A maior parte do patrimônio líquido dos fundos de previdência está concentrado em produtos conservadores, que rendem entre 95% e 105% do CDI
No entanto, segundo gestores, isso pode estar prestes a mudar, mas depende de alguns fatores
O mercado de previdência evoluiu muito nos últimos anos, especialmente com mudanças legislativas que permitiram a criação de produtos mais arrojados. A consequência é que existem fundos de previdência para (quase) todos os gostos. E isso se reflete no rendimento deles. Um levantamento do Valor Investe revela que 24% desses produtos tiveram rentabilidade acima de 120% CDI (taxa que segue de perto a Selic) neste ano. Mas o investidor ainda não está totalmente rendido a esses produtos mais arrojados. Os dados mostram que a maior parte do patrimônio líquido dos fundos de previdência está concentrado em produtos conservadores, que rendem entre 95% e 105% do CDI. No entanto, segundo gestores, isso pode estar prestes a mudar, mas depende de alguns fatores.
O levantamento mapeou uma amostra de 2.511 fundos de previdência disponíveis no mercado. Deste universo, 24% renderam mais de 12,40% no período de janeiro a setembro deste ano, o equivalente a 120% da variação de 10,36% do CDI no mesmo intervalo. No entanto, o patrimônio líquido desses produtos representa apenas 3% do total, o que mostra que a maior parte dos investidores não quer correr tanto risco nesse tipo de alocação, mesmo em troca de rentabilidades maiores.
Já os fundos que rendem entre 95% e 105% do CDI neste ano são 36% do total e concentram 68% do patrimônio líquido.Portanto, apesar de existirem muitos fundos de previdência com excelente rentabilidade, os investidores têm concentrado as aplicações nas alternativas mais conservadoras. Mesmo considerando, segundo o consenso dos especialistas, que uma das vantagens dos fundos de previdência é justamente o horizonte de mais longo prazo do investimento, o que permitiria aos cotistas assumir um pouco mais de risco em busca de retornos mais expressivos.
"Para quem tem objetivos de longo prazo, é melhor sair de produtos atrelados ao CDI. Como tem tempo, a probabilidade de ter retorno maior do que o indicador é muito alta. Em seis meses, é possível que um fundo multimercado não bata o CDI. Mas no nosso caso aqui, no horizonte de três anos, 100% dos nossos fundos superam o CDI”, afirma Bruno Cordeiro, gestor da Kapitalo. A gestora tem em seu portfólio o fundo de previdência Kapitalo K10, que teve rendimento de 150% do CDI neste ano.
O gestor acrescenta que muita gente que está na previdência é quem estava na poupança e, portanto, tem uma aversão a risco alta. "Esse investidor ainda não percebeu que o ambiente de previdência consegue oferecer produtos que vão melhorar muito a rentabilidade no longo prazo”, diz.
O período do levantamento do Valor Investe foi de apenas dez meses. E, de fato, há também uma quantidade relevante de fundos que tiveram um desempenho ruim. No período, 13% deles renderam menos de 80% do CDI. O que comprova a percepção de que, no curto prazo, a variação da rentabilidade pode ser grande, mas pode haver tempo para recuperar eventuais perdas que, mesmo significativas, podem ser pontuais.
Rogerio Calabria, superintendente de produtos de investimento e previdência do Itaú Unibanco, concorda que "a grande dicotomia" desse mercado é o fato de o recurso de previdência ser usado em um prazo mais longo, mas também ser mais conservador. "Quando olhamos o giro de carteira de fundos em geral em relação aos produtos de previdência, a diferença é enorme. Mas apesar do maior tempo da aplicação em previdência, isso não leva o investidor a ter uma postura mais agressiva", diz.
Mas ainda que os investidores não estejam aplicando majoritariamente em produtos mais arrojados, os especialistas afirmam que as gestoras "têm feito a sua parte" e se movimentado para oferecer alternativas mais sofisticadas, especialmente após mudanças regulatórias importantes no segmento.
“A gente sempre olhou o segmento de previdência, mas nossa conclusão durante muito tempo foi que, dada a regulamentação, não valia a pena lançar produtos porque seriam medianos e não conseguiríamos replicar os que eram de alta performance”, diz João Carlos Pinho, sócio-fundador da Kapitalo. "Quando houve uma flexibilização da regulamentação, aí sim nós entramos, porque vimos que dava para reproduzir, com alguma segurança, o que já fazíamos nos nossos fundos multimercados para o público-geral", complementa.
De fato, o avanço regulatório foi um marco para a indústria. Um ponto de virada veio com a Resolução nº 4.444/15, de 2015. A norma ampliou os tipos de ativos que cada classe de fundos de previdência poderia ter em seu portfólio e mudou os limites de alocação em relação ao valor total da carteira. Antes da resolução, o investimento máximo em renda variável dos planos abertos de previdência era de 49%. Após as mudanças, ele passou a ser de 70% para investidores em geral e de 100% no caso dos planos exclusivos para investidores qualificados (aqueles que possuem mais de R$ 1 milhão em aplicações financeiras). Mais recentemente, a Resolução nº 4.993 de 2022 consolidou as normas anteriores e deu ainda maior flexibilidade para a gestão dos fundos de previdência.
