quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Idosos são público promissor para o futuro de produtos financeiros digitais

 


Apesar de terem mais renda, idosos usam menos a internet e inovações financeiras. Empresas podem mudar esse cenário

Uma dupla de amigas com mais de 70 anos observa a falta de atenção da indústria às demandas de consumo de mulheres como elas e, diante da constatação, resolve criar a própria startup de vibradores. Mas, a expectativa de que a ideia sairia logo do papel é quebrada assim que elas ficam diante do gerente de um banco. O pedido de crédito é negado. Além da desconfiança sobre o negócio ser conduzido por duas idosas, a instituição financeira não vê com bons olhos um empréstimo com parcelas a serem pagas em até uma década a quem, afinal, poderia morrer antes disso. O episódio faz parte da série americana “Grace e Frankie” (Netflix), que busca romper estigmas sobre quem envelheceu.

A dificuldade em acessar produtos financeiros, como foi apresentado na ficção, é uma barreira que conversa intimamente com a realidade. Com a digitalização desses serviços, os mais idosos, mesmo quando bancarizados, não são plenamente alcançados pelas inovações que permitem comodidade e melhores taxas. Esse cenário tende a ser modificado pelas empresas, de olho nas oportunidades para o setor, afinal, trata-se de um público com mais renda e demandas bancárias relevantes.

“É a primeira geração que vive tanto tempo e também a que mais acumulou riqueza na história. Os bancos já entendem que os clientes gold são prateados, mas ainda falham em lidar com eles”, diz Layla Vallias, cofundadora da consultoria de marketing Hype 50+, que observa os comportamentos e tendências de consumo desse público.

A economia prateada é movida pelos gastos de clientes longevos, que demandam mais produtos financeiros, até como investimento para garantir renda no futuro. E o potencial dessa injeção de recursos não é pequeno. Mulheres e homens com mais de 65 anos são os chefes de família de quase um quinto dos lares brasileiros. Na porção dos 5% de brasileiros mais ricos, eles são 17%, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reunidos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) Social.

O fato de os mais idosos ainda não explorarem todas as possibilidades da nova economia para as finanças está relacionado também à constatação de que  eles estão menos conectados à rede. A pandemia acelerou a adesão de mais pessoas à internet, mas ainda com disparidades: o acesso é maior nas classes A e B e nas áreas urbanas, do que nas faixas D e E e zonas rurais. Entretanto, em todas as faixas de renda e também nas cidades, as pessoas com mais de 60 anos aparecem como um grupo à parte.

No ano passado, metade da população nessa parcela etária disse usar a internet, segundo a pesquisa TIC Domicílios, promovida pelo Comitê Gestor da Internet do Brasil. No total de todas as idades, esse percentual fica em 81%. A proporção de idosos conectados, no entanto, já foi menor: apenas 34% antes da pandemia, que mudou hábitos e levou essas pessoas para os serviços digitais.

“Mesmo dentro desse grupo, o comportamento de consumo é variado. É um erro pensar que é possível atingir todos esses consumidores de um mesmo modo. Estamos falando de toda uma vida, com até quatro décadas, após os 60 anos”, diz Michelle Queiroz, coordenadora da Fundação Dom Cabral Longevidade, que estuda os mercados da longevidade e prateado.

Redes Sociais

Não se pode perder de vista o que representa a exclusão de metade dessa população – de cerca de 30 milhões –, que tende a aumentar nos próximos anos, segundo o IBGE. Menos digitalizadas, nem um quarto das pessoas de 60 a 70 anos cadastraram suas chaves Pix, e sete em cada dez não têm interesse em fazê-lo, apontou estudo de junho do Datafolha, encomendado pela associação de fintechs Zetta. O fato desanimador é que a dificuldade de lidar com a tecnologia foi determinante para o resultado.

A situação não é permanente – não só porque os mais idosos são capazes de aprender, mas também porque têm interesse em ficar mais online. Entre os que acessam a internet, a parcela dos que fazem compras de forma virtual já se equipara com o percentual de outras faixas de idade. Além disso, as pessoas desse grupo etário estão massivamente nas redes sociais. Então, por que não poderiam também usar os recursos dos aplicativos de bancos e fintechs?

O TikTok é a rede social da geração Z , mas os idosos também estão por lá, assistindo e produzindo conteúdo. Levantamento da operadora TIM com base em seus clientes, divulgado no ano passado, dá uma noção desse comportamento. A pesquisa mostrou que 98% dos clientes com mais de 60 anos usam as redes sociais: WhatsApp e Facebook são unanimidade, seguidos pelo YouTube.

Interesse por serviços em alta

A pesquisa TIC Domicílios, que mapeou o total de idosos que acessam a internet, identificou aumento do interesse desse público pelos serviços financeiros digitais. Dentre os conectados (lembrando que eles representam apenas metade nessa faixa etária), 77% fizeram consultas, pagamentos ou outras transações financeiras pela internet na pandemia, quase o dobro do ano anterior à Covid-19. O número é menor do que o de usuários de redes sociais e chamadas de vídeo, que beiram os 90%.

“As dificuldades de digitalização existem porque essas pessoas não são nativas digitais. A jornada é diferente, mas elas sabem usar a internet, principalmente as mulheres. O que se espera não é necessariamente um produto rotulado para pessoas mais velhas, e sim inclusão em tudo o que está disponível”, aponta Vallias.

Conforme a população envelhece, o chamado ageísmo (nome derivado do inglês para os estereótipos em relação a pessoas velhas) se torna mais evidente, e os produtos continuam a ser direcionados para jovens. “É importante que os mais velhos sejam chamados para participar e opinar e, se possível, trabalhar no desenvolvimento. Do contrário, é difícil atendê-los”, diz Queiroz, da Fundação Dom Cabral.

Nesse sentido, se trata também de desenvolver produtos melhores pensando, hoje, na própria longevidade. “Ao desenvolver um serviço digital, ele precisa ser acessível também a essas pessoas, com símbolos que elas entendam e avaliando se o tempo de resposta é factível para quem não é usuário frequente”, diz Caroline Capitani, vice-presidente de inovação e digital design da Ilegra, empresa de desenvolvimento de software.

No ano passado, ela fez um mapeamento de novos negócios e tendências, a pedido de um banco, sobre esse cenário e as oportunidades para o público que envelhece – mas rejeita serviços com viés de terceira idade. “Em mercados onde a população já está mais longeva, emergem serviços tecnológicos de planejamento financeiro e securitização e alternativas como, nas comunicações, idosos falarem para idosos. No Brasil, isso ainda engatinha”, diz Capitani.

Golpes

Além da falta de educação digital destinada a esses consumidores e de acessibilidade em alguns produtos, outra questão é a percepção de riscos desses usuários – e não sem motivo, já que nos últimos anos aumentaram as fraudes em contratos, principalmente de crédito consignado, e de golpes por telefone contra eles. Segundo a TIC, é maior entre os idosos do que no restante das faixas etárias a percepção de que, ao disponibilizar dados para empresas online, os riscos são maiores do que os benefícios.

A insegurança é um problema evidente para os usuários, mas também para as instituições, quando eventuais prejuízos por não mitigar vulnerabilidades (desses usuários ou de seus sistemas, por exemplo) precisam ser cobertos por elas, ainda que não haja violação de senhas ou fraudes tecnológicas.

Fonte: Jota (19/10/2021)

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