Pelo menos quatro recentes decisões, da 3ª e 4ª Turmas, são favoráveis a pacientes
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem obrigado planos de saúde a fornecerem medicamentos sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), apesar de haver entendimento, firmado por meio de recursos repetitivos, em sentido contrário. Há pelo menos quatro recentes decisões favoráveis a pacientes - três da 3ª Turma e uma da 4ª Turma.
Em 2018, o STJ bateu o martelo sobre a questão. A 2ª Seção definiu, naquela ocasião, que as operadoras de plano de saúde não são obrigadas a fornecer medicamentos sem registro na Anvisa (Tema 990). O entendimento foi o de que a Lei de Controle Sanitário (nº 6.360/76) exige de todo fármaco, nacionalizado ou não, o seu efetivo registro.
Para o relator dos recursos repetitivos (REsp 1712163 e REsp 1726563), ministro Moura Ribeiro, “o Judiciário não pode impor que a operadora do plano de saúde realize ato tipificado como infração de natureza sanitária, prevista no artigo 66 da Lei nº 6.360/76, e criminal também, prevista na norma do artigo 273 do Código Penal”.
Agora, porém, os ministros têm flexibilizado em algumas situações esse entendimento. Alegam haver diferença com os casos julgados por meio de recursos repetitivos. Seguem a linha adotada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento sobre fornecimento pelos Estados de medicamentos sem registro na Anvisa.
No entendimento dos ministros do STF, medicamentos sem registro da Anvisa podem ser concedidos pelo Estados em situações excepcionais (Tema 500). Em casos envolvendo doenças raras e ultrarraras, em que há registro em agências estrangeiras de renome e quando não há substituto terapêutico com registro no Brasil.
Recentemente, a 3ª Turma do STJ obrigou uma operadora a cobrir a importação do medicamento Thiotepa/Tepadina, para tratamento de câncer. No caso, os ministros levaram em consideração que, apesar de ainda não ser registrado pela Anvisa, teve a importação autorizada em caráter excepcional pela própria agência.
Em seu voto (REsp 1886178), a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, afirma que “a autorização da Anvisa para a importação excepcional do medicamento para uso hospitalar ou sob prescrição médica, é medida que, embora não substitua o devido registro, evidencia a segurança sanitária do fármaco”.
Em outro caso (REsp 1885384), também julgado pela 3ª Turma, o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, diz que, em se tratando de caso de doença ultrarrara, com incidência menor ou igual a um caso para cada 50 mil habitantes, “há substancial diferença material entre o caso em julgamento e os paradigmas, suficiente a amparar a necessidade de não aplicação da ‘ratio decidendi’ dos precedentes que deram ensejo ao Tema 990/STJ (distinguishing)”.
O caso é de uma paciente que requereu o fornecimento pela operadora de plano de saúde do medicamento Kineret (Anankira). É destinado ao tratamento de uma doença ultrarrara denominada Síndrome de Schnitzler.
A 3ª Turma, em outro caso relatado pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino (REsp 1816768), também concedeu medicamento a paciente, com um tipo de câncer raro (Síndrome de Sesary). No caso, o produto (Targretin, princípio ativo Bexaroteno) chegou a ter registro na Anvisa, que teria sido cancelado por mero desinteresse comercial, não por razões sanitárias, o que justificaria, segundo o relator, uma distinção com o Tema 990. Caso semelhante foi julgado pela 4ª Turma (REsp 1956342).
Para o advogado Marcos Patullo, especializado em direito à saúde e sócio do escritório Vilhena Silva Advogados, as decisões demonstram a necessidade de a jurisprudência evoluir e de se discutir os limites da aplicação do Tema 990 do STJ, em especial nos casos em envolvem doenças raras e ultrarraras. Um possível caminho para esse debate, acrescenta, é a aplicação do entendimento firmado pelo Supremo.
“Inevitavelmente, o STJ terá que estabelecer critérios para excepcionar a tese firmada no Tema 990 e impedir que a sua aplicação fria e literal acarrete injustiças”, afirma o advogado.
O advogado Rodrigo Araújo, do Araújo & Jonhsson Advogados Associados, que assessora o paciente do caso julgado pela 4ª Turma, diz que essa flexibilização já era esperada desde a formulação da tese pelo STJ. “A tese, em si, já foi uma surpresa à época em que foi firmada”, afirma. “Não há como prever [na tese] toda e qualquer situação.”
De acordo com o advogado, o entendimento majoritário do STJ, na época, era no sentido de que a cobertura de medicamento importado, mesmo sem registro na Anvisa, era devida pelos planos de saúde, desde que prescrito por médico, tivesse justificativa clínica e não houvesse outro fármaco similar disponível no país.
Já no entendimento do advogado Alexandre Tallo de Souza, do escritório Dagoberto Advogados, que atua para planos de saúde, essas decisões representam um retrocesso. Ele lembra que a Resolução Normativa nº 465, de 2021, editada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para atualizar o rol de procedimentos que devem ser cobertos pelas operadoras, exige que o medicamento tenha registro ativo (artigo 17).
“A autorização [da Anvisa] garante a segurança do fármaco. Essas decisões contrariam a própria tese firmada pelo STJ e provocam um grande desequilíbrio na relação contratual”, diz o advogado.
Em nota, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) afirma que as operadoras “prestam todo e qualquer atendimento previsto no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, e é de extrema importância que este seja respeitado, pois a lista serve como diretriz para a precificação dos planos de saúde por meio de cálculos atuariais”.
Fonte: Valor (13/01/2022)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
"Este blog não se responsabiliza pelos comentários emitidos pelos leitores, mesmo anônimos, e DESTACAMOS que os IPs de origem dos possíveis comentários OFENSIVOS ficam disponíveis nos servidores do Google/ Blogger para eventuais demandas judiciais ou policiais".