segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Fundos de Pensão: Volta a berlinda a discussão sobre a taxa de juros na previdência fechada e suas consequências



Ministério da Fazenda vem discutindo utilização de metodologia distinta para determinar taxa de juros utilizada por EFPCs como referência para cálculo do passivo

Em um plano de previdência complementar, o cálculo do passivo corresponde à estimativa do dinheiro necessário para fazer frente aos benefícios futuros dos participantes. A partir da comparação destas obrigações com o patrimônio do plano, verifica-se a necessidade das empresas e dos participantes realizarem contribuições adicionais para seu equilíbrio.

Esse cálculo, fundamental para a sustentabilidade dos planos, envolve uma série de hipóteses para sua projeção, sendo a taxa de juros a mais relevante.

A legislação aplicável às Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPCs) prevê que essa taxa deve ser determinada com base no retorno esperado do patrimônio no longo prazo, a chamada “meta atuarial” ou “taxa de juros atuarial” - metodologia similar é adotada em diversos países como Austrália, Áustria, Bélgica, Irlanda, Suíça e Canadá.

Desde 2023, o Ministério da Fazenda vem discutindo a utilização de outra metodologia para determinar a taxa de juros, por uma de “taxa de mercado” ou “taxa de livre risco”, com baixo risco de crédito e mercado. Para sustentar a recomendação, o ministério faz referência às metodologias utilizadas nos EUA, onde papéis corporativos de alta qualidade são usados nos planos privados, e pelas normas para contabilização dos benefícios a empregados (CPC 33, IAS 19 e ASC 715), que também se baseiam em títulos corporativos de alta qualidade ou, na ausência destes, os títulos do Tesouro Nacional (no Brasil, as NTN-Bs são adotadas como referência).

Entretanto, a aplicação desses critérios pode resultar em enorme volatilidade do passivo no Brasil, além de, eventualmente, comprometer a solvência dos planos. Vejamos os motivos a partir da análise de alguns dos argumentos do ministério:

  • “Descontar o passivo pela taxa de retorno dos ativos subestima seu valor e incentiva a tomada de riscos excessiva.”

Diferentemente dos EUA, onde a taxa de livre risco é menor e mais estável, no Brasil, devido à volatilidade econômica e ao risco inerente do nosso país, a taxa livre de risco (NTN-Bs) é muito mais alta e instável, sofrendo oscilação nos últimos dez anos em torno de 3% a 7% ao ano acima da inflação.

Quando os juros estão altos, nas projeções adotadas pelas EFPCs para determinar a meta atuarial, muitas vezes é assumida a premissa de que estes cairão, com base nas expectativas de longo prazo. Dessa forma, a “taxa livre de risco” brasileira muitas vezes acaba sendo maior que as metas atuariais das EFPCs.

O momento atual pode ser tomado como referência: se utilizássemos as NTN-Bs para cálculo do passivo (taxa real em torno de 6% ao ano), o valor deste poderia cair de 9% a 15%. Portanto, a regra atual não subestimaria o passivo.

Outro aspecto é que a adoção da taxa livre de risco incentivaria a EFPC a concentrar todo o seu patrimônio em somente um papel, a NTN-B, para um melhor casamento entre passivo e ativo, indo contra outra medida que busca a mitigação de risco: a diversificação dos ativos.

  • “Taxa de desconto não deve estar exposta aos demais riscos do mercado.”

Esse conceito se aplica às normas contábeis (CPC 33, IAS 19 e ASC 715) cujo objetivo é mensurar as provisões das empresas no mundo todo utilizando uma mesma “régua”, inclusive para benefícios que sequer são lastreados por patrimônio. Entretanto, no Brasil, a adoção dessa metodologia para determinação das contribuições geraria imprevisibilidade para patrocinadoras e participantes.

Além disso, o patrimônio de um plano pode estar alocado em diversos ativos (debêntures, ações etc.), que terão retornos distintos, e esse descasamento entre os juros do ativo e passivo também resultaria em volatilidade.

  • “Um fundo de pensão não pode alterar o passivo por meio de decisão estratégica de alocação.”

Se através de um trabalho profissional ficar evidenciada a obtenção de retornos superiores pelas EFPCs, nada mais justo refletir no cálculo do passivo essa expectativa.

  • “Regra (atual) carrega excessiva discricionariedade no seu processo de formação.”

Neste aspecto, há oportunidades de melhoria. A legislação poderia prever critérios mais equânimes para as EFPCs projetarem as suas rentabilidades, como, por exemplo, o comportamento histórico de determinado ativo, e permitir projeções diferentes, desde que haja justificativa técnica mediante autorização à Previc.

Em resumo, embora a discussão sobre “taxa de mercado” seja relevante, é essencial que as metodologias considerem as particularidades do Brasil e promovam equilíbrio e estabilidade. Ajustes pontuais na legislação e maior padronização das projeções de retorno podem contribuir para reduzir a discricionariedade e assegurar que as decisões reflitam de forma justa e precisa a realidade econômica.

Fonte: Valor (20/09/2024)


Nenhum comentário:

Postar um comentário

"Este blog não se responsabiliza pelos comentários emitidos pelos leitores, mesmo anônimos, e DESTACAMOS que os IPs de origem dos possíveis comentários OFENSIVOS ficam disponíveis nos servidores do Google/ Blogger para eventuais demandas judiciais ou policiais".