sexta-feira, 3 de junho de 2022

TIC: Conexão de internet nas escolas opõe Musk a concorrentes

  


Setor ficou confuso e desconfiado com passagem meteórica do bilionário pelo Brasil

Ainda vai demorar para assentar a poeira que o bilionário Elon Musk levantou em sua passagem meteórica pelo Brasil. Mas, essa turbulência, que mexeu com a concorrência, talvez seja algo com que o mercado tenha que se acostumar. O grupo criado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para tratar do projeto de conectividade das escolas constatou que das 137.133 unidades públicas estaduais e municipais ativas no país, 14.894 não possuem internet. E é esse mercado que as operadoras de satélite Embratel, Hughes, Viasat e sua parceira Telebras tentam defender da entrante Starlink, de Musk.

O presidente Jair Bolsonaro disse, durante a visita do dono da Tesla e Space X ao Brasil, no dia 20 de maio, que estavam fazendo uma parceria para conectar 19 mil escolas públicas. Isso criou uma confusão pela aparente discrepância de números.    


Vicente Aquino, conselheiro da Anatel e coordenador do Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas (Gape), disse que os dados “nunca vão bater”, por usarem bases diferentes, mas que não destoam, se aproximam. Cerca de 101 mil escolas têm internet; em 15 mil unidades a conexão é em torno de 2 gigabytes e 10 GB; quase 14 mil estão conectadas pelo programa Wi-Fi Brasil - programa desenvolvido pelo Ministério das Comunicações em parceria com a Telebras. Assim, restam as quase 15 mil sem nenhum tipo de conexão. Segundo Aquino, hoje o mínimo necessário para baixar conteúdo pedagógico é 20 GB, conforme recomendação do Ministério da Educação. No passado, a tecnologia e exigência eram outras. Assim, muitas escolas têm conexão, mas com velocidade inadequada.  

Para Leandro Gaunszer, diretor-geral da Viasat no Brasil, falta consenso sobre um número preciso de escolas sem conexão. Além das unidades com internet de baixa qualidade, o executivo destaca outras sem energia elétrica (4.625, segundo o Gape), o que precisa ser providenciado primeiramente, para depois levar o acesso. “Então, levar a conexão não significa conectar de fato”, diz ele.  

Pelas contas do Ministério das Comunicações, há 14,5 mil escolas sem internet no país. Em abril, o governo federal anunciou que serão instalados 12 mil pontos pelo Wi-Fi Brasil até julho, destacou o ministério ao Valor. Desse modo, “apenas 2,5 mil escolas restarão para o segundo semestre”. “Atuaremos com muito critério para não haver sobreposição de recursos. Se houver sobra, vai para a segunda fase, para qualificar as conexões existentes”, diz Carlos Baigorri, presidente da Anatel. Nesse caso, a velocidade poderia avançar para 20 megabits por segundo ou até 50 Mbps, completa Aquino.  

A Telebras tem uma aliança com a Viasat para instalar e dar manutenção aos projetos de internet do governo pelo Wi-Fi Brasil e Gesac - governo eletrônico, serviço de atendimento ao cidadão -, com banda larga gratuita a comunidades, escolas, unidades de saúde, aldeias indígenas etc.   

Em 2022, o país deve chegar a 19.660 escolas conectadas, das atuais 10.960 unidades rurais e indígenas, segundo cálculos de Jarbas Valente, presidente da Telebras. O governo contratou essas 8,7 mil unidades, que estão em fase de instalação. Esses números fazem parte da meta total do Gape.  

“O mercado de conexão de escolas é um dos maiores aqui e fora do Brasil”, diz Rafael Guimarães, presidente da Hughes do Brasil, controlada pela americana EchoStar .  

O contrato em vigor, assinado entre o ministério e a Telebras para atendimento ao Gesac, contempla 15 mil escolas, por cerca de R$ 663 milhões. Esse valor atrai as rivais.  

O edital de 5G prevê um orçamento de R$ 3,1 bilhões para conexão de escolas - seriam R$ 3,5 bilhões, mas o valor diminuiu com a desistência da Neko. Os recursos serão arcados pelas operadoras que compraram a faixa de 26 megahertz para a nova geração de celular. O Gape, que faz a gestão desses projetos, criou um subgrupo de diagnóstico que vem lapidando os dados e o mapeamento das unidades sem conexão. O Gape constatou também que 1,8% de 41 mil escolas privadas não possui internet, o mesmo ocorrendo com 1,6% de 696 unidades federais. Mas esses casos estão fora do projeto do grupo.  

O conjunto de unidades desconectadas é um filão para as empresas que proveem conexão. Em abril, a Hughes Network Systems informou que a empresa de tecnologia SDT Ingenieria instalaria conexão à internet em 670 escolas da Colômbia utilizando a banda Ka do satélite Hughes Jupiter. De acordo com dados da operadora, cerca de 50 mil escolas em todo o mundo contam com seu sistema para conectividade de internet. Do total, 15 mil escolas são do México e 4 mil do Brasil.  

