quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Fundos de Pensão: Entidades de previdência começam a se preparar para 2021. Envolvimento de participantes é mandatório



Nunca houve uma situação em que conciliar os objetivos de longo prazo com o apetite a risco dos participantes tenha sido uma tarefa tão complexa 

Para quem trabalha no mercado de entidades fechadas de previdência complementar (EFPC), o final de ano é sempre parecido no que tange às atividades a serem executadas: orçamento, estudos de macroalocação de ativos, políticas de investimentos e uma série de reuniões com gestores, consultores e conselhos com vistas à aprovação de todo o planejamento para o ano seguinte.  

Ainda que virtualmente em muitos casos, essas atividades ocorrerão normalmente ao longo do último trimestre de 2020. Mas a forma não é a única mudança para este ano, nem mesmo a mais importante: provavelmente, nunca houve uma situação em que conciliar os objetivos de longo prazo com o apetite a risco dos participantes tenha sido uma tarefa tão complexa.

É bem verdade que juros baixos não são uma novidade para quem já escreveu políticas de investimentos nos últimos anos. Juros baixos, crescimento modesto e maior necessidade de risco nas carteiras são um fenômeno relativamente novo por aqui, mas já velho conhecido das economias mais desenvolvidas. A estagnação secular se mostra cada vez mais presente como pano de fundo das discussões econômicas e financeiras, e a pandemia do coronavírus serviu para aprofundar os seus efeitos e torná-los mais evidentes, mesmo em países com ciclos econômicos um pouco descasados, como é o caso do Brasil.  

Não pretendo, aqui, discutir o fenômeno em si. Em diversas oportunidades nesse mesmo espaço, o colunista Jair Ribeiro já abordou o tema e alguns de seus efeitos no mercado local. Não há o que acrescentar às suas precisas reflexões, de forma que me atenho à tentativa de avaliar os impactos que as políticas de investimentos sofrerão daqui por diante.  

Um ano atrás, as discussões eram semelhantes: com um cenário de juro tão baixo, como ficará a alocação de ativos dos investidores de longo prazo? A pergunta ainda é adequada, mas o juro de curto prazo, que parecia baixo no ano passado, caiu para menos da metade, enquanto as metas (atuariais ou gerenciais) seguem atreladas à inflação, buscando retornos reais (positivos, evidentemente).   

Naquele momento, a resposta mais razoável parecia ser trilhar o caminho da diversificação, através da utilização de todas as classes de ativos admitidas pela legislação atual. Nossa visão, descrita em um artigo do início de 2020, era de que os investimentos no exterior seriam os maiores beneficiários desse movimento.  

Isso de fato ocorreu. Ainda que atrapalhadas pelo segundo trimestre do ano, as EFPCs diversificaram o portfólio e aumentaram de forma considerável sua participação no exterior - de acordo com dados de nossa amostra, essa classe mais do que dobrou sua participação nos portfólios.  

Mas a mudança de cenário foi tão profunda que exigirá que a utilização das classes de risco seja ainda mais intensa daqui para frente. Nesse contexto, é possível que a diversificação acabe por esbarrar em alguns limites regulatórios (por exemplo, o espaço para bolsa local é de 70% do portfólio, enquanto que o exterior se limita a 10%) e haja a necessidade de utilização de outros instrumentos, como COE (certificados de operações estruturadas) e derivativos, para montar estratégias não-lineares e proteções diversas, quando cabível.  

Além disso, os limites de risco necessitam de revisão. A maior volatilidade é intrínseca a portfólios com maior exposição a classes de risco - a diversificação é um atenuante, mas não uma fórmula mágica, e as proteções atuam somente em cenários extremos (ou são caras demais para serem implementadas).  

Ainda nesse contexto, estimulamos as EFPCs a utilizarem mais análises de stress test para a carteira, com o intuito de checar a possibilidade de atingimento das metas em diversos cenários e também para ajudar nas correções de rotas a serem implementadas ao longo do ano.  

Por fim, cabe destacar que a mudança pela qual estamos passando (e fica aqui a nossa torcida para que os eventuais desajustes de nossa economia sejam sanados e permitam que o cenário atual seja perene) é tão grande que não pode deixar de envolver participantes e demais atores do processo.   

Ainda que as EFPCs sejam ágeis e diligentes em seu papel de ajuste de portfólio, talvez não vejamos mais a possibilidade de contar com retornos reais de 5% ou 6% ao ano no longo prazo, como grande parte dos participantes esperava. Dessa forma, o ajuste de expectativas, seja por meio de maiores contribuições, mais tempo de contribuição ou benefícios mais modestos é também necessário. A realidade sempre se impõe e, por mais que demore, viver em um mundo de juros baixos exigirá de todos nós uma postura muito diferente daquela com a qual nos acostumamos durante tantos anos.  

Fonte: Valor e Guilherme Benites (11/11/2020)

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