terça-feira, 10 de setembro de 2024

Fundos de pensão de estatais ainda têm déficit de R$ 34,8 bi e acendem alerta sobre ingerência política

 


Em 2016, com recessão e Lava-Jato, rombo chegou a R$ 155,9 bilhões. Pressão política para investir em infraestrutura preocupa analistas, que defendem regras de gestão mais rígidas.

As discussões do governo sobre medidas para atrair os grandes fundos de pensão das estatais para projetos de infraestrutura reacenderam o alerta sobre investimentos ruins do passado. Com a economia em recessão e a Operação Lava Jato a pleno vapor, o rombo desses fundos chegou a R$ 155,9 bilhões em fevereiro de 2016, enquanto as fundações do setor privado seguiam no azul, segundo dados compilados pela consultoria Inside Pensions.

Atualizado pelo IPCA, índice oficial de inflação ao consumidor, o rombo equivaleria a R$ 238,73 bilhões de hoje. No primeiro trimestre deste ano, os fundos do setor privado fecharam com superávit de R$ 6,9 bilhões, enquanto os do setor público tiveram déficit de R$ 34,8 bilhões.

A discrepância é um sinal indireto da má gestão das fundações do setor público, que, em mais de uma ocasião, fizeram investimentos de qualidade duvidosa após sofrerem pressão política para investir em projetos de interesse dos governos da vez, explica Sérgio Brinckmann, sócio da Inside Pensions:


— Houve vários investimentos malfeitos, mal vendidos e que acabaram levando a prejuízos.

O governo exerce influência como controlador dos empregadores estatais, mas especialistas lembram que mesmo fundações previdenciárias do setor público são investidores institucionais privados, já que os recursos pertencem aos trabalhadores das empresas.

— O fundo de pensão tem que pagar os benefícios para os seus aposentados. É um investidor paciente? Sim, porque é um investidor de longo prazo, mas os investimentos são a forma de ele rentabilizar para pagar as pensões — diz Eliane Lustosa, membro do Conselho de Administração de algumas companhias abertas.

De 1999 ao fim de 2002, a executiva foi diretora da Petros, fundação previdenciária dos funcionários da Petrobras. Segundo a executiva, a ingerência política é histórica. Na primeira metade dos anos 1990, as entidades foram pressionadas a investir no programa de privatizações.

A partir dos governos do PT, líderes sindicais ganharam espaço no alto comando das fundações, que passaram a investir mais em concessões de infraestrutura e na indústria petrolífera. Assim, viram seus negócios serem atingidos pelos casos de corrupção revelados pela Lava-Jato. A Invepar, operadora de concessões controlada por Previ (dos funcionários do Banco do Brasil), Petros e Funcef (da Caixa), sofreu com os problemas da outra sócia da companhia, a construtora OAS.

Sete Brasil deu errado

Outro caso exemplar é o da Sete Brasil, empresa criada pela Petrobras para construir e operar plataformas de petróleo e gás. Envolvida no esquema de propinas, a empresa — que tinha como sócios a Previ, a Petros, a Funcef, a Valia (fundação da mineradora Vale) e os bancos BTG Pactual, Bradesco e Santander —terminou em recuperação judicial.

Com as investigações e os problemas financeiros da Petrobras, o negócio desandou. A petroleira estatal reduziu o número de plataformas encomendadas à Sete Brasil, que ainda ficou sem condições de tomar financiamentos para fazer seus investimentos.


Em 2016, a Operação Greenfield, da Polícia Federal (PF), apontou perdas de ao menos R$ 8 bilhões com supostas irregularidades em fundos de pensão, e comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) também se debruçaram sobre casos de má gestão.

A Greenfield foi encerrada em 2020 sem conclusão, após denúncias de abuso de autoridade, mas gerou 180 ações atualmente em curso na Justiça Federal de Brasília.

Os rombos levaram mais de um fundo de pensão a fazer planos de “equacionamento” — quando o déficit passa de determinados limites, é preciso ajustar; geralmente, isso inclui aportes extra por parte tanto do empregador e quanto dos beneficiários.

Um dos casos mais recentes é o da Postalis, fundação dos funcionários dos Correios. O plano de equacionamento de um rombo de R$ 15 bilhões foi firmado na virada do ano passado para este. A estatal vai desembolsar R$ 7,6 bilhões, parcelados em 30 anos, e quantia semelhante será arcada pelos participantes do fundo.

Aperto da governança

Depois dessa última leva de problemas, as fundações apertaram suas regras de governança, um filme já visto por Eliane Lustosa. A executiva conta que, na Petros, trabalhou na melhoria das regras de governança, mas a experiência dos anos seguintes mostrou que isso foi insuficiente.

Para a executiva, as regras são importantes, mas, sozinhas, não bastam. É preciso haver vigilância permanente sobre seu cumprimento — no caso dos fundos de pensão, especialmente, por parte dos trabalhadores participantes.

Outros executivos do setor ouvidos pelo GLOBO avaliam que o aperto nas regras pode evitar novos problemas. Um profissional com passagem pela Previ avalia que a fundação saiu ilesa porque sempre teve as melhores regras de governança.

Para Jarbas Biagi, presidente da Abrapp, que representa as fundações de Previdência complementar, a evolução da governança evitará a repetição dos problemas. O dirigente destaca avanços nos “processos” para colocar em prática regras que já existiam, na formação dos técnicos do setor e na autorregulação.

Mau humor do mercado turbina rombos

Os dados da Inside Pensions mostram o resultado do “equilíbrio técnico”, que leva em conta estimativas de gastos futuros com as aposentadorias e é afetado pelos vaivéns das cotações da Bolsa. Em momentos de crise e mau humor dos investidores, os rombos aumentam. Os déficits são afetados também pelo envelhecimento dos beneficiários, que implica mais gastos no futuro.

Mesmo assim, o rombo na virada de 2015 para 2016 foi superior ao registrado na crise causada pela pandemia de Covid-19, que também fez tombar as cotações na Bolsa em 2020, ressalta Brinckmann.

Também refletidas na Bolsa, as condições financeiras da economia são outro elemento importante nas decisões de investimento das fundações de Previdência complementar.

Os quase R$ 1,3 trilhão nas mãos delas poderiam financiar os investimentos em infraestrutura, como em outros países, mas o nível atual dos juros é um desincentivo para que os fundos de pensão embarquem em investimentos duvidosos, ressaltaram executivos e especialistas ouvidos pelo GLOBO.

Com a taxa básica de juros (Selic) em 10,5% ao ano e títulos pré-fixados do Tesouro pagando em torno de 6% ao ano acima da inflação fica difícil para os gestores das fundações justificarem investimentos alternativos.

Os títulos públicos são sempre considerados os investimentos de menor risco da economia, que servem de referência mínima para a rentabilidade de todos os outros.

— Vamos pensar em risco-retorno. (Nos títulos públicos) Temos liquidez, solvência, segurança e a rentabilidade. Se isso aqui está dentro da minha projeção (de retorno futuro), por que eu vou entrar num outro investimento? — questiona Biagi, da Abrapp.

Fonte: O Globo (09/09/2024)

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