quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Saúde do Idoso: SUS oferece tratamento para Retenção Urinária, que afeta mais de 350 mil brasileiros



Municípios têm políticas de acesso ao cateter hidrofílico, tecnologia utilizada para cateterismo intermitente limpo, que é considerado padrão-ouro de tratamento

A retenção urinária crônica é uma condição que acomete mais de 350 mil brasileiros1. Hoje, o principal tratamento é o cateterismo intermitente limpo – e o cateter hidrofílico é o método mais indicado para esvaziamento da bexiga. Isso porque, é a opção mais moderna, confortável e que oferece menos riscos para os pacientes2.

Em alguns municípios brasileiros, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece o dispositivo, o que possibilita melhoria na qualidade de vida dos usuários. Desde 2019, o Ministério da Saúde recomenda às pessoas com lesões medulares e bexiga neurogênica o uso do cateter hidrofílico, uma vez que essa tecnologia reduz os riscos de lesões uretrais e infecções urinárias. 

A presença do cateter no SUS se tornou um ganho para quem vive com retenção urinária. Enquanto Belém e Distrito Federal, por exemplo, são locais que têm um programa de dispensação estruturado e dispensa cateteres hidrofílicos – que promovem mais qualidade de vida para quem tem retenção urinária e precisa fazer cateterismo intermitente limpo3 –, ainda existem muitos municípios que dispensam cateteres convencionais e em pouca quantidade.  

Segundo o fisiatra Eduardo de Melo Carvalho Rocha, presidente da Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação, os cateteres convencionais precisam ser lubrificados e preparados antes do processo de esvaziamento da bexiga. Eles também são complexos de manusear, têm orifícios que não são polidos, que podem gerar atrito e machucar a uretra no momento da inserção e retirada, o que aumenta o risco de lesões uretrais e infecções urinárias.  

“Já o cateter hidrofílico, é pronto para uso, já vem lubrificado, é fácil de manusear, possui orifícios polidos e, assim, reduz os riscos de complicações”, afirma o especialista. 

A retenção urinária crônica 

A retenção urinária crônica é a dificuldade de esvaziar por completo a bexiga. No Brasil, a condição está associada principalmente à lesão medular, causada por traumas (como acidentes automobilísticos), mielomeningocele (ou espinha bífida) e esclerose múltipla.

Como é comum que a urina contenha bactérias, quando a bexiga é esvaziada regularmente, elas são eliminadas. Caso a urina fique retida, existe a chance das bactérias se proliferarem e provocarem infecções que, se não forem devidamente tratadas, podem resultar em complicações, como a insuficiência renal. 

De acordo com estudo desenvolvido pela Coloplast, empresa dinamarquesa que desenvolve produtos para pessoas com necessidades íntimas de saúde, 84% dos usuários que precisam fazer cateterismo intermitente limpo se preocupam em contrair uma infecção urinária e 50% se preocupam em machucar a uretra durante o procedimento.4 

Os principais motivos da recorrência de infecções urinárias são: falta de adesão ao tratamento, ou seja, realizar o cateterismo intermitente em quantidade menor do que a necessária diariamente.5 As diretrizes nacionais e internacionais recomendam que o cateterismo seja feito de quatro a seis vezes ao dia para pessoas que possuem retenção urinária. Além disso, 50% dos usuários que tem recomendação para realizar cateterismo intermitente limpo não aderem ao tratamento6; devido a barreiras físicas e mentais7.

“O uso do cateter convencional pode ser um desafio para pessoas aderirem, por serem mais difíceis de manusear, necessitar diversos materiais além do cateter e demorarem mais tempo para o procedimento”, explica o fisiatra Eduardo de Melo Carvalho Rocha, presidente da Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação. 

A infecção urinária é a complicação mais frequente da retenção urinária crônica, responsável pelo aumento de internação e repetição do consumo de antibióticos pelos pacientes8. “A cada infecção, as complicações aumentam e podem também acometer os rins e causar insuficiência renal. A retenção urinária crônica também amplia a presença de pedra nos rins e na bexiga, o que pode causar dor”, complementa Rocha.

Padrão-ouro no tratamento

O cateterismo intermitente limpo é o principal tratamento para a retenção urinária crônica.9 Por meio da introdução de um cateter no canal da uretra, a urina é drenada para o vaso sanitário ou para um recipiente externo e posteriormente deve ser descartada. 

