Falar sobre herança é tocar em um assunto extremamente delicado, pois o tema está ligado ao falecimento de um ente familiar. O período, mesmo sendo de dor e luto, requer atenção dos familiares porque existem processos burocráticos com relação aos bens do falecido.
O destino da herança deixada por alguém depende de vários fatores como a configuração familiar no momento da morte e a existência de testamento. Para entender quem fica com os bens da pessoa que morreu, é necessário observar uma série de regras e exceções.
1. O que é herança?
Recebe o nome de herança o conjunto de bens (e aí entram também os investimentos), patrimônios, direitos e obrigações deixados por uma pessoa falecida aos seus herdeiros.
2. Quem são os herdeiros?
Por herdeiros entende-se tanto os legítimos quanto os que foram indicados como beneficiários em testamento (testamentários). O Código Civil esclarece:
- Herdeiros legítimos (chamados também de necessários)
Os herdeiros legítimos são, segundo o art. 1829, do Código Civil:
I – os descendentes, que concorrem com o cônjuge sobrevivente na herança, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – os ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.
Pensando em uma árvore genealógica, ascendentes são os pais, avós, bisavós, trisavós do de cujus. Ou seja, os parentes que vieram antes do próprio.
- Descendentes são os filhos, netos e bisnetos.
- Cônjuge sobrevivente é o marido ou esposa do de cujus. Neste ponto, é importante ressaltar que o casamento deve estar válido na data da morte do titular dos bens. Ou seja, o divórcio ou separação de fato extinguem o matrimônio e, portanto, não gera direitos sucessórios.
- O companheiro ou companheira sobrevivente é com quem o de cujus vivia em união estável. Há direito sucessório nos casos de uniões estáveis, desde que comprovado que o casal convivia até a data da morte do de cujus.
Estes herdeiros têm direito a 50% do patrimônio do de cujus, cada um com sua quota-parte, segundo as disposições legais.
Por isso, existindo herdeiros necessários, se houver testamento, o testador não poderá dispor sobre a divisão de mais de 50% do patrimônio, pois atinge a parte legítima
- Herdeiros facultativos (colaterais)
Os herdeiros colaterais ou facultativos são aqueles que terão direito somente no caso de não existirem os herdeiros anteriores, segundo a ordem de vocação hereditária. São os parentes de até 4º grau (irmãos, tios, sobrinhos e primos).
- Herdeiros testamentários (legatários)
São os que recebem o patrimônio, ou uma parte dele, pela vontade do falecido firmada em testamento (isto é, por livre e espontânea vontade do legatário).
Qualquer pessoa pode criar um testamento em vida dispondo como será a divisão dos bens, definindo quem são os legatários e quais os bens especificamente de direito, já que não há percentual sobre o patrimônio, respeitada a legítima, conforme já explicamos.
Existem algumas vedações para a nomeação do legatário na lei, ou seja, não podem ser legatários:
Art. 1.801. Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários:
I – a pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos;
II – as testemunhas do testamento;
III – o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos;
IV – o tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante quem se fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento.
O nome “legatário” se dá porque a pessoa recebe um legado de outrem por meio de testamento.
Para os casos em que não haja, legalmente, um testamento reconhecido, os filhos e companheiros passam a ser os herdeiros naturais. Já na ausência de cônjuge, filhos e netos, ficam com a partilha dos bens os irmãos ou familiares.
Um herdeiro pode ter direito à herança por inteiro, ou a uma parte dos bens. Na ocasião de haver mais de um herdeiro, deve existir o procedimento chamado de partilha de bens.
3. O que é a partilha de bens?
A partilha de bens é quando a herança é dividida entre herdeiros ou pessoas de direito. O processo se dá a partir das análises do testamento e do inventário.
4. O que é inventário?
Inventário é um procedimento Judicial ou Extrajudicial com a finalidade de transferir a propriedade do falecido (de cujus) para os que ficaram vivos (herdeiros), fazendo um levantamento de tudo o que ele possuía, a fim de que a divisão entre os seus sucessores seja igualitária.
Existem dois tipos de inventários, Inventário Judicial e Inventário Extrajudicial.
Inventário Extrajudicial é o inventário realizado no cartório, por meio de escritura pública, desde que todos os envolvidos sejam capazes, concordes e devidamente representados por advogado.
Não pode haver testamento, caso contrário, o inventário deverá ser realizado pelas vias judiciais. Este inventário poderá ser realizado em qualquer cartório de notas, independente do domicílio das partes, do óbito e dos bens.
O Inventário Judicial, por sua vez, é o inventário que ocorre por meio de processo judicial.
Essa é a modalidade obrigatória de inventários nos casos nos quais houver menores ou incapazes, discordância quanto à partilha dos bens, algum envolvido não estiver devidamente representado ou, ainda, quando o falecido houver deixado testamento.
