quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Revisão da Vida Toda: O impacto social da Revisão da Vida Toda

 


Reviravolta no STF é lembrete sombrio de que direitos conquistados podem ser rapidamente revertidos

A reviravolta na tese da Revisão da Vida Toda (Tema 1.102/STF) – em trâmite sob a sistemática da Repercussão Geral – provocada em controle concentrado (ADIs 2.110 e 2.111) é, de forma singela, um episódio que marca um significativo retrocesso nos direitos sociais do Brasil.

Assevera-se, por oportuno, que menosprezar ou subestimar direitos sociais abre precedentes corrosivos inimagináveis, com o condão de macular toda a estrutura jurídica do país.

Em breve síntese, a Suprema Corte, através das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 2.110 e 2.111, (re)julgou novamente o mérito do Tema 1.102. Traduzindo em miúdos: aquilo que antes era uma vitória importante para os aposentados se esvaiu em um estalar de dedos, retirando-lhes a possibilidade de recalcular os seus benefícios com base em todas as contribuições feitas ao longo da vida laboral.

O Tema 1.102, amparado até pelo Tema 334 da própria Corte, havia sido uma conquista histórica para os aposentados, porquanto lhes permitiam a utilização das contribuições anteriores a julho de 1994 no cálculo de seus benefícios apenas se o resultado fosse mais vantajoso do que a aplicação da regra definitiva, afinal, a finalidade das regras de transição é amenizar o impacto de uma nova regra – ou seja, não se admite prejudicar integralmente os segurados, tal como ocorreu com uma pequena parcela.

A tese admitiria um pequeno reparo pela incongruência estatal, possibilitando pequena majoração em seus benefícios.

Portanto, há um conjunto impressionante de razões jurídicas consistentes que sustentam a constitucionalidade das regras discutidas e, não à toa, em plenário virtual já se formou maioria pela constitucionalidade de tais regras, sem qualquer exceção. Estamos tratando aqui de uma regra permanente e uma regra de transição em que votos divergentes pretendem, em hermenêutica inédita, revogar os efeitos dessas regras.

A heterodoxia praticada pelo Supremo causa espanto na comunidade jurídica, porquanto sempre houve um vício, por parte dos tribunais (em especial, STJ e STF), em defender os direitos sociais e as classes mais vulneráveis. Incontáveis julgados poderiam ser citados apenas para reforçarmos a ideia de que o direito ao melhor benefício é um corolário do direito adquirido.

Ao tornar obrigatória a aplicação de uma regra de transição menos vantajosa a uma pequena parcela de segurados, estaria a mais elevada Corte, em controle concentrado, violando os seus inúmeros precedentes consolidados durante décadas, configurando verdadeiro retrocesso social que vai de encontro ao que define a própria Constituição Federal.

Em suma, seria uma chancela estatal de que o segurado vai contribuir e não vai receber o que lhe é justo ao final da vida e, inclusive, esta é uma questão intrigante: por qual razão o plenário faria isso com os aposentados? Por que ir contra seus próprios precedentes, contra a segurança jurídica e contra a dignidade da pessoa humana ? Qual o sentido de atentar contra um direito conferido pelo Legislativo, assegurado pelo próprio STJ (Tema 999) e pelo próprio STF no Tema 1.102 ?

É inquestionável que se trata de um direito legítimo e tal prática lançou uma sombra sobre a segurança jurídica no país. Cerca de 102 mil aposentados aguardavam o desfecho do processo e, agora, aguardam uma decisão da Corte para que os seus direitos pleiteados antes de 21/3/2024 (data de julgamento das ADIs) sejam assegurados em respeito ao princípio da colegialidade e segurança jurídica.

Os idosos que estão amparados pelo manto das tutelas antecipadas (seja em cognição sumária ou cognição exauriente) ou pela coisa julgada se encontram agora em gravíssima situação de incerteza, porquanto tal questão sequer foi definida pela Corte, pairando o receio sobre eventual devolução de valores com condenação em verba sucumbencial.

A reversão da decisão vai além das consequências econômicas e sociais. Estamos tratando de idosos – grupo hipossuficiente e vulnerável – que foram lesados pela conduta da autarquia que suprimiu um direito legítimo e que, diariamente, rezam pela sobrevivência do próximo mês, agravando os resultados da manobra realizada e ameaçando a dignidade e o bem-estar de diversos lares.

Decerto, uma pequena minoria daqueles 102 mil processos fariam, de fato, jus ao direito, pois a maioria já se prejudicou em virtude da decadência e, a propósito, muitos já faleceram.

Impende ressaltar, ainda, que a maioria dos processos em trâmite possuem como objeto uma aposentadoria no valor de um salário mínimo e o aumento oriundo da tese apenas majora o referido benefício em R$ 100 mensais. Não se trata de pouco, para estes aposentados significa mais algumas sacolas de supermercados, um pouco mais pesadas, ou, talvez, mais alguns medicamentos em determinados tratamentos.

Como se vê, a Revisão da Vida Toda significa uma vida mais digna para 102 mil brasileiros.

Indo além, retirar a chance de melhorar a vida destes aposentados certamente enfraqueceria ainda mais a confiabilidade no Poder Judiciário e no Estado de Direito. Quando direitos conquistados são abruptamente retirados, sem uma justificativa coerente e desconsiderando o impacto social, a percepção de justiça é maculada.

O mérito já estava definido na Revisão da Vida Toda, formado pela maioria e com outros ministros compondo o colegiado, o que se pede é que não permitam a violação desta forma. O controle concentrado não é segunda via processual para reformar mérito de outro Tema e proteger aqueles que ajuizaram suas ações antes da prolação do acórdão nas ADIs (21/3/2024), além de razoável, é o que se espera.

Decerto, a medida adotada nas ADIs 2.110 e 2.111 também levantam questionamentos sobre possível pressão econômica enfrentada pelo governo. As estimativas iniciais do impacto financeiro da Revisão da Vida Toda variavam desgovernadamente, com o governo apontando para um potencial custo de meio trilhão de reais, enquanto especialistas indicavam que o impacto seria significativamente menor.

Nos autos processuais, foi juntado parecer econômico, elaborado por renomados economistas e professores universitários, apontando que o custo da ação para os cofres públicos seria de R$ 3,1 bilhões em 10 anos. Tal estudo se baseou em dados públicos: o custo de cada ação trazida pelo próprio INSS, multiplicado pelo número total de 102.791 processos, números oficiais extraídos do sítio eletrônico do CNJ à época do acórdão prolatado nas ADIs (21/3/2024).

Independentemente da real magnitude do impacto financeiro, o fato é que a retirada do direito dos aposentados cria uma mancha negativa na história dos Direitos Sociais do Brasil. A decisão sugere que, em momentos de crise econômica, os direitos dos mais vulneráveis são os primeiros na fila do sacrifício.

A reversão da Revisão da Vida Toda pelo STF representa uma derrota para os aposentados brasileiros e para a Justiça Social, deixando claro que a luta pelos direitos dos segurados não pode ser considerada ganha, mesmo após uma vitória no Judiciário. É um lembrete sombrio de que, em um contexto de incertezas econômicas e políticas, os direitos conquistados podem ser rapidamente revertidos, trazendo mais instabilidade e insegurança para aqueles que mais precisam.

Fonte: Jota (10/09/2024)

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