quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Fundos de Pensão: STJ pode evitar caos na previdência privada. Em jogo a independência e solidariedade entre planos



Corte jugará caso da Previdência Usiminas que reflete na segurança jurídica de quem investe no setor

Está previsto para os próximos dias o julgamento de um caso na 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que pode reverberar no setor de previdência complementar. A Corte está prestes a julgar o recurso especial nº 1964067/ES, sob a relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, envolvendo o fundo de pensão dos ex-funcionários da Companhia de Ferro e Aço de Vitória (Cofavi), gerido pela Previdência Usiminas.

Os trabalhadores da siderúrgica, falida em 1996, demandam na Justiça aposentadorias vitalícias, mesmo tendo contribuído por apenas quatro anos. Vários dos participantes aposentados, que receberam benefício até março de 1996, quando os recursos disponíveis no Fundo Cofavi acabaram, ingressaram com demandas judiciais contra a Femco, hoje Previdência Usiminas, pleiteando o pagamento das complementações de aposentadorias de forma vitalícia, mesmo não tendo contribuído tempo suficiente para a formação da reserva garantidora. O que está em jogo neste julgamento é a segurança jurídica de quem investe no setor.

O caso tramita na Justiça há mais de duas décadas. Em 1985, a Cofavi assinou convênio com a Femco (posteriormente incorporada pela Previdência Usiminas) para que administrasse o plano de previdência complementar de seus funcionários. No ano seguinte, a siderúrgica começou a contribuir para o fundo, mas passou a enfrentar problemas financeiros e, em 1990, interrompeu os pagamentos.

Como a Cofavi não pagava mais as contribuições, a situação financeira do fundo foi comprometida e os recursos para pagar os aposentados se exauriram em 1996. A formação de reserva é uma condição básica para a concessão de benefícios na previdência complementar. Sem as contribuições, o sistema não pode funcionar.

Hoje, todo o dinheiro que pertencia ao fundo dos ex-trabalhadores da Cofavi já foi restituído aos participantes e não há mais recursos. Cerca de 88% (2.596) dos ex-funcionários da Cofavi receberam de volta as contribuições vertidas ou benefícios de complementação de aposentadoria até o exaurimento do fundo. Mesmo assim, uma porção de trabalhadores recorreu à Justiça para receber aposentadoria vitalícia. Atualmente, existem cerca de 200 processos judiciais ajuizados em face da Previdência Usiminas visando à manutenção dos benefícios vitaliciamente.

Em função disso, a Previdência Usiminas tem enfrentado diversos bloqueios e alvarás judiciais, inclusive atingindo outros fundos gerenciados pela entidade fechada de previdência complementar, que pertencem a funcionários vinculados a outras empresas e que nada têm a ver com a Cofavi. Trata-se de um descalabro jurídico e social, porque afeta outros trabalhadores que não têm nenhuma relação com o caso e que contribuíram por décadas para constituir seus planos de previdência.

Desde que os processos da Cofavi começaram a ser julgados, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) chegou a bloquear R$ 267 milhões geridos pela Previdência Usiminas, contrariando precedentes do STJ sobre o caso, a legislação regente sobre previdência complementar, a posição do órgão fiscalizador e os contratos firmados. Esses valores são de outro fundo também administrado pela Previdência Usiminas, que pertence aos aposentados da Cosipa, siderúrgica incorporada pela Usiminas em 2009.

As decisões do TJES contrariaram princípios básicos da previdência complementar e causam perplexidade, tanto no setor jurídico quanto no mercado de previdência. Agora, cabe ao STJ o importante trabalho de uniformizar o entendimento sobre a questão. Isso porque os recursos afetados pertencem ao fundo dos funcionários da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), que não tem solidariedade com o da Cofavi. As empresas faziam parte do mesmo plano de benefícios, mas os dois fundos são contratualmente separados. Isso significa que as reservas da Cosipa não têm nenhuma relação com as da Cofavi. Os trabalhadores da Cosipa (hoje Usiminas), inclusive, contribuem regularmente desde 1975, enquanto o fundo da Cofavi não recebe contribuições há mais de 30 anos, o que acabou por inviabilizar a continuidade dos pagamentos aos participantes.

O STJ já tomou diversas decisões favoráveis à Previdência Usiminas. Em 2015, a 2ª Seção da Corte reconheceu a impossibilidade de o direito de crédito de ex-funcionário da Cofavi atingir o patrimônio do fundo Cosipa. Mais tarde, em 2017, a 3ª Turma do Tribunal julgou unanimemente que não há solidariedade entre os fundos e decidiu que a Previdência Usiminas não seria responsável por continuar pagando os benefícios dos ex-trabalhadores da Cofavi.

Em 2021, a 3ª Turma da Corte reafirmou o seu posicionamento, deixando claro que os aposentados terão direito de receber os seus respectivos direitos acumulados perante o plano somente após o recebimento dos valores habilitados pela Previdência Usiminas na falência da Cofavi.

Também no ano de 2021, sete ministros do STJ, das duas Turmas de Direito Privado do Tribunal (3ª e 4ª), proferiram decisões monocráticas em favor da tese defendida pela Previdência Usiminas, sendo que tais decisões já começaram a surtir efeito inclusive no TJES. Ainda assim, os processos continuam a chegar ao STJ e vem pela frente a importante missão de pacificar o tema na 2ª Seção do Tribunal.

A independência entre os diversos fundos administrados por entidades fechadas de previdência complementar, como a Previdência Usiminas, é um dos pilares jurídicos para o funcionamento do setor. É o princípio que assegura os participantes de que, caso um fundo se torne deficitário, os outros fundos não serão comprometidos. Sem essa base, ficam na incerteza os trabalhadores que por anos contribuíram para se aposentar com tranquilidade.

Além disso, os fundos de pensão são grandes investidores institucionais, investindo em infraestrutura, saneamento, setor imobiliário, entre outros setores, e o risco sistêmico potencialmente afeta o mercado como um todo, inclusive deixando de gerar empregos e arrecadação de impostos.

Nesse contexto, o caso da Previdência Usiminas será um divisor de águas para o setor de previdência complementar. Ao garantir que não há solidariedade entre fundos distintos da mesma gestora, novas ações do tipo serão desestimuladas em outros casos de falência do patrocinador. Caso contrário, pode haver uma enxurrada de processos de potenciais participantes afetados tentando minimizar possíveis perdas às custas de participantes de outros planos.

Portanto, a segurança jurídica dos fundos de pensão depende do STJ e existe uma clara preocupação do setor no sentido de que sejam protegidos os direitos dos trabalhadores que contribuem há décadas e confiam nas regras básicas da previdência complementar.

Fonte:  Jota (07/02/2022)

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