Havendo testamento, serão abertas duas ações judiciais: uma para reconhecer o testamento e outra para realizar o processo de inventário em si.
5. Os regimes de bens e a herança
Se o falecido foi casado no regime de comunhão universal, todos os seus bens e de seu cônjuge pertencem aos dois, indistintamente.
Para fins de herança, o viúvo terá direito a 50% do patrimônio deixado pelo falecido, mas não a título de herança, e sim como sua meação.
Esta diferenciação é muito importante. O cônjuge sobrevivente, no regime da comunhão universal, não é herdeiro, mas sim meeiro, o que significa que ele já é proprietário de 50% do patrimônio, não havendo o que se falar em herança.
Se o falecido foi casado em regime de comunhão parcial, será necessário, antes de tudo, verificar quais são seus bens particulares e quais os seus bens em comunhão.
Em relação aos bens adquiridos antes do casamento – particulares – o cônjuge sobrevivente terá participação como herdeiro, juntamente com os descendentes.
Por outro lado, em relação àqueles bens adquiridos após o casamento, a regra será exatamente a mesma aplicada à comunhão universal, explicada acima, de modo que o viúvo (a) permanecerá com 50% deles, a título de meeiro – e não herdeiro.
Separação Total ou Separação Obrigatória
A separação total é o regime em que o casal, de livre vontade, opta pela separação de bens, o viúvo é herdeiro e dividirá a herança juntamente com os descendentes.
Por outro lado, a separação obrigatória é o regime imposto pela lei, de acordo com algumas situações no momento do casamento. A mais comum é quando um dos noivos tem mais de 70 anos.
Se o falecido era casado em regime de separação obrigatória, em regra, o viúvo (a) terá direito à meação, isto é, titularizará 50% do patrimônio adquirido após o casamento, e, consequentemente, não participará do restante, como herdeiro.
Inclusive, dissemos “em regra”, porque é necessária a prova do esforço comum na aquisição do patrimônio. Porém, o esforço comum, neste caso, é quase que presumido, pois aceita-se não apenas a ajuda financeira, mas também moral e psicológica.
Desta forma, pode-se afirmar que as regras para a separação obrigatória são semelhantes àquelas aplicadas à comunhão parcial.
O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que não existe diferença de herança para pessoas casadas ou em união estável. Assim, toda a explicação acima se aplica de forma idêntica para companheiros em união estável, de acordo com o regime escolhido.
6. Qual a diferença entre testamento e inventário?
É necessário, antes de tudo, definir o que é testamento e o que é inventário para explicitar a diferença desses dois institutos.
Testamento pode ser entendido como a manifestação de vontade de uma pessoa viva acerca do seu patrimônio, ou seja, uma manifestação de vontade sobre como ela quer dispor do seu patrimônio.
Por outro lado, Inventário é a apuração dos bens de uma pessoa após o seu falecimento. Esse processo é necessário para posterior partilha de bens entre os herdeiros.
7. Partilha de bens aos filhos
Os filhos nunca ficam de fora da herança, exceto se forem deserdados ou considerados indignos (veja mais no tópico "quem pode ser deserdado", mais abaixo).
Eles podem ter de dividir a herança com o cônjuge, dependendo do regime de bens do casal, conforme explicado acima. Em alguns casos, netos e bisnetos também podem participar da divisão junto com os filhos (entenda melhor no tópico seguinte).
A divisão da herança entre os filhos é igualitária (salvo se a pessoa que morrer privilegiar um deles no testamento, respeitado o limite de 50% do patrimônio total). Não existe mais diferenciação entre filhos concebidos dentro ou fora do casamento.
Também tem direito à herança o filho já concebido, que nasce depois que a pessoa morre. Se a gestação for interrompida ou o bebê nascer sem vida, não é levado em conta na divisão da herança.
É preciso lembrar que o dono dos bens pode fazer o testamento e deixar metade de seu patrimônio para quem quiser, mesmo que não sejam filhos. A prioridade dos filhos é para a parte que sobrar, se houver testamento.
8. Partilha dos bens aos netos, bisnetos, trinetos e tataranetos
Para outros descendentes diretos (netos, bisnetos, trinetos tataranetos), existe o direito de representação. Isso significa que eles podem ficar com a parte da herança que caberia a um filho da pessoa que deixou herança.
Esse direito de representação se estende sem limite entre descendentes diretos, como bisnetos, trinetos e tataranetos.
9. Partilha de bens aos pais
Os pais só têm direito à herança se a pessoa falecida não deixar descendentes (filhos, netos, bisnetos, trinetos e tataranetos). Eles têm que dividir parte do patrimônio com o cônjuge do falecido, independente do regime de bens que o casal mantinha.
10. Partilha de bens aos avós, bisavós, trisavós e tataravós
Só têm direito à herança se a pessoa que morreu não deixou:
- Descendentes diretos (filhos, netos, bisnetos, trinetos e tataranetos);
- Pais;
- Marido, esposa, companheiro ou companheira.
