Não é bem assim. O julgamento da desaposentação pelo Supremo Tribunal Federal frustrou os anseios dos aposentados que continuaram a contribuir sem qualquer repercussão nos seus benefícios.
No Brasil é possível ao aposentado por idade e tempo de contribuição continuar ou voltar à atividade remunerada. Caso esta hipótese aconteça deverá também arcar com o recolhimento da contribuição previdenciária, já que se traduz no fato gerador do tributo.
Os defensores da tese da desaposentação argumentam o direito do segurado à renúncia à aposentadoria para aproveitar das contribuições vertidas após a concessão desse benefício e, em seguida, obter novo benefício mais vantajoso.
Em 26/10/2016 o Supremo Tribunal Federal julgou o tema, através dos Recursos Extraordinários (RE) 381367, 661256 e 827833 e, majoritariamente, decidiu por 7x4 favorável ao INSS, fixando a tese nos seguintes termos:
“No âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à ‘desaposentação’, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91”.
O art. 18, § 2º, do Plano de Benefícios assim prevê:
Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços:
§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado.
No entanto, permaneceu sem resposta uma questão central no julgamento da desaposentação: o direito de o segurado renunciar a sua aposentadoria.
À época do julgamento alguns ministros se valeram da crise econômica do país e da necessidade de se observar o equilíbrio financeiro e atuarial do regime previdenciário.
Por outro lado, o STF concluiu que a Constituição Federal não veda expressamente a desaposentação, entretanto, não prevê especificamente o seu direito, portanto, a regulamentação desta matéria caberia exclusivamente ao poder legislativo.
No Congresso Nacional existem diversas propostas, mas nenhuma delas chegou a ser amplamente debatida pelos parlamentares.
Em 2015, por meio de aditivo proposto pelo deputado federal Marcelo Matos/PDT, a Câmara dos Deputados introduziu o tema na MP 676/15, convertida em Lei 13.183/2015, que ficou conhecida por criar a regra 85/95, permitindo aos aposentados o direito à desaposentação, no entanto o mencionado dispositivo foi vetado pela então Presidente Dilma Rousseff.
A título de exemplos, após a decisão do STF, a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Congresso Nacional emitiu parecer ao projeto de lei no Senado PLS nº 172/2014, que foi desarquivado por força do requerimento nº 192 de 2019.
O parecer da Comissão foi favorável à aprovação do Projeto de Lei, sendo considerado assunto de relevância jurídica e social, após destacar que o tema encontra-se em discussão por longa data e que, apesar da decisão do Supremo, não se trata de assunto encerrado.
Assevera que todos os governos foram contrários à desaposentação sob alegação de, após a concessão sob pedido do segurado, a aposentadoria deve ser considerada irretratável.
Os argumentos da Administração são:
- Reverter a aposentadoria incentivará o segurado a se aposentar mais cedo e, consequentemente onerar por mais tempo a Previdência Social;
- O tempo em que o aposentado recebeu o benefício representará em perda para a Previdência Social; e
- O novo tempo contributivo poderá aumentar o valor do salário-de-benefício, sem que haja equilíbrio atuarial.
A Comissão entende que o momento de aposentar voluntariamente, após preenchidos os requisitos, é prerrogativa do segurado, não dependendo este de anuência do empregador ou do Estado.
Entendeu-se que o aposentado, que não atingiu a idade para a aposentadoria compulsória, pode retornar ao trabalho a qualquer tempo, e pugnar pela suspensão do benefício, pois é permitido que o trabalhador retome a atividade laboral e acumule os rendimentos do seu trabalho com os benefícios da aposentadoria.
Pondera que no serviço público é permitido que o aposentado retorne ao trabalho e cancele o benefício sem a devolução dos valores recebidos, considerando injusto essa limitação no Regime Geral da Previdência Social.
Também não observa os efeitos atuariais alegados pela Administração, representando fonte de custeio o próprio período de contribuição adicional.
Em fevereiro de 2020 a Comissão também emitiu parecer nº 2 de 2020 sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 76/2015, que dispõe sobre a renúncia de aposentadoria por tempo de contribuição.
A proposta é que, com a renúncia, a aposentadoria seja cancelada e o tempo de contribuição que a originou computará o tempo para a aposentadoria a ser requerida com recolhimento das contribuições correspondentes, até atingirem o tempo para a aposentadoria integral, a fim de se obter benefício mais vantajoso.
Para a Comissão, por ser a aposentadoria um direito patrimonial, de caráter disponível, é, portanto, passível de renúncia, não sendo justo obrigar o aposentado que continuar a trabalhar e contribuir não ter a devida contrapartida.
