terça-feira, 3 de novembro de 2020

TIC: Exército planeja 3 mil km de fibra ótica para ligar Amazônia



Projeto prevê usar leito dos rios e sinal compartilhado com população

Um ambicioso projeto conduzido pelo Exército pretende conectar as unidades da força terrestre na Amazônia por meio de uma rede de 3 mil quilômetros de cabos de fibra ótica, lançados no leito dos principais rios, para viabilizar a transmissão de dados em alta velocidade em uma região do tamanho de um continente. O sinal excedente poderá ser compartilhado com os moradores. Na região, a internet em geral é instável ou inexistente. O futuro da iniciativa, entretanto, depende de um decreto do presidente Jair Bolsonaro, elevando o projeto ao patamar de programa de governo, para que possa ser incluído no orçamento federal.  

As verbas para a continuidade do projeto são inconstantes. Neste ano, por exemplo, recursos recuperados pela Lava-Jato viabilizaram a execução de uma nova etapa: 330 quilômetros de cabos conectaram Novo Airão a Barcelos, na direção de São Gabriel da Cachoeira - uma das quatro brigadas amazônicas, a 852 quilômetros de Manaus.

Há expectativa de que o decreto seja editado até dezembro. Se esse prazo não for observado, não será possível cumprir as próximas etapas em 2021, já que é necessário conciliar os avanços tecnológicos com o calendário dos rios. Um novo lote de cabos precisa ser lançado entre março e abril, na época da cheia. Em maio começa a vazante, que dificulta a adaptação do material ao leito dos rios.  

O general de Exército Décio Luís Schons, chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia, que abriga o projeto, ressalta o pioneirismo do projeto, comparável, eventualmente, aos primórdios do Projeto Rondon. Se o Marechal Cândido Rondon desbravou uma área inóspita e remota para instalar cabos telegráficos aéreos, a fim de integrar o território nacional, o Exército desenvolveu uma tecnologia singular de instalação de cabos subfluviais para conectar a imensidão amazônica.

“Diziam que era impraticável lançar cabos subfluviais porque o leito do rio é instável”, relembra Schons. O general explica que o rio Solimões tem o “temperamento variável”, com bancos de areia que mudam de lugar constantemente, até por ser um rio mais jovem, enquanto o rio Negro é mais “consolidado”. Com as dificuldades iniciais superadas, e o conhecimento aprimorado nesses seis anos, o projeto revelou-se “seguro e viável”, afirma Schons.   

Ele lembra que o projeto nasceu da necessidade do Exército de viabilizar uma comunicação segura e com transmissão de dados em alta velocidade entre unidades da Força, mas acabou se transformando num exemplo “de como as atividades essenciais para a Defesa transbordam para a população civil”.   



As brigadas de Manaus e Tefé já estão interligadas por meio de mais de 500 quilômetros de cabos. A próxima meta é conectar Manaus a São Gabriel da Cachoeira. Em seguida, os objetivos mais complexos: as unidades de Boa Vista (Roraima) e Porto Velho (Rondônia). Num horizonte mais amplo, a meta é alcançar Tabatinga, na tríplice fronteira, ponto estratégico para o combate ao narcotráfico.  

O projeto é visto, inclusive, como um meio para se melhorar a presença do Estado numa região estratégica e que atrai constante atenção da comunidade internacional, além de garantir a soberania nacional e o monitoramento de áreas remotas. Segundo o Exército, a evolução tecnológica permite que essa fibra ótica detecte movimentos considerados anormais nas águas. Isso possibilitará, por exemplo, que se perceba o deslocamento de barcos suspeitos nos rios.  

O “Projeto Amazônia Conectada” (PAC) não é considerado uma iniciativa dispendiosa. Em seis anos de execução, foram R$ 70 milhões investidos no lançamento de 1.200 quilômetros de cabos - valor equivalente a R$ 58 por metro de cabo. Esses recursos incluem os R$ 29,5 milhões originários da Lava-Jato, que viabilizaram a aquisição de 450 quilômetros de cabos da Noruega.   

Num projeto piloto de compartilhamento de sinal, os 20 mil habitantes de Novo Airão, a 190 quilômetros de Manaus, já usufruem Wi-Fi gratuito na praça central, com internet de alta velocidade. Há 15 dias, Schons promoveu em seu gabinete em Brasília uma videoconferência entre uma equipe do Ministério da Educação (MEC) e diretores do hospital e de escolas de Novo Airão. A reunião fluiu em tempo real, sem oscilação ou interrupção do sinal.  

Um dos focos do projeto é viabilizar tecnologia para levar a telemedicina não só para os militares que depois de servirem na Amazônia sempre terão “Selva!” como brado, mas também para as populações que vivem nos locais mais remotos da região. Com o recurso, o médico de um pelotão na fronteira, por exemplo, poderá discutir o diagnóstico com um profissional em Manaus ou em São Paulo. Será possível definir se o soldado doente precisa ser removido para a cidade, ou se o tratamento pode ser feito no local. Qualquer deslocamento na Amazônia é complexo: no período da seca, somente por avião.  

A internet em alta velocidade, viabilizada por uma tecnologia não poluente e que não exige a derrubada de árvores, facilitará acesso à educação, e os serviços nas áreas de segurança pública e no Judiciário. Não se acredita que a tecnologia 5G atenderá a região, pois ela demandaria a instalação de torres. Com os cabos subaquáticos, entretanto, o general diz que o filho de um sargento em Cucuí, na fronteira, a 900 quilômetros de Manaus, poderá acompanhar as aulas do colégio militar da capital.  

O Exército depende, entretanto, da formalização do projeto para dar prosseguimento às ações e estabelecer parcerias, inclusive público-privadas, com segurança legal e jurídica. No início do governo, um comitê interministerial era o gestor do programa, mas foi extinto pela Casa Civil.  

No momento, a minuta do decreto encontra-se em fase final de análise pelo Ministério da Defesa. Por meio da assessoria de imprensa, o ministério informou que “entende a importância da iniciativa”, à qual está dando a “devida atenção”. De lá, o documento seguirá para o Ministério das Comunicações, coordenador do programa.   

Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) chancelou o projeto, mas ponderou que deve ser executado pela pasta das Comunicações, pela natureza de suas atribuições. O general Schons não discorda: “A missão do Exército é conectar as suas brigadas e disponibilizar o sinal excedente para a população civil, mas não caberá ao Exército puxar o cabo até a escola”.  

As metas de Schons e sua equipe são ambiciosas: depois de São Gabriel da Cachoeira, serão necessários mais 500 quilômetros de cabos até Boa Vista. Para o sul, serão mais mil quilômetros para levar a tecnologia a Porto Velho. “Não vamos de uma vez. Vamos aprendendo, e aos poucos, ficando mais eficientes, e gastando menos.”

Fonte: Valor (03/11/2020)

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