Segurança do Usuário: Golpes no RJ fazem quantidade de registros na Polícia Civil aumentar 56% desde início da pandemia

O distanciamento social imposto pela Covid-19 desde março do ano passado intensificou os contatos virtuais e acabou tendo um “efeito colateral” fora da esfera da saúde pública: em 2020 e 2021, os casos de estelionato explodiram no Rio. O aumento de 2019 para 2021 nos registros de ocorrência em todo o estado foi de 56%. Os golpistas aproveitam o uso maciço de plataformas digitais e aplicativos para fazer vítimas, mas nem só de esquemas tecnológicos vivem esses criminosos: ainda há quem caia em velhas armadilhas, como o antiquíssimo golpe do bilhete premiado.

Que o diga B. (o nome foi omitido por questões de segurança), uma aposentada de 79 anos. Em julho deste ano, ela caminhava por uma rua da Tijuca quando foi abordada por uma mulher, que alegava possuir um bilhete premiado no valor de R$ 800 mil e estar com dificuldades para sacar o dinheiro. Ajudada por uma comparsa, a golpista conseguiu convencer a idosa a sacar e lhe entregar R$ 10 mil, sob a promessa de que lhe daria parte do prêmio.

Outra velha modalidade de golpe é o falso sequestro. Em fevereiro deste ano, a mãe da atriz Cacau Protásio quase foi vítima de bandidos que, por telefone, simularam o sequestro da irmã da artista. A idosa chegou a sair de casa e pegou um táxi para levar o dinheiro do resgate, mas o motorista a orientou a acionar a Delegacia Antissequestro, no Leblon, onde a farsa foi descoberta.

“Minha mãe recebeu uma ligação, às nove da noite, de um homem dizendo que estava com a minha irmã. Ele colocou alguém gritando ‘socorro, pelo amor de Deus’, o que a deixou desesperada. Minha mãe levaria o dinheiro até a (rodovia) Rio-Petrópolis”, relatou a atriz numa rede social.

'Empresa' em terreno baldio

Outros golpes se modernizaram, principalmente durante o período mais agudo do distanciamento social. Os leilões forjados são um exemplo.

Z. teve um enorme dissabor depois que pensou ter arrematado uma motocicleta em um leilão realizado pela internet. Após fazer um pagamento de R$ 15,9 mil pelo suposto lance, o comerciante se deparou com um terreno baldio ao procurar o endereço onde deveria fazer a retirada do veículo.

— Tentei várias vezes fazer contato com a empresa, mas simplesmente ninguém atendia — conta ele.

Muitos pedidos de dinheiro por aplicativo

Responsável pela prisão de uma quadrilha de estelionatários que tinha como principais alvos servidores públicos, o delegado Bruno Gilaberte, titular da 5ª DP (Mem de Sá), diz que golpes antigos são recorrentes, mas ele acredita que a internet é, hoje, o principal meio para a prática de fraudes:

— Com as pessoas ficando em casa, estão mais suscetíveis ao uso de golpes virtuais. Vão menos às agências bancárias, a empresas. Então, os criminosos conseguem mascarar melhor suas intenções.

Alguns golpistas usam ferramentas inexistentes até poucos anos atrás. O advogado e jornalista N. estava em um dia de trabalho intenso quando recebeu, no fim do mês passado, uma mensagem pelo WhatsApp de um número desconhecido. Do outro lado, a pessoa se identificava como seu filho mais velho e alegava ter mudado de número. A foto do perfil era do rapaz.

Durante dois dias, o golpista pediu à vítima depósitos que somaram R$ 12 mil. Ele alegava precisar do dinheiro para alguns gastos urgentes. N. fez transferências até receber um telefonema do filho.

— Quando atendi, comecei a questioná-lo sobre os pedidos de dinheiro. Jamais vou esquecer a resposta dele, na maior calma: “Que dinheiro, pai?”. Naquele momento, caiu a ficha, fiquei gelado e o mundo parou de girar. Permaneci um minuto e meio em silêncio. E, nos cinco seguintes, chorei sem parar — lembra a vítima.