“O cateterismo intermitente limpo é a melhor forma de realizar o esvaziamento da bexiga, pois ela permite a pessoa esvaziar a bexiga na mesma quantidade de vezes que pessoas que não possuem bexiga neurogênica. Realizar o procedimento de quatro a seis vezes ao dia reduzirá o risco das bactérias se multiplicarem na bexiga, reduzindo o risco de infecções urinárias”, detalha Rocha. Para a realização desse método, existem dois tipos de cateter disponíveis: o convencional e o hidrofílico. 

O cateter convencional é feito de PVC e, por isso, tem a necessidade de uma lubrificação prévia com gel antes da introdução na uretra. Já o hidrofílico é de poliuretano, tem um revestimento em toda a extensão do cateter e dispensa o uso de lubrificantes. Por essas características, esse último pode reduzir na metade a ocorrência de infecção do trato urinário e de trauma na uretra.10

“Muitos pacientes utilizam fralda ou têm receio de usar o banheiro por conta da retenção urinária crônica. Dessa forma, se sentem mais restritos e reduzem as saídas de casa. Isso não só os limita no cotidiano, como também compromete a saúde mental, com aumento de ansiedade e depressão nesses pacientes”, aponta o fisiatra.

Por isso, seria necessário também ampliar a informação sobre a retenção urinária crônica e seus atuais desafios. “Existem muitos mitos sobre ficar dependente quando se tem retenção urinária crônica. Mas o cateterismo não dói, é simples, é treinável”, comenta Rocha, da Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação.

Independência e autonomia no cotidiano  

O paulistano Lucas Junqueira, 36 anos, atleta da seleção brasileira de rúgbi em cadeira de rodas, desenvolveu retenção urinária crônica como consequência de um acidente na praia de Ponta Negra, no Rio Grande do Norte, em 2009.

“Na época, aos 21 anos, eu entrei na água e, quando mergulhei, bati em um banco de areia. Quebrei a quinta vértebra da cervical e tive uma lesão medular”, relembra Junqueira.

“Com a lesão medular, além de perder os movimentos dos braços e pernas, também perdi os movimentos dos esfíncteres, e isso impossibilita que eu consiga urinar de maneira espontânea. Já quando fui para o quarto, uma enfermeira me explicou sobre o cateterismo intermitente limpo. Tive uma certa resistência em usar o método, por preocupação com algum tipo de dor”, acrescenta. 

No início, Junqueira contava com o auxílio dos pais para a realização do cateterismo, mas a falta de autonomia para o procedimento o incomodava. “Precisei entender como faria sem conseguir mexer os dedos, porque tinha que manusear não só o cateter, como também o gel lubrificante, saco coletor e gaze. Era mais complicado, demorava bastante. Mas isso me deu muita independência, foi uma das primeiras etapas para o que tenho hoje”.

Nesse momento, Junqueira começou a fazer reabilitação em um centro que oferecia atividades físicas. Ao conhecer o rúgbi em cadeira de rodas, se apaixonou pelo esporte e iniciou sua jornada como atleta – e conciliava a rotina de treinos com a graduação em psicologia. Em meio a essa rotina, ao longo de três anos, utilizou o cateter convencional para tratar a retenção urinária crônica. 

“Eu tinha cerca de cinco infecções urinárias por ano, sendo que várias vezes fiquei internado por conta delas. Isso era muito ruim, toda a minha rotina de treinos precisava parar, a performance em quadra e o desempenho mudavam. Também perdi muitas aulas e provas da faculdade. Tinha muito medo de ter uma infecção generalizada por conta disso”, comenta.

Em 2013, mudou para o cateter hidrofílico – na época, ainda indisponível no SUS. “Com o cateter convencional, tinha que fazer toda uma assepsia e eu precisava encostar em toda a sonda para introduzir na uretra. Com o hidrofílico, não tenho contato nenhum. É muito mais higiênico, diminui as infecções e eu tenho mais qualidade de vida nas tarefas do dia a dia, principalmente nos treinos”, diz o atleta.

“Hoje, eu me sinto mais seguro para fazer o cateterismo e consigo dar atenção à minha vida e não à minha deficiência. Esses fatores são importantes para que eu possa viver uma vida como qualquer pessoa, e esvaziar a bexiga seja algo tranquilo”, completa ele, que recebe os dispositivos na rede pública. 

Acesso ao cateter hidrofílico

Por meio da Portaria 37/ 2019, a Comissão Nacional de Incorporações de Tecnologias em Saúde (Conitec), que assessora o Ministério da Saúde, recomendou a incorporação do cateter hidrofílico para o cateterismo vesical intermitente para pacientes com lesão medular e bexiga neurogênica no SUS. Em seguida, o Ministério aceitou a incorporação. 