Nesse caso, não existe direito de representação. Assim, o ascendente mais próximo exclui os mais distantes. Por exemplo: uma avó vai excluir um bisavô da herança (exceto se o bisavô estiver contemplado no testamento, dentro dos 50% que podem ser destinados livremente).
11. Partilha de bens aos Irmãos, sobrinhos, tios, tios-avós e primos
Esses são os principais parentes colaterais considerados herdeiros facultativos. Se não forem contemplados no testamento, só terão direito à herança caso não esteja vivo nenhum dos outros familiares listados acima.
Diferentemente dos herdeiros necessários, os herdeiros facultativos podem ser excluídos no testamento pela simples vontade do dono do patrimônio.
12. Partilha de bens com testamento
Neste caso, será preciso fazer um inventário, pois metade do patrimônio do falecido fica disponível para os herdeiros legais. Explicando: o testamento tem efeito sobre 50% da herança, enquanto os outros 50% vão para o cônjuge e descendentes. Ou seja, só se pode testar 50% da herança.
13. Como saber se o falecido deixou testamento?
Caso a família não tenha certeza se o falecido deixou testamento registrado, dever-se-á retirar uma certidão no CENSEC (Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados). Essa pesquisa realizará uma busca em todos os cartórios do país, verificando a existência ou não de testamento registrado.
14. O que pode acontecer se não for feito o inventário?
Este é um ponto extremamente relevante: as consequências da não abertura de inventário após falecimento de uma pessoa.
Um dos grandes problemas da não abertura do inventário é que os herdeiros não poderão usufruir livremente dos bens deixados pelo falecido. Em outras palavras, os herdeiros não poderão vender, alugar, transferir ou realizar qualquer outro tipo de negócio jurídico com os bens do falecido até que seja feita a partilha.
Além disso, o cônjuge sobrevivente, ou seja, o/a viúvo (a), sem que haja a abertura do inventário e a posterior partilha dos bens, fica impedido de contrair novo casamento legalmente.
15. Quem pode ser deserdado?
A lei prevê casos em que o próprio dono do patrimônio pode excluir herdeiros necessários. Isso só é permitido por meio do testamento, com indicação expressa da causa. Para deserdar descendentes (filhos, netos e bisnetos), o dono do patrimônio pode alegar:
As hipóteses de deserdação encontram-se elencadas nos artigos 1.814, 1.962 e 1.963 do Código Civil:
- autoria, co-autoria ou participação de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
- acusação caluniosa em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
- por violência ou meios fraudulentos, haja a inibição ou óbice a que o autor da herança disponha livremente de seus bens por ato de última vontade;
- ofensa física;
- injúria grave;
- relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;
- relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta;
- desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade;
- desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade.
16. O que acontece se o ente estava endividado?
O Código Civil esclarece que, em caso de o falecido ter deixado dívidas, o patrimônio deverá ser usado para pagar os credores.
Pode haver três situações.
Na primeira, é quando a dívida é menor do que o volume de bens. Nesse caso, parte da herança vai para quitação das dívidas e o restante é dividido entre os herdeiros.
Na segunda, é quando dívida e patrimônio se equivalem. Em situações assim, existe quitação da dívida e os herdeiros não terão herança.
Já quando a dívida é maior que o patrimônio do falecido, os familiares podem renunciar à herança, a qual será disputada entre credores.
Como não existe a obrigatoriedade de a família renunciar ao inventário, uma opção é seguir o processo de partilha normalmente e realizar o pagamento dos credores de acordo com o limite dos bens existentes.
O restante da dívida também não é herdada: os familiares não precisam se responsabilizar por quitar valores que ultrapassem o patrimônio deixado pela pessoa.
17. O que é planejamento sucessório?
O planejamento sucessório é um instrumento jurídico que tem como objetivo organizar a transferência de bens e patrimônios de uma pessoa, ainda viva, aos seus herdeiros.
A ideia é atuar de modo antecipado para prevenir problemas como conflito familiar, dispor os bens conforme o desejo do titular e reduzir custos com o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação).
Ao realizar um planejamento sucessório, o ideal é contratar advogados especializados no assunto para que seja feita uma análise da maneira mais eficiente de realizar a sucessão.
Algumas das maneiras mais comuns são:
- Testamento.
- Doação do patrimônio em vida.
- Holding Familiar.
- Planos de Previdência Privada.
- Conta Conjunta.
- Fundos Imobiliários.
- Seguro de vida.
Conclusão
Vimos o que é herança, partilha de bens, quem são os herdeiros e meeiros, o que é inventário e o que é um planejamento sucessório.
Fonte: JusBrasil e Dra. Tatiane O. da Silva (18/10/2021)
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