Universidade de Campinas fará tratamento em pacientes com apoio de fábricas da capital e de Ribeirão Preto. 'Fronteira científica absolutamente nova', diz coordenador.
A Unicamp, por meio do Hospital de Clínicas e do Hemocentro, integra um projeto pioneiro no país para tratamento de câncer por meio de células de defesa dos próprios pacientes. A terapia genética conhecida como CAR-T Cell tem potencial para tratar pessoas em estágios hoje considerados irreversíveis.
Professor titular de hematologia e hemoterapia da Unicamp, Carmino de Souza define a nova terapia, realizada apenas 5 mil a 7 mil vezes em todo o mundo, como uma "fronteira científica absolutamente nova".
"Eu me sinto como na época que a gente estava começando o transplante de medula óssea na década de 80. É uma modalidade de tratamento de câncer - e não só de câncer, porque pode ser usada eventualmente para doenças genéticas - que é uma avenida difícil de imaginar até onde vai".
O governo estadual anunciou, nesta terça-feira (14), um programa que promete a produção em larga escala da terapia genética. Duas fábricas funcionarão no estado - uma na capital, inaugurada nesta manhã no Instituto Butantan, e outra em Ribeirão Preto, prevista para ser lançada na semana que vem na USP.
Além da Unicamp, fazem parte do programa os campi da USP de São Paulo e de Ribeirão - e o próprio instituto da capital.
Como funciona?
Segundo Carmino de Souza, as duas fábricas farão a modificação das células conhecidas como células T, que fazem parte do sistema imunológico. Essa mudança permite que as células combatam o câncer específico do paciente.
"Ela [fábrica] vai inserir, no genoma dessa célula de defesa, elementos que vão fazer com que essa célula seja sensibilizada para defesa daquele tipo de doença que o paciente tem", explica o médico da Unicamp, que também é secretário executivo da Secretaria Extraordinária de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde do estado.
Apesar de não ter uma fábrica, a Unicamp participa do grupo na parte clínica. "Nós participamos na hemoterapia, quer dizer, na coleta, fracionamento, separação, congelamento das células T e depois na aplicação da célula T geneticamente modificada".
"Os primeiros alvos dessa terapia são pacientes com doenças muito avançadas. Em geral, pacientes que não têm nenhuma possibilidade válida de tratamento e, principalmente neste primeiro momento, estamos trabalhando com linfomas agressivos e leucemia aguda linfoblástica".
Um diferencial do método é que não há necessidade, como em transplantes de medula, de encontrar doadores. "O paciente é doador dele mesmo. A gente vai testando ao longo do tempo quais tumores são mais sensíveis a isso. (...) Cada tumor é um tumor e eles precisam expressar determinados alvos que possam ser passíveis de atacar determinadas células".
Quando começa em Campinas?
Até agora, sete pacientes do projeto passaram pela terapêutica - todos da capital ou Ribeirão Preto. Os resultados foram todos positivos, segundo Carmino de Souza.
"É uma questão de tempo de ter pacientes de Campinas. O pessoal já está trabalhando para saber do que estamos falando, quando seriam os alvos, quantas pessoas, quais seriam os alvos potenciais, tudo isso está sendo levantado pelo grupo de trabalho", disse o médico.
Souza pondera, no entanto, que ainda há trâmites regulatórios de pesquisa a serem feitos na cidade. "Tem que ser aprovado pelos comitês de ética em pesquisa nacional e os locais".
Tratamento caro
O custo da terapia genética é de cerca de 1 milhão de dólares por paciente, afirma Carmino de Souza. Já as fábricas responsáveis pela modificação celular exigem R$ 50 milhões de custeio cada uma.
Apesar de a Unicamp ter entrado no projeto no ano passado, os primeiros investimentos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) foram feitos há cerca de 10 anos. "Nós estamos hoje consolidando algo que vem de muitos anos", completou.
Sobre o custo alto por paciente, Carmino de Souza afirmou que ainda há muito o que ser decidido pelo governo estadual e federal, mas a expectativa é poder oferecer para o sistema público. "Além de todos esses avanços da ciência, nós estamos trabalhos por uma coisa que acho fundamental, que é a equidade".
"O que é fascinante e me deixa quase emocionado de ver como nós caminhamos nisso e entraremos nesse seleto grupo capaz de fazer a terapêutica do CAR-T", afirmou Souza.
Car-T Cell: o que é?
A terapia tem como base os linfócitos T, células de defesa do corpo que são isoladas e reprogramadas para identificar e combater o câncer e acontece em etapas:
- coleta de sangue do paciente
- isolamento dos linfócitos T da amostra
- ativação e multiplicação dos linfócitos T em laboratório
- criação das células CAR-T por meio do contato entre os linfócitos e um vetor viral inofensivo ao organismo que identifica receptor de células cancerígenas
- congelamento e controle de qualidade das células CAR-T
- aplicação das células por meio de transfusão de sangue
Em 2017, a técnica foi aprovada pela FDA, agência reguladora dos Estados Unidos. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou este ano o primeiro registro sanitário da terapia gênica contra o câncer hematológico, originado nas células sanguíneas.
Mas, de uma maneira geral, tem sido aplicada de maneira experimental no país e de forma compassiva, ou seja, quando, em um estágio muito avançado da doença, é a última alternativa de tratamento e por decisão médica.
Fonte: G1 (14/06/2022)
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