Ministério da Fazenda vem discutindo utilização de metodologia distinta para determinar taxa de juros utilizada por EFPCs como referência para cálculo do passivo
Em um plano de previdência complementar, o cálculo do passivo corresponde à estimativa do dinheiro necessário para fazer frente aos benefícios futuros dos participantes. A partir da comparação destas obrigações com o patrimônio do plano, verifica-se a necessidade das empresas e dos participantes realizarem contribuições adicionais para seu equilíbrio.
Esse cálculo, fundamental para a sustentabilidade dos planos, envolve uma série de hipóteses para sua projeção, sendo a taxa de juros a mais relevante.
A legislação aplicável às Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPCs) prevê que essa taxa deve ser determinada com base no retorno esperado do patrimônio no longo prazo, a chamada “meta atuarial” ou “taxa de juros atuarial” - metodologia similar é adotada em diversos países como Austrália, Áustria, Bélgica, Irlanda, Suíça e Canadá.
Desde 2023, o Ministério da Fazenda vem discutindo a utilização de outra metodologia para determinar a taxa de juros, por uma de “taxa de mercado” ou “taxa de livre risco”, com baixo risco de crédito e mercado. Para sustentar a recomendação, o ministério faz referência às metodologias utilizadas nos EUA, onde papéis corporativos de alta qualidade são usados nos planos privados, e pelas normas para contabilização dos benefícios a empregados (CPC 33, IAS 19 e ASC 715), que também se baseiam em títulos corporativos de alta qualidade ou, na ausência destes, os títulos do Tesouro Nacional (no Brasil, as NTN-Bs são adotadas como referência).
Entretanto, a aplicação desses critérios pode resultar em enorme volatilidade do passivo no Brasil, além de, eventualmente, comprometer a solvência dos planos. Vejamos os motivos a partir da análise de alguns dos argumentos do ministério:
- “Descontar o passivo pela taxa de retorno dos ativos subestima seu valor e incentiva a tomada de riscos excessiva.”
Diferentemente dos EUA, onde a taxa de livre risco é menor e mais estável, no Brasil, devido à volatilidade econômica e ao risco inerente do nosso país, a taxa livre de risco (NTN-Bs) é muito mais alta e instável, sofrendo oscilação nos últimos dez anos em torno de 3% a 7% ao ano acima da inflação.
Quando os juros estão altos, nas projeções adotadas pelas EFPCs para determinar a meta atuarial, muitas vezes é assumida a premissa de que estes cairão, com base nas expectativas de longo prazo. Dessa forma, a “taxa livre de risco” brasileira muitas vezes acaba sendo maior que as metas atuariais das EFPCs.
O momento atual pode ser tomado como referência: se utilizássemos as NTN-Bs para cálculo do passivo (taxa real em torno de 6% ao ano), o valor deste poderia cair de 9% a 15%. Portanto, a regra atual não subestimaria o passivo.
Outro aspecto é que a adoção da taxa livre de risco incentivaria a EFPC a concentrar todo o seu patrimônio em somente um papel, a NTN-B, para um melhor casamento entre passivo e ativo, indo contra outra medida que busca a mitigação de risco: a diversificação dos ativos.
- “Taxa de desconto não deve estar exposta aos demais riscos do mercado.”
Esse conceito se aplica às normas contábeis (CPC 33, IAS 19 e ASC 715) cujo objetivo é mensurar as provisões das empresas no mundo todo utilizando uma mesma “régua”, inclusive para benefícios que sequer são lastreados por patrimônio. Entretanto, no Brasil, a adoção dessa metodologia para determinação das contribuições geraria imprevisibilidade para patrocinadoras e participantes.
Além disso, o patrimônio de um plano pode estar alocado em diversos ativos (debêntures, ações etc.), que terão retornos distintos, e esse descasamento entre os juros do ativo e passivo também resultaria em volatilidade.
- “Um fundo de pensão não pode alterar o passivo por meio de decisão estratégica de alocação.”
Se através de um trabalho profissional ficar evidenciada a obtenção de retornos superiores pelas EFPCs, nada mais justo refletir no cálculo do passivo essa expectativa.
- “Regra (atual) carrega excessiva discricionariedade no seu processo de formação.”
Neste aspecto, há oportunidades de melhoria. A legislação poderia prever critérios mais equânimes para as EFPCs projetarem as suas rentabilidades, como, por exemplo, o comportamento histórico de determinado ativo, e permitir projeções diferentes, desde que haja justificativa técnica mediante autorização à Previc.
Em resumo, embora a discussão sobre “taxa de mercado” seja relevante, é essencial que as metodologias considerem as particularidades do Brasil e promovam equilíbrio e estabilidade. Ajustes pontuais na legislação e maior padronização das projeções de retorno podem contribuir para reduzir a discricionariedade e assegurar que as decisões reflitam de forma justa e precisa a realidade econômica.
Fonte: Valor (20/09/2024)
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