"A prateleira dos produtos de previdência tem evoluído bastante com as mudanças da legislação. Inclusive, quando negociamos para trazer novos gestores de fundos de investimento para oferecermos aos nossos clientes, é mandatório que o fundo terá uma versão também na previdência", diz Fernando Cavallete, especialista de portfólio da Itaú Asset.
Ainda que a migração dos investidores para produtos de previdência mais arrojados seja lenta, há sinais de que ela está acontecendo. No Itaú, a captação bruta em fundos multimercados de previdência era 8% do total em abril deste ano. Em setembro, esse número passou para 22%.
"À medida que temos uma oferta mais ampla de produtos de previdência, vão ter produtos que estão rendendo mais e o cliente começa a olhar para eles para analisar consistência desses fundos", afirma Calabria. No Itaú, o destaque foi o fundo Artax, que rendeu 124% do CDI nos primeiros nove meses deste ano.
Um IOF no meio do caminho
Se por um lado o cenário regulatório ficou mais favorável, por outro, a nova tributação sobre aportes maiores pode colocar em risco parte do avanço do setor. Um recente decreto do governo passou a tributar com Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 5% aportes acima de R$ 300 mil em 2025, e acima de R$ 600 mil a partir de 2026, nos planos do tipo Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL). Para os gestores, a medida foi um balde de água fria justamente em um momento em que o investidor começava a enxergar os produtos de previdência com mais potencial.
“Em 2024 vimos captação positiva para fundos de previdência na ordem de R$ 38 bilhões. Em 2025 vimos uma reversão, com resgates de R$ 31 bilhões”, afirma. “Essa mudança do IOF foi uma alteração importante que o governo imprimiu nos últimos meses, que afugentou quem alocava em previdência”, afirma Fernando Pairol, superintendente comercial da Bradesco Asset. Na gestora, o fundo com maior captação neste ano foi Bradesco Ultra, um fundo de crédito privado que rendeu 108% do CDI. Isso apesar de outros produtos, como o Bolsa Americana, ter tido desempenho significativamente maior.
O que é preciso para crescer?
Um fator que pode atrapalhar o desenvolvimento dessa indústria, especialmente a popularização de produtos mais arrojados, é a combinação de juros altos e incerteza política, o que afasta o investidor de alternativas de maior risco.
“Quando falamos de juros a 15%, um cenário político conturbado e muitas mudanças regulatórias que afetam os investimentos, para mim é uma combinação perfeita que empurra o investidor para a renda fixa”, diz Pairol. Portanto, um aumento da alocação em produtos de previdência mais sofisticados passa também por um ambiente macroeconômico mais favorável, com menos riscos no radar e, claro, uma Selic menor.
Isso porque a Selic serve como referência para a maioria dos investimentos de renda fixa. Então, quanto maior ela estiver, maior fica o rendimento das modalidades mais conservadoras.
Mesmo assim, apesar do cenário mais difícil, os especialistas acreditam que o mercado de previdência tende a se sofisticar, justamente porque as próprias gestoras têm investido na oferta desses produtos. "Hoje, você consegue garimpar no ambiente da previdência produtos de renda fixa, crédito e bolsa que são bons. Como vai ser a composição das aplicações depende do apetite a risco de cada investidor”, afirma Cordeiro.
Pinho concorda que o caminho está traçado e um ponto positivo é a chegada de novos distribuidores, como as plataformas de investimento, que facilitam o acesso desses fundos ao público-geral. "Antigamente era uma oferta mais restrita, agora, com o acesso do público de varejo a produtos mais sofisticados e de melhor rentabilidade, ficou mais fácil encontrar alternativas melhores.”
Na avaliação de Pairol, há um amadurecimento gradual. “O comportamento do mercado ainda é um pouco errático. Quando olhamos os fundos tradicionais e de previdência, os de previdência ainda estão um pouco atrasados em termos de ofertas de produto, mas estamos cada vez mais ampliando a oferta de alternativas para acabar com essa percepção de falta de sofisticação”, afirma. Ele pondera que, embora o caminho seja longo, “as gestoras têm uma variedade cada vez mais interessante para oferecer ao investidor”.
Para Calabria, do Itaú, o avanço da indústria de previdência passa não apenas por ajustes no ambiente macroeconômico, mas também por uma mudança de postura no relacionamento com o investidor. Na visão do especialista, o mercado tende a se adaptar, buscando atrair o cliente mais jovem e acompanhá-lo desde o início de sua jornada financeira e aproveitando o uso de plataformas cada vez mais completas e sofisticadas.
Já Cavallete reforça que, apesar dos desafios e limitações, a previdência continua sendo um produto eficiente e versátil, especialmente quando bem orientado por um assessor que saiba traduzir suas vantagens e estratégias. Assim, o futuro do setor dependerá da capacidade de unir inovação, educação financeira e assessoria qualificada para tornar o investimento previdenciário mais acessível, estratégico e sustentável no longo prazo.
Fonte: Valor Investe (10/11/2025)
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