Farol do mercado, entidades adotam postura conservadora diante de cenário incerto para 2022
Com aproximadamente R$ 1,14 trilhão em recursos previdenciários sob gestão, o que corresponde a cerca de 14,1% do PIB (Produto Interno Bruto) do país, os fundos de pensão costumam ser um dos principais balizadores das grandes tendências de mercado, diante de seu porte e relevância.
Com as incertezas políticas e as dúvidas em relação ao desempenho da atividade econômica, as maiores Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPCs) têm preferido adotar um viés conservador no que tange às estratégias de investimento para 2022.
Com metas de rentabilidade para manter a solvência dos planos de benefício ao redor de 4,5% ao ano, além da variação da inflação, esses investidores vêm se aproveitando dos prêmios polpudos oferecidos por títulos públicos indexados ao IPCA (índice oficial de inflação do país) para ir às compras.
Ao longo do segundo semestre do ano passado —em um movimento que deve se estender e ganhar força durante os próximos meses—, fundações do porte de Petros, da Petrobras, e de Funcef, da Caixa, já aproveitaram para encarteirar alguns bilhões de reais na compra de NTN-Bs, também conhecidos como títulos Tesouro IPCA, que podem ser negociados pela plataforma virtual Tesouro Direto.
Na sexta-feira (21), esses papéis ofereciam taxa de juro real de 5,27% para os vencimentos em 2026. Para prazos mais longos, como 2055, o rendimento acima da inflação chegava a 5,67% ao ano.
"Nos últimos seis meses, com a expressiva abertura da curva de juros real, efetuamos diversas compras de NTN-Bs para os planos administrados a taxas superiores às metas atuariais, totalizando montante superior a 6% da carteira de investimentos consolidada [que soma cerca de R$ 100 bilhões]", afirma Bruno Dias, presidente da Petros.
Segundo ele, parte desta alocação foi financiada por uma redução na exposição em renda variável no mês de outubro, quando o mercado interpretou a divulgação do Auxílio Brasil pelo governo como a perda da âncora fiscal.
"Naquele momento, preocupados com o prolongamento dos impactos desta medida no mercado, reduzimos a exposição dos planos em Bolsa na ordem de 3% do total de investimentos de cada plano", afirma o presidente da Petros. "O cenário, que permanece incerto, recomenda continuidade da postura cautelosa."
Na Funcef, fundo de pensão dos funcionários da Caixa, movimento semelhante foi observado.
A intenção é manter e até acelerar a toada durante 2022, quando o apetite para a tomada de risco será bem menor, diz Gilson Costa de Santana, presidente da Funcef.
"Anos de eleições presidenciais são tradicionalmente períodos de elevada volatilidade", afirma o dirigente.
As compras recentes de títulos públicos foram financiadas parcialmente pela venda de ações da Vale, que chegaram a representar aproximadamente 22% da carteira nos maiores planos sob administração, por conta da forte valorização no início de 2021.
De modo a mitigar o risco de concentração excessiva em um único papel, a exposição na mineradora foi gradualmente reduzida durante os últimos meses e está agora mais perto de 8%.
Santana afirma que novas vendas não estão descartadas, a depender da evolução do cenário e de como se comportarem os preços das ações.
"Se tiver uma janela que se mostre atraente, pode sim ocorrer [a venda], não só de Vale, mas de qualquer papel, dentro da estratégia de redução significativa de risco traçada na política de investimentos", diz o presidente da Funcef.
Ele acrescenta que, além dos títulos públicos, a entidade tem cada vez mais se voltado para papéis de renda fixa privada, de empresas de primeira linha, que têm acessado o mercado em busca de financiamento para a expansão das operações.
Já o diretor de investimentos da Vivest, Jorge Simino afirma que tem preferido manter a maior parte dos recursos que entram via pagamentos de juros e dividendos em instrumentos financeiros de curto prazo, postura que deve prosseguir até meados do segundo semestre deste ano, quando espera encontrar melhores alternativas à disposição.
Mesmo porque, frente a uma Selic de dois dígitos e uma inflação que deve passar por alguma descompressão, os juros de curto prazo voltarão a entregar retorno real, enfatiza o especialista.
"Com uma Selic próxima de 12% e uma inflação ao redor de 6%, vamos ter em 2022 taxas de juros reais na ponta curta entre 5% e 6% ao ano, com risco praticamente zero, algo que não vimos nem em 2020 e nem em 2021. Isso faz uma tremenda diferença", afirma o diretor da Vivest, responsável por administrar um patrimônio próximo de R$ 45 bilhões no maior fundo de pensão de capital privado do país, de empresas do setor elétrico.
Nesse contexto, ele conta ter reduzido em cerca de 40% a exposição na Bolsa brasileira em meados de setembro, ao identificar uma deterioração aguda nas perspectivas para o cenário à frente, tanto no Brasil, como também no exterior.
"O ambiente internacional está começando a mudar, com as discussões sobre a redução dos estímulos e a alta de juros pelo Federal Reserve [banco central dos EUA]. Já não é mais aquele céu de brigadeiro", diz Simino.
Apesar do cenário externo menos benigno do que se imaginava até pouco tempo atrás, Dias, da Petros, aponta que o mercado internacional está entre as principais alternativas no radar para 2022, ante um ambiente doméstico ainda mais desafiador.
A entidade de previdência da Petrobras (Petros) fez em outubro sua estreia no segmento de investimentos no exterior, como parte da estratégia de diversificação em busca de maior proteção e rentabilidade.
Após conclusão de processo interno, foi realizado aporte inicial de R$ 224 milhões em fundos da gestora global Schroders Investment.
"O objetivo principal é obter uma carteira com baixa correlação com ativos locais, visando uma otimização do desempenho global", afirma Dias. Ele diz ainda ter planos de selecionar novas gestoras para um possível aumento da exposição no exterior, em busca de ampliar a proteção ao restante da carteira.
No que diz respeito à Bolsa local, embora o sentimento seja de menor entusiasmo de modo geral, a avaliação das entidades é a de que, para aqueles planos ainda em fase de acumulação de recursos, é preciso estar atento para as oportunidades nos níveis em que se encontram os preços.
"Para planos com perfil mais acumulador, vemos oportunidades não apenas em renda fixa, mas também em renda variável, e o momento pode contribuir para alocações com apetite de risco mais voltados para a construção de patrimônio no longo prazo", afirma o presidente da Petros.
"Quando olhamos para os participantes de planos que têm mais prazo, enxergamos boas oportunidades na renda variável", endossa Samuel Crespi, diretor de investimentos da Funcef. Ele diz que, para 2022, a entidade tem a intenção de implementar os perfis de investimento, modelo em que cabe ao participante escolher se prefere uma estratégia de investimento mais conservadora ou agressiva.
Na Valia, fundo de pensão da Vale com cerca de R$ 25 bilhões, o diretor de investimentos e finanças Maurício Wanderley afirma que os funcionários têm a opção de escolher entre os perfis de investimento ou por um modelo conhecido como ciclo de vida. Nesse segundo caso, a exposição a risco de cada plano varia automaticamente, de acordo com o tempo que o participante ainda tem até se aposentar.
"Independentemente do que vai acontecer este ano, estamos fazendo uma gestão de longo prazo, com horizontes de mais de 30 anos. O ano de 2022 é só mais um ano dentro dessa janela longa de tempo, e precisamos estar diversificados e tirar o viés de curto prazo, até porque as coisas podem mudar muito rapidamente, tanto para o bem quanto para o mal", afirma Wanderley.
Fonte: Folha de SP (23/01/2022)
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