Fundos de pensão de menor porte têm mais dificuldade para começar a olhar para ativos sustentáveis
Em todo o mundo, em especial na Europa, o avanço dos investimentos aderentes às práticas ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) se deu devido à pressão de investidores institucionais, como os fundos de pensão. No Brasil, no entanto, o movimento é diferente, com uma demanda maior de pessoas físicas. As entidades fechadas de previdência encontram-se em estágios diferentes no trato do assunto e a situação varia conforme o porte da fundação, conforme uma pesquisa da Abrapp, associação que representa o setor, e da XP Advisory, obtida pelo Valor.
Por conta dos problemas do passado, o tema governança corporativa é o mais analisado por todo o setor, enquanto questões relacionadas ao clima ainda têm baixa recorrência.
O estudo, que será apresentado hoje no congresso da Abrapp, ouviu 57 fundações. Destas, 71,9% já formalizam o assunto nas políticas de investimentos, mas uma minoria (9,1%) possui documentos específicos sobre o assunto. “Percebemos uma evolução importante nas grandes entidades, que estão mais organizadas. Isso não quer dizer que as pequenas não observem, todas já têm uma integração ESG nos investimentos”, diz a diretora do comitê de sustentabilidade da Abrapp, Keite Bianconi.
No momento, o tema que as entidades priorizam é a governança corporativa, por causa dos escândalos do passado. Mas meio ambiente e sociedade vêm ganhando relevância nos últimos anos, especialmente a partir de 2020, com a pandemia de covid-19. Ainda é baixa a recorrência de respostas relacionadas ao clima. “O risco climático, por exemplo, afeta o preço dos ativos”, lembra a líder de consultoria multi-ativos para América Latina da BlackRock, Cindy Shimoide. Segundo ela, os preços dos ativos ainda não refletem os fatores de sustentabilidade, e integrar métricas ESG é fundamental. “O processo já começou e está se acelerando”, completa.
Ainda há pouca transparência dos fundos de pensão quando se trata de sustentabilidade. Um relatório sobre o assunto é divulgado apenas por três entidades que participaram da pesquisa, todas de grande porte (investimentos de mais de R$ 10 bilhões). “Os fundos de pensão têm um grande poder de cobrar das investidas e do mercado um comprometimento ESG muito melhor do que têm. Nós somos grandes investidores. Quando vemos apenas três entidades fazendo o relatório de sustentabilidade, ficamos preocupados porque é um grande espelho do setor”, diz a coordenadora do comitê de sustentabilidade de Abrapp e do programa de responsabilidade socioambiental da Fundação Real Grandeza, Raquel Castelpoggi.
Especialmente as entidades menores precisam se organizar melhor sobre o tema, segundo as executivas da Abrapp. “A criação de uma política de sustentabilidade já seria um bom começo”, afirma Keite, que também é diretora de investimentos e previdência do Metrus, fundo de pensão dos metroviários de São Paulo.
O entendimento é de que as mudanças vão ocorrer gradualmente, com realinhamento dos portfólios voltados para as práticas ESG. “Ao montar um portfólio, sempre tentamos trazer um mix de gestores em diferentes estágios de maturidade e diferentes abordagens ESG”, disse a responsável pela área de investimentos sustentáveis da XP Advisory, Marina Cançado. É importante, segundo a executiva, que os fundos de pensão monitorem os resultados e acompanhem o engajamento dos gestores sobre o tema.
Essa também é uma recomendação da diretora de investimentos do fundo de pensão da Nestlé, Priscila Melo de Carvalho. “As fundações têm que olhar para gestores não só como provedor de serviço, mas parceiro da jornada”, afirmou, ao participar ontem do congresso da Abrapp. A Nestlé lançou um guia de investimento responsável e recomendou o engajamento dos fundos de pensão da empresa ao redor do mundo em incluir métricas ESG nos portfólios.
Os produtos ESG precisam se adequar à resolução 4.661, que trata dos investimentos das fundações e tem pontos como limites das alocações, lembra o sócio da consultoria Aditus, Guilherme Benites. “Fundações de maior porte, que possam fazer fundos exclusivos e impor sua política ESG para os gestores, têm mais facilidade para começar”, diz. No próximo ano, o movimento em direção a esses investimentos ainda deve ser tímido, especialmente por causa do ano eleitoral e incertezas que esse calendário traz para os mercados.
Por menor que seja a alocação, o primeiro passo precisa ser dado, sugere Marina, da XP. A tendência é que o assunto comece a ser discutido com mais facilidade dentro dos comitês das entidades. O exemplo de outras fundações também é importante para impulsionar o segmento. A XP, por exemplo, já foi procurada por outros fundos de pensão depois do anúncio, no início de outubro, de que a Volkswagen Previdência Privada (VWPP) fez um aporte de R$ 200 milhões em fundo exclusivo de crédito privado aderente às práticas ESG.
Fonte: Valor (20/10/2021)
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