O assunto também foi proposto durante a discussão da reforma da previdência, que culminou na Emenda Constitucional 103/2019, mas também não evoluiu.
Pela proposta da Senadora Eliziane Gama, a emenda 378 à PEC 6/2019 pretendia a inclusão ao artigo 1º do artigo 39-A, cuja redação “Será assegurado a reaposentação ou transformação de aposentadoria na Previdência Social, ao aposentado que continua trabalhando com carteira assinada, tendo que comprovar contribuições previdenciárias por pelo menos 15 anos após a primeira concessão pelo INSS.”
O teórico Ibrahim (2011) lembra que já houve autorização legislativa para melhorar o benefício da aposentadoria, conforme art. 12, caput, da Lei 5.890/1973 que assim previa:
“o segurado aposentado, por tempo de serviço, que retornar à atividade será normalmente filiado e terá suspensa sua aposentadoria, passando a perceber um abono, por todo o novo período de atividade, calculado na base de 50% (cinquenta por cento) da aposentadoria em cujo gozo se encontrar. § 1º - ao se desligar, definitivamente, da atividade, o segurado fará jus ao restabelecimento da sua aposentadoria suspensa, devidamente reajustada e majorada em 5% (cinco por cento) do seu valor, por ano completo de nova atividade, até o limite de 10 (dez) anos.”
Outros países disciplinam este assunto, inclusive com a previsão de revisão do benefício para os aposentados que continuam em atividade laboral formal após a aposentadoria.
Em Portugal utiliza-se o novo período contributivo para aumentar o valor do benefício, sem que o beneficiário renuncie o anterior.
No Canadá é permitida a continuidade laborativa com novas contribuições que serão utilizadas para recálculos de benefícios de melhor valor.
Nos EUA, o retorno ao trabalho faz com que o benefício da aposentadoria seja reduzido, entretanto, as novas contribuições são automaticamente computadas ao benefício que o aposentado terá direito após se tornar inativo, independente de requerimento.
Na Espanha, caso o aposentado opte por retornar a atividade laboral, terá seu benefício reduzido e continuará contribuindo, o que reverterá em benefício parcial.
Não se nega as estatísticas sobre o avanço da longevidade da população brasileira e o estreitamento da base da pirâmide etária em razão da baixa taxa de fecundidade das mulheres brasileiras, situação esta que implicará na quantidade de população em idade ativa no futuro.
Segundo estimativa da ONU, o envelhecimento da população tem sido muito mais intenso no Brasil do que nos demais países. Em 2020 o país alcançou o número de 29,9 milhões de idosos com mais de 60 anos, e a expectativa de que em 2100 esse número atinja a marca de 72,4 milhões de pessoas.
Em um estudo realizado pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), divulgado no portal G1, em 2018, 21% dos aposentados retornam ao trabalho. Outra pesquisa realizada pelo mesmo instituto em 2016 demonstrou que apenas 1,7% daqueles que retornavam ao trabalho eram funcionários de empresas privadas, os demais eram autônomos e trabalhadores informais.
Em notícia veiculada pelo site da revista Época, em 2017 apenas 17,1% dos aposentados que voltaram à atividade mantinha vínculo empregatício formal no setor privado, 10% trabalhava no setor privado sem carteira assinada e 43% trabalhavam por conta própria.
Esses dados são importantes para a avaliação e monitoramento de políticas públicas em andamento, inclusive a previdenciária.
No entanto, há dentro desta mesma política uma questão de crucial importância: a vontade popular dos destinatários deste direito social.
A sociedade não pretende estabelecer uma idade de aposentadoria em que o cidadão não tenha mais condições nem mesmo de sobreviver.
A sociedade deseja ter o direito de escolher se aposentar em uma idade e um tempo de contribuição limite, mas também de continuar ou retornar ao trabalho se assim desejar, mesmo porque a Constituição Federal garante a liberdade de o indivíduo exercer qualquer trabalho, ofício ou profissão.
O legislador constituinte escolheu para o povo brasileiro que toda a sociedade irá contribuir para o financiamento da seguridade social, da qual a previdência faz parte e se constitui como um direito social.
O peso do equilíbrio financeiro e atuarial jamais deveria recair ao segurado que pretende a desaposentação, haja vista a diversidade da base de financiamento da previdência social (receita) e o seu direito de continuar ou retornar ao trabalho.
Há um conflito principiológico e o assunto desaposentação não se encerrará tão cedo.
Ainda bem ...
Fonte: JusBrasil e Niralda Toledo (12/07/2021)
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