Para Guimarães, da Hughes, a indústria no Brasil ficou confusa com a declaração de parceria do governo com Musk. Todos esperavam por um processo competitivo para escolha da empresa que vai conectar as escolas.   

A “confusão” se formou porque não houve explicações sobre como seria essa parceria. A expectativa das empresas foi confrontada com a chegada repentina de um competidor com o qual ainda não mediam forças.  

A Starlink abriu empresa no Brasil em outubro do ano passado, obteve autorização da Anatel para operar em janeiro, mas ainda não possui estrutura nem operação local, conforme informou ao Valor uma pessoa da empresa. “Por enquanto, ainda não temos nenhuma evolução sobre as operações da Starlink no Brasil”, disse.  

Mesmo assim, a empresa de Musk ganhou a preferência do presidente Bolsonaro e do ministro das Comunicações, Fábio Faria.  

Procurado pelo Valor para esclarecer sobre a parceria, o Ministério das Comunicações destacou que a Starlink obteve autorização da Anatel para operar no Brasil e que o empresário “se comprometeu a colocar em campo cerca de 42 mil satélites de altíssima tecnologia e de baixa órbita, com enorme potencial de ampliação da preservação florestal”.  

“Aliado a isso”, continuou o ministério, “é possível dar acesso à conectividade nas escolas em áreas rurais da região, como em aldeias indígenas e em comunidades bem distantes.”  

Em relação às dúvidas das empresas se haveria concorrência, a equipe de Faria respondeu que o ministro apresentou a Musk novas possibilidades de investimento no setor, dentro da região Amazônica. “Todo o processo de parceria, caso seja firmada, será realizado de forma legal e transparente, conforme prevê a Lei 8.666” - que trata de licitações e contratações.  

O diretor-executivo da Embratel, Gustavo Silbert, disse ao Valor que a companhia já oferece conectividade na Amazônia por vias terrestres e satélites. “Nossa cobertura de conectividade na região é maior via satélite, por meio de nossa frota de cinco satélites geoestacionários Star One (Star One D1, D2, C2, C3 e C4) na banda C, banda Ku e, mais recentemente, na banda Ka”, informou o executivo. O D2, lançado há menos de um ano, já oferece mais de 7 gigabits por segundo na Amazônia, garante ele.   

Entre os diversos serviços que a Embratel oferece na região amazônica estão o acesso em banda larga via satélite para empresas e escolas rurais. Silbert destaca que a empresa, do grupo Claro, disponibiliza também seu backhaul (rede de transporte de dados) para a rede móvel, levando a cobertura celular de voz e banda larga ao interior.  

A Embratel não participa do projeto Amazônia Conectada, que deverá levar rede de dados de alta velocidade via cabos de fibra óptica nos leitos dos rios, para uso do Ministério da Defesa. Mas Silbert diz que a empresa tem tecnologia e infraestrutura para atender a novos projetos de conectividade na região. Guimarães, da Hughes, também enfatiza o interesse de sua empresa na Amazônia Conectada.  

“A história de Musk é legal porque dá visibilidade ao negócio. Tem um número razoável de pessoas sem conexão. Se tem um bilionário atrás disso, é porque está interessante”, diz Gaunszer, da Viasat Brasil. Mas, depois, completa: “Estamos no Brasil há anos, fomos surpreendidos com isso, sem nenhum processo por trás.”  

A Viasat é a aliada da Telebras para levar conexão de banda larga ao país pelo Gesac por dez anos, até 2028. Já são 16.603 pontos de conexão instalados, segundo a Telebras, citando dados do ministério. Aí estão as 10.960 escolas públicas rurais e indígenas, além dos outros pontos em instalação.  

A Viasat também provê serviços via satélite ao mercado residencial e empresas. A Telefônica e a Rural Web revendem o serviço da Viasat no atacado, enquanto a Sky vende e a Viasat instala. A conexão da parceira da Telebras está presente também em 30 aeronaves da Azul.  

“Musk tem uma frota gigante que pode oferecer mais megabits por segundo do que o nosso satélite, que tem 58 gigas”, diz Valente, da Telebras. O executivo lembra que a Viasat vai lançar um satélite com 1 terabyte de capacidade. Isso não vai tirar a Starlink da dianteira. Mas quando a Telebras lançar seu segundo satélite, em parceria com o Ministério da Defesa, aí sim se tornará um oponente à altura, segundo as esperanças do executivo. Os detalhes do projeto e investimento estão sendo discutidos com o Ministério das Comunicações. Os recursos, se forem liberados, serão dos ministérios.   

“Este ano vamos bater o recorde de 2019 em conexão de escolas e receitas”, afirma Valente. No fechamento de 2021, a receita operacional líquida da Telebras foi de R$ 285,65 milhões, com alta de 7% frente a 2020, e o prejuízo de R$ 106,22 milhões de 2020 foi aprofundado para R$ 126,81 milhões no ano passado.

Fonte:  Valor (01/06/2022)

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