quinta-feira, 12 de novembro de 2020

TIC: Huawei prepara ofensiva na Justiça, diante de ameaça de ser excluída do 5G no Brasil

 


Empresa teria contratado escritório para ir aos tribunais, como fez na Suécia, diz fonte. Embaixada da China critica EUA

O anúncio de que o governo brasileiro vai apoiar a chamada Clean Network (Rede Limpa, em tradução livre), programa dos Estados Unidos que, na prática, limita o avanço de empresas chinesas na tecnologia 5G, aumentou as preocupações na Huawei, principal fornecedora de equipamentos de rede do mundo.

Segundo fontes, a companhia já teria contratado um escritório especializado com atuação em Brasília para se preparar para um cenário de litígio.

Especialistas temem que ocorra, no Brasil, uma judicialização do leilão do 5G, previsto para o ano que vem. Na quarta-feira, a Suécia suspendeu o certame que faria depois de a Huawei obter uma liminar na Justiça suspendendo as restrições a sua participação.

Essa disputa poderia se repetir aqui, onde a chinesa tem pouco mais de 40% de participação no mercado de infraestrutura.

O argumento central do Clean Network é que as empresas chinesas não são transparentes quanto à segurança de sua tecnologia e que, por isso, seus equipamentos podem permitir vazamento de dados e espionagem.

Uma fonte ligada à Huawei lamentou um possível cenário de judicialização e politização do 5G no Brasil. Mas ressaltou que não serão medidos esforços para sua defesa, como ocorreu na Suécia.

A própria China já mostrou que não vai abrir mão da defesa de seus interesses. Na quarta-feira, o embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming, chamou de mentiroso o subsecretário americano Keith Krach.

Isso ocorreu após Krach, em Brasília, ter feito um apelo aos países aliados dos EUA para que se unam a fim de proteger dados e interesses de segurança nacional do “estado de vigilância do Partido Comunista Chinês e de outras entidades malignas”.

“Cheio de mentiras! Desavergonhado! As mentiras já são a figura dos oficiais do Departamento de Estado do governo dos EUA, que agora com suas próprias ações está ensinando ao mundo inteiro qual é o modelo e a forma da ‘democracia americana’”, disse o embaixador em uma rede social.

’Guerra fria tecnológica’

À noite, a embaixada chinesa afirmou, em nota, que a Clean Network “é discriminatória, excludente e política. É de fato uma ‘rede suja’, e sinônimo de abuso do pretexto da segurança nacional por parte dos EUA para promover guerra fria tecnológica e bullying digital.”

E afirma que os EUA, por muito tempo, “conduziram, em grande escala e de forma organizada e indiscriminada, atividades de vigilância e espionagem cibernéticas contra governos, empresas e indivíduos estrangeiros, além de líderes de organismos internacionais” — referência ao esquema de espionagem global revelado em 2013 por Edward Snowden.

A Embaixada encerra lembrando que Brasil e China são “parceiros estratégicos globais”, cuja cooperação contribuiu para o desenvolvimento dos dois países.

A Huawei, dizem fontes, teria a seu lado as operadoras brasileiras, que não estão dispostas a abrir mão dos equipamentos chineses.

O presidente de uma das teles disse, sob a condição de anonimato, que hoje não há motivos para não comprar equipamentos da Huawei e que os acionistas pediram para a companhia não se posicionar publicamente sobre a briga entre EUA e China. Ele afirmou que, com um dos três fornecedores bloqueado, os custos tendem a subir.

Para Fabro Steibel, diretor-executivo do centro de pesquisa ITS Rio, barrar empresas chinesas é economicamente inviável e aumentaria os custos de telefonia e internet:

— Se o Brasil barrar a Huawei, a telefonia para, porque mais da metade da infraestrutura de rede hoje é baseada em equipamentos deles. Além disso, o preço dos serviços subiria. Eles estão na cobertura de redes 2G, 3G e 4G.

A advogada Flavia Lefrève, especialista em telecomunicações, concorda:

— Grande parte dos equipamentos e redes da Vivo e da TIM são da Huawei. Uma restrição aos chineses implica custos para as empresas e adaptação de infraestrutura.

O questionamento sobre falhas de segurança, segundo Steibel, tem algum sentido, mas também poderia ser aplicado a tecnologias americanas. Para ele, seria mais eficaz discutir protocolos globais, a serem adotados por todas as fabricantes de equipamentos.

O professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Luca Belli, considera a exclusão de empresas chinesas mais ideológica do que técnica, que pode criar problemas diplomáticos e econômicos.

Ele ressalta que qualquer empresa deveria respeitar padrões de segurança e transparência, seja a chinesa Huawei, a sueca Ericsson ou a finlandesa Nokia:

— É legítimo um país proibir determinado provedor, mas quando há evidências de riscos à segurança nacional, que não existem ainda. Ao contrário, as tecnologias da Huawei já são amplamente utilizadas pelas teles brasileiras sem problemas. A adesão à Clean Network é motivada por um raciocínio ideológico.

Medida sairia até fim do ano

Segundo Belli, a maioria dos 30 países que aderiram ao programa americano é formada por aliados dos EUA, que temem que empresas americanas percam terreno para gigantes chinesas de tecnologia:

— A Suécia, que também tenta barrar a Huawei, é o país da Ericsson. Não me parece decisão por razão de segurança, e sim para privilegiar a empresa sueca.

Segundo uma fonte do governo brasileiro, a ideia é criar restrições à Huawei antes do fim do ano, ainda na gestão de Donald Trump. Isso porque o presidente eleito Joe Biden, embora tenda a manter as restrições aos chineses, deve mudar o discurso, o que pode atrasar ainda mais o leilão do 5G.

Essa mesma fonte ressaltou que o Gabinete de Segurança Institucional já estaria trabalhando em novas políticas de segurança, o que tende a criar regras de restrição à Huawei. Mas ressaltou que, se não houver fundamentação, pode haver questionamentos no Congresso e no Supremo Tribunal Federal, além da própria Huawei.

Para isso, o governo precisará de embasamento técnico que demonstre, por exemplo, a conveniência de se adotar um determinado padrão tecnológico, diz Mário Nogueira, sócio do escritório NHM:

— O Judiciário não pode questionar a decisão do Executivo nesse caso, a menos que se demonstre que não existe o critério técnico.

Maria Hosken, especialista em direito digital e privacidade do Nelson Wilians Advogados, ressalta que a preocupação com a segurança não deve ser apenas com os chineses, mas com Europa e EUA.

Procurada, a Huawei não se manifestou.

Fonte: O Globo (12/11/2020)

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