Novas regras adiaram o sonho da aposentadoria de muita gente - números indicam queda na concessão; ferramenta do INSS que calcula benefício ainda passa por ajustes.
Há um ano, entrou em vigor a reforma da Previdência, por meio da Emenda Constitucional 103, que trouxe mudanças importantes para a aposentadoria de trabalhadores do setor privado e servidores públicos federais.
Entre as mudanças estão a fixação de idade mínima para se aposentar (65 anos para homens e 62 anos para mulheres), regras de transição para o trabalhador ativo e a média de todos os salários recebidos para o cálculo do benefício.
As Mudanças com a Reforma da Previdência
As novas regras acabaram adiando o sonho da aposentadoria para muita gente, como é o caso de Marilise Rosane Gerhardt Moraes. Ela foi afetada justamente pelas mudanças na idade e tempo de contribuição – leia mais abaixo.
Com isso, o número de aposentadorias concedidas diminuiu desde a entrada em vigor da reforma. Em setembro de 2019, o total de aposentadorias concedidas foi de 152,2 mil. Em setembro deste ano, foram 95,8 mil, queda de 37%. Veja no gráfico abaixo:
O G1 pediu ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) o número de aposentadorias que foram liberadas desde a reforma previdenciária e de pedidos que estão na fila de espera e aguarda resposta.
Além disso, nesses 12 meses em vigor, os sistemas do INSS usados para calcular a aposentadoria não foram totalmente atualizados com as novas regras.
De acordo com advogados previdenciários, os segurados devem ficar atentos a essa lacuna para não serem prejudicados na contagem do tempo de contribuição e no cálculo dos valores (leia mais abaixo).
O G1 questionou o INSS sobre as atualizações do sistema de cálculo para aposentadoria e aguarda resposta.
Sistema do INSS ainda passa por ajustes
Paula Assumpção, coordenadora do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), afirma que o sistema de cálculo de aposentadoria do INSS ainda não computa, por exemplo, o período de recebimento de auxílio-doença nem o tempo especial de trabalho, quando há a exposição a agentes nocivos durante as atividades.
Segundo ela, essas lacunas podem prejudicar a concessão da aposentadoria, e a única saída é contar com a ajuda de advogado para reverter a situação.
“A ferramenta funciona razoavelmente bem, mas não analisa tempo especial, não computa tempo de auxílio-doença, porque o sistema previdenciário envolve mais coisas além da contagem de tempo de serviço. Mas é possível simular aposentadoria e renda, caso a pessoa já tenha o tempo necessário para se aposentar. Outra coisa que o sistema não faz é analisar documentos. E há casos que precisam ser levados para a Justiça”, diz.
A coordenadora do IBDP afirma que em muitos casos só ajuda especializada desamarra o processo de aposentadoria. “Muitas pessoas não procuram um advogado ou não têm acesso à Justiça por vários motivos, entre eles por achar que não detêm aquele direito, que o INSS não erra ao informar que ela não tem direito e que vai sempre conceder o benefício certo”, diz.
Para João Badari, advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, o simulador de aposentadoria do INSS está passando por melhorias, apesar de ainda não abranger todas as situações para a concessão de aposentadoria.
Segundo ele, na última atualização do sistema, foi incluída a possibilidade de projetar a aposentadoria, realizando simulações no longo prazo. “O sistema é bom para se ter uma estimativa de quando vai se aposentar e de quanto vai ser o benefício. Ele calcula também todas as regras de transição com as variáveis para mostrar o prazo de espera para conseguir a aposentadoria. Então o simulador veio para facilitar a vida do segurado porque vai dar uma estimativa de obter a renda desejada”, opina.
O advogado concorda com Paula sobre a não inclusão de algumas situações que podem prejudicar o cálculo do benefício. “Esse simulador deve ser uma base para calcular a aposentadoria, mas não tem alguns fatores que podem aumentar os valores ou até mesmo antecipar o benefício. Por isso, é aconselhável procurar um especialista e fazer o planejamento da aposentadoria porque um detalhe pode aumentar bastante a aposentadoria, como o tempo de trabalho especial”.
Badari ressalta que o segurado deve checar antes o CNIS, que é o Cadastro Nacional de Informações Sociais, porque o simulador do INSS sempre vai fazer o cálculo com base nesse banco de dados, que pode conter informações divergentes.
“Além de todas as variáveis como não computar um tempo de contribuição, o período especial trabalhado ou o período de trabalho rural, há ainda os valores de contribuição. Muitas vezes os valores que estão no CNIS não batem com os contra-cheques, ou seja, você recebeu mais em um determinado mês, mas no CNIS está um valor menor. Isso baixa o valor da aposentadoria”, afirma.
Para entrar no simulador, o segurado deve acessar o site ou aplicativo Meu INSS e entrar em Simular Aposentadoria. Veja abaixo:
Pontos da reforma dificultam a aposentadoria
Marilise Rosane Gerhardt Moraes já estaria aposentada se as regras da Previdência não tivessem mudado. Ela completou neste ano 60 anos de idade e mais de 30 anos de contribuição, requisitos previstos nas regras antigas. Com a reforma da Previdência, a idade mínima aumentou para 62 anos.
Marilise, que mora em Vera Cruz, no Rio Grande do Sul, tem 27 anos de contribuição rural e há mais de 3 anos contribui de forma facultativa para a Previdência.