“Esse cateter mais moderno tem um custo mais alto em relação ao convencional, porém o próprio SUS incluiu porque diminui infecções, ganha tempo e é custo-efetivo’’, diz o fisiatra da Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação. 

O cateter hidrofílico está previsto nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) da lesão medular e bexiga neurogênica, a serem seguidos pelos gestores do SUS. Por enquanto, ainda não há regulamentação do tipo e da quantidade mínima de cateteres dispensados aos usuários do SUS de maneira ampla. Então cada município ou estado cria os próprios protocolos ou notas técnicas para fornecer a assistência ao paciente.

“Após a confirmação de lesão medular pós-traumática sofrida, essas pessoas saem dos hospitais onde deram entrada e são referenciadas para um Centro Especializado de Reabilitação Física e Motora. Esse processo inclui também a reabilitação do assoalho pélvico para o esvaziamento da bexiga com a técnica de cateterismo intermitente limpo”, explica Gilberto Julho Koehler, gerente de Relações Institucionais, Governamentais e Grupos de Defesa de pacientes da Coloplast Brasil.  

Depois, o paciente é direcionado para um local de dispensação. “Em Belém, por exemplo, fica no Centro Especializado em Saúde Demétrio Medrado. Já no Distrito Federal, está distribuído entre as UBS. Geralmente, as pessoas recebem o quantitativo mensal de cateteres sendo acompanhado pelo profissional da sua respectiva unidade de saúde”, complementa. 

Com uma padronização nacional, poderia ser estabelecida a quantidade mínima mensal de cateteres hidrofílicos para os usuários com bexiga neurogênica. Segundo as indicações de cada caso, os pacientes têm de usar de quatro a seis cateteres por dia. Os municípios em que o acesso vem sendo eficiente poderiam servir de modelo para isso. 

Aprimorar o acesso é importante na medida em que a indisponibilidade dos dispositivos expõe os pacientes a mais chances de infecção urinária e, se agravadas, a internações. Como consequência, aumentam os gastos do SUS para remediar as complicações. 

“Uma internação hospitalar com uso de um antibiótico para uma bactéria multirresistente – pois as pessoas com bexiga neurogênica fazem uso de antibióticos de forma profilática –, ultrapassa o valor mensal para fazer o cateterismo diário, por exemplo”, avalia Koehler, da Coloplast. 

1 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular. 1. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2015. Disponível em: https://saude.gov.br. Acesso em: 29 jul. 2024.

FURLAN, J. M. Lesão medular: conceitos básicos. Jornal Brasileiro de Neurocirurgia, v. 12, n. 2, p. 97-100, 2001.

Estudo epidemiológico de nascidos vivos com Espinha Bífida no Brasil. Brazilian Journal of Health Review. Disponível em: https://brazilianjournals.com.br. Acesso em: 29 jul. 2024.

Doença atinge 35 mil brasileiros, principalmente mulheres. Diário da Manhã. Disponível em: https://dm.com.br. Acesso em: 29 jul. 2024.

Prevalence of comorbidities in multiple sclerosis patients with neurogenic bladder. ScienceDirect. Disponível em: https://sciencedirect.com. Acesso em: 29 jul. 2024.

2 PANNEK, J. et al. EAU Guidelines on neurogenic lower urinary tract dysfunction. European Association of Urology, 2013.

3 COLOPLAST. IC User Survey. 2016.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular. 1. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2015. Disponível em: https://saude.gov.br. Acesso em: 29 jul. 2024.

4 COLOPLAST. IC User Survey. 2016.

5 LAPIDES, J. et al. Clean, intermittent self-catheterization in the treatment of urinary tract disease. Journal of Urology, v. 107, p. 458-461, 1972.

6 COLOPLAST. IC User Survey. 2016.

7 COLOPLAST. IC User Survey. 2016.

8 CAMERON, A. P. et al. Bladder management after spinal cord injury in the United States 1972 to 2005. Journal of Urology, v. 184, n. 1, p. 213-217, 2010.

KENNELLY, M. et al. Adult Neurogenic Lower Urinary Tract Dysfunction and Intermittent Catheterization in a Community Setting:

Risk Factors Model for Urinary Tract Infections. Advances in Urology, v. 2019, Article ID 2757862, Apr. 2019. https://doi.org/10.1155/2019/2757862.

9 PANNEK, J. et al. EAU Guidelines on neurogenic lower urinary tract dysfunction. European Association of Urology, 2013.

10 LAPIDES, J. et al. Clean, intermittent self-catheterization in the treatment of urinary tract disease. Journal of Urology, v. 107, p. 458-461, 1972.

Fonte: Jota (01/08/2024)

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