O que aconteceu com o advogado e jornalista ficou popularmente conhecido como “golpe do zap”. Nele, uma pessoa tem o aplicativo de mensagens clonado. O golpista consegue acesso a um código que é enviado para o celular da vítima por mensagem de texto, possibilitando o acesso ao WhatsApp ou à lista de contatos do telefone.

Em geral, criminosos fazem contato com as futuras vítimas alegando serem de alguma empresa e solicitam o código recebido.

Falsas promessas de alto retorno para aplicações

Outro golpe que ficou em evidência recentemente é o dos investimentos falsos. O pedreiro S. costuma ir diariamente à porta da consultoria Black Warrior, em Cabo Frio, na Região dos Lagos, para tentar que os R$ 60 mil investidos por ele e sua família sejam devolvidos. O dinheiro foi entregue com a promessa de que seria investido em bitcoins, as moedas virtuais. O lucro anunciado era exorbitante: 30% ao mês. De acordo com denúncias de clientes, a empresa fechou as portas.

A consultoria Black Warrior é uma das dez empresas que estão na mira das polícias Civil e Federal em Cabo Frio, cidade que ganhou a alcunha de Novo Egito por conta da profusão de pirâmides financeiras.

Há duas semanas, a Polícia Federal prendeu o dono da G.A.S. Consultoria, o ex-garçom e ex-pastor evangélico Glaidson Acácio dos Santos, suspeito de montar uma pirâmide também em Cabo Frio. Investigadores acreditam que ele não aplicava o dinheiro dos investidores em bitcoins. Em sua casa, agentes encontraram R$ 15,3 milhões em espécie.

A delegada Márcia Beck alerta que nenhum dado bancário ou pessoal deve ser fornecido pelo telefone, principalmente senhas:

— É preciso muito cuidado, porque tudo é muito bem organizado para conseguir enganar as vítimas.

Como não cair

Para não ser vítima dos mais diversos tipos de golpes, é preciso desconfiar sempre. Por causa do aumento de casos, o Procon-RJ lançou um manual de prevenção às fraudes virtuais. Confira algumas dicas do órgão e também da Polícia Civil:

1 ) Para não cair no chamado “golpe do zap”, é fundamental que nenhum código recebido por SMS seja repassado a terceiros. É com esse número que golpistas conseguem clonar o WhatsApp das vítimas.

2 ) Outra dica para se livrar do mesmo golpe é ativar a verificação em duas etapas na configuração do aplicativo de mensagens, o que dificulta a fraude.

3) O Procon-RJ recomenda a consumidores que não façam compras em sites que oferecem grandes descontos ou que vendam produtos ainda desconhecidos no mercado.

4) O órgão de defesa do consumidor também alerta que é preciso conferir sempre se há selos de certificação em perfis de empresas que anunciam ofertas bastante vantajosas pelas redes sociais.

5) Para compras em leilões, o Procon-RJ sugere uma consulta no site leilaoseguro.org.br/falsos, especializado em verificar a autenticidade das páginas que anunciam pregões.

6) A delegada Márcia Beck, que prendeu uma quadrilha especializada na montagem de uma falsa central de atendimento a clientes de bancos, alerta que nenhuma instituição financeira pede senhas de contas ou cartões pelo telefone. O ideal, quando se recebe uma ligação sobre um suposto problema com uma compra, é ir até uma agência ou, se não for possível, ligar para uma central de atendimento que tenha um número diferente. Quadrilhas conseguem fazer a vítima acreditar que ligou para a central de seu banco, quando, na verdade, continua na linha com um golpista. “É preciso muito cuidado, porque tudo é muito convincente”, afirma a policial.

7) Já o delegado Bruno Gilaberte chama a atenção para as promessas de rendimentos bem acima dos vistos no mercado financeiro. Ele alerta que as pessoas devem desconfiar de garantias de lucros muito bons e a curto prazo para investimentos. “A própria Comissão de Valore Mobiliários (CVM) proíbe que sejam realizados negócios jurídicos com rentabilidade irreal. Para que essas empresas paguem o que prometem, precisariam justamente de um esquema de aplicações bem-sucedidas muito fora do normal”, explica o titular da delegacia da Lapa.

Fonte: Extra (13/09/2021)