Ela conta que já poderia ter se aposentado aos 55 anos por causa das contribuições do trabalho rural. Mas, como recebe pensão por morte do marido acima de um salário mínimo, e a legislação previdenciária impede o acúmulo dos dois benefícios, ela teve a aposentadoria negada.
Agora ela está tentando conseguir a chamada aposentadoria híbrida, já que a rural foi negada. E contribui mensalmente com R$ 115 para a Previdência. Ela prevê que tenha de pagar ainda por mais seis meses, mas o prazo pode chegar a dois anos. “Tenho que pagar pedágio depois dos 60 anos. Além de trabalhar, continuar contribuindo, ainda tem isso. “Infelizmente, encontraram maneiras de dificultar nossos benefícios”, lamenta.
Novas regras
Para João Badari, os pontos mais prejudiciais da reforma foram a criação de uma idade mínima para a aposentadoria e as novas formas de calcular o benefício.
A regra geral de aposentadoria passou a exigir pelo menos 62 anos de idade e pelo menos 15 anos de contribuição das mulheres e 65 anos de idade e 20 anos de contribuição dos homens.
Badari destaca ainda as novas regras para o cálculo do benefício. O valor da aposentadoria será calculado com base na média de todo o histórico de contribuições do trabalhador (não descartando as 20% mais baixas, como era antes).
Ao atingir o tempo mínimo de contribuição (20 anos se for homem e 15 se for mulher para aqueles que ingressarem no mercado de trabalho depois da reforma), os trabalhadores do regime geral terão direito a 60% do valor do benefício integral, com o percentual subindo 2 pontos para cada ano a mais de contribuição.
Para ter direito a 100% da média dos salários, a mulher terá de contribuir por 35 anos, e o homem, por 40 anos.
Segundo Badari, as regras de transição são outro ponto que geram dúvidas entre os trabalhadores que pretendem dar início ao processo de aposentadoria.
A regra de transição por sistema de pontos, que é a que atinge o maior número de trabalhadores, soma o tempo de contribuição com a idade. Mulheres podem se aposentar a partir de 87 pontos e homens, de 97, em 2020. O tempo mínimo obrigatório de contribuição é de 30 anos para mulheres e de 35 anos para homens. A cada ano será exigido um ponto a mais, chegando a 105 pontos para os homens, em 2028, e 100 pontos para as mulheres, em 2033.
Outra regra que atingirá grande número de trabalhadores é a transição por tempo de contribuição e idade mínima. As mulheres podem se aposentar aos 56 anos e 6 meses, com pelo menos 30 anos de contribuição. Já para os homens, a idade mínima será de 61 anos e 6 meses com pelo menos 35 anos de contribuição. A idade mínima exigida subiu seis meses a cada ano, até chegar aos 62 anos de idade para elas, em 2031, e aos 65 anos de idade para eles, em 2027.
Outro ponto que atinge muitos trabalhadores é a mudança na pensão por morte. De acordo com as novas regras, o pagamento é de 50% do valor da aposentadoria acrescido de 10% para cada dependente. Para os dependentes inválidos ou com deficiência grave, o pagamento é de 100% do valor da aposentadoria, sem exceder o teto do INSS (R$ 6.101,06).
“O cálculo da pensão foi extremamente penoso na maioria dos casos, pois além de não ser mais integral, é aplicada a proporcionalidade pelo número de dependentes. Um trabalhador que tinha 10 anos de contribuição, e como dependentes a esposa e um filho, caso venha a falecer, o benefício será de 60%, e posteriormente ainda vai ser multiplicado por 70%. Uma dupla redução, trazendo uma pensão com valor inferior a metade do anterior”, opina.
Outro ponto de destaque foi o limite para o acúmulo de benefícios –antes era possível receber os valores integrais de cada um. Com a mudança, nos casos em que a lei permitir acúmulo, serão pagos 100% do benefício de maior valor a que a pessoa tem direito mais um percentual da soma dos demais.
Esse percentual varia da seguinte forma: 100% para benefícios de até um salário mínimo; 60% para benefícios entre um e dois salários mínimos; 40% para entre dois e três salários; 20% para entre três e quatro salários mínimos; 10% para os que ultrapassarem quatro salários mínimos.
Benefícios que podem ser acumulados:
- Pensão por morte associada à pensão por morte concedida por outro regime de previdência
- Pensão por morte associada às pensões decorrentes de atividades militares
- Pensão por morte associada à aposentadoria concedida dentro do Regime Geral da Previdência Social ou Regime Próprio
- Pensão por morte associada aos benefícios da inatividade no exercício militar
- Pensões decorrentes das atividades militares associadas à aposentadoria concedida dentro do Regime Geral da Previdência Social ou Regime Próprio.
Badari aponta ainda as mudanças na aposentadoria especial, que prejudicam trabalhadores em contato com agentes cancerígenos, como, por exemplo, combustíveis, agrotóxicos, minérios e a radiação presente em laboratórios de raio X, entre outros.
Conforme as novas regras aprovadas pela reforma da Previdência, os critérios para alcançar o direito à aposentadoria especial variam conforme o grau de periculosidade do trabalho. Homens e mulheres precisam completar 60 anos de idade mais 25 anos de tempo especial em atividade de menor risco; 58 de idade mais 20 anos de tempo especial para o médio risco; e 55 anos de idade mais 15 anos de tempo especial para atividades de maior risco.
Fonte: G1 (13/11/2020)
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