a implementação ou não de soluções satelitais deve ser pautada pelo atendimento dos requisitos mínimos estabelecidos nas diretrizes do Gape”, pontuou o grupo.

Fonte: Estadão (07/10/2023)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

"Este blog não se responsabiliza pelos comentários emitidos pelos leitores, mesmo anônimos, e DESTACAMOS que os IPs de origem dos possíveis comentários OFENSIVOS ficam disponíveis nos servidores do Google/ Blogger para eventuais demandas judiciais ou policiais".