Hospitais e laboratórios crescem, apesar de tíquete médio menor; convênio médico mais caro e rede mais restrita pressionam consumidor
Após o mercado de planos de saúde amargar um prejuízo de mais de R$ 10 bilhões no ano passado e desencadear uma pressão em toda a cadeia de saúde, as operadoras começaram a colocar a cabeça para fora d’água no segundo trimestre. Há uma expectativa de que esse período tenha sido o começo de uma melhora para o setor devido aos reajustes — acima dos 20% — aplicados nos últimos meses.
Paralelamente, os hospitais e laboratórios de medicina diagnóstica listados continuam apresentando crescimento mesmo não havendo mais demanda reprimida de procedimentos não realizados durante a pandemia. No entanto, vale ponderar que o tíquete médio por paciente dos grupos hospitalares com capital aberto caiu, entre o primeiro e segundo trimestres. Já na ponta do consumidor, a pressão tende a aumentar, com planos de saúde mais caros e rede de atendimento mais limitada.
Na semana passada, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) baixou uma nova regra limitando alterações de hospitais da rede credenciada dos convênios médicos diante dos constantes “downgrades”.
“O reajuste de Hapvida e SulAmérica veio acima das nossas projeções. O desempenho delas foi melhor do que dos prestadores de serviço de saúde. Na Rede D’Or, Mater Dei, Dasa e Kora, o tíquete por paciente caiu. O questionamento é se as fontes pagadoras estão pressionando os hospitais”, disse Vinicius Figueiredo, analista do Itaú BBA. Essa redução também pode ter sido gerada pela realização de procedimentos médicos de menor custo entre abril e junho.
“O segundo trimestre foi uma indicação positiva. Mas ainda é um começo, há muitos desafios e é uma jornada longa. Os reajustes são aplicados ao longo do ano, conforme o aniversário de cada contrato”, disse Rafael Barros, analista chefe da área de saúde da XP.
A Hapvida, que trabalha com a base da pirâmide, informou que aplicou um reajuste médio de 16% no convênio médico corporativo. Na SulAmérica, voltada aos segmentos intermediário e premium, a mensalidade do seguro saúde empresarial subiu em média 23,4% e nas pequenas e médias empresas (PME), a alta ficou em 20,4%. “Neste ano, o mercado está mais racional, com poucas exceções, as operadoras estão aplicando os reajustes e precificando o produto adequadamente”, disse Raquel Reis, presidente da SulAmérica, durante teleconferência para analistas e investidores na semana passada.
Ao mesmo tempo, especialistas consideram que a frequência de uso dos convênios médicos deve se manter alta
Considerando uma visão sequencial, ou seja, do primeiro para o segundo trimestre, as operadoras viram as taxas de sinistralidade caírem. Na SulAmérica, caiu 2,5 pontos percentuais e na Hapvida o crescimento foi de 1,6 ponto percentual, sendo que em anos anteriores, a expansão entre os trimestres costumava ser de dois a três pontos.
Uma das principais dúvidas do setor é em qual patamar a taxa de sinistralidade se manterá. No segundo trimestre, esse indicador ficou na casa dos 87%, dois pontos percentuais abaixo de um ano antes. Segundo especialistas do setor, há uma expectativa de que a frequência de uso do convênio médico continue em patamares elevados (mas não na mesma proporção que foi em 2022, quando o indicador foi recorde) por causa do envelhecimento da população e aumento de problemas de saúde mental.
“Há ainda a entrada de quase 4 milhões de pessoas no sistema, desde 2020. São pessoas que não tinham planos de saúde e por isso elas usam mais. Outro ponto são as sequelas da covid que ainda não sabemos ao certo os seus reais impactos”, disse Luis Fernando Joaquim, sócio líder da área de saúde da Deloitte.
No segundo trimestre, prestadores de serviços médicos como Rede D’Or, Mater Dei, Dasa, Kora, Oncoclínicas, Fleury e Alliança (ex-Alliar) viram sua receita crescer dois dígitos.
Além dos reajustes elevados, o usuário também assiste a um “downgrade” dos planos de saúde, com maior coparticipação, demora no prazo de autorização para procedimentos médicos e limitação da rede credenciada. Várias operadoras começaram a trocar laboratórios e hospitais e retirar alguns atendimentos que estavam credenciados. O principal deles é o pronto socorro. Esse movimento fez a ANS proibir essa prática, além de permitir migração à outra operadora sem carência e obrigar o envio de comunicado de forma individual para os usuários afetados.
Num cenário em que o nível de utilização do plano de saúde não deve mais retornar ao nível pré-pandemia, a tendência é de convênios médicos com rede credenciada mas restrita, modelada conforme o perfil dos usuários. “Esse é o caminho até para as pessoas terem acesso ao plano de saúde. Se continuar com esse patamar de reajuste, o plano de saúde não será mais acessível”, disse Bruno Porto, sócio da PwC.
Nesta semana, Maurício Lopes, novo presidente da Qualicorp, disse que está desenhando em conjunto com as operadoras novos formatos de planos de saúde por adesão, com rede mais restrita e custo mais acessível. A companhia perdeu 109 mil clientes no segundo trimestre devido a reajustes que ficaram acima dos 20%.
Além disso, as operadoras montaram estrutura de guerrilha, com equipes de auditores, médicos e advogados e uso de tecnologia, para reduzir as fraudes, que dispararam nos últimos anos e já representam 14% da taxa de sinistralidade. Esse percentual é quase equivalente aos gastos que uma operadora tem com pronto socorro, que representam 17%.
Fonte: Valor (18/08/2023)
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