sexta-feira, 27 de setembro de 2024

INSS: Novo apelo para outra reforma da Previdência baseada no aumento previsto de superidosos (>90) beneficiários do INSS



‘Superidosos’ lideram avanço de beneficiários da Previdência Social

O número de aposentados e pensionistas com mais de 90 anos no país está crescendo numa velocidade quase duas vezes maior do que o total de beneficiários da Previdência. Enquanto o grupo de pessoas com idade acima dos 90 anos teve um aumento médio de 6,3% ao ano durante o período de 2013 e 2023, o total apurou alta de 2,2%. A situação também chama atenção quando se trata de beneficiários com mais de 80 anos, cuja expansão média foi de 3,9% ao ano.

Os dados constam de levantamento feito pelo pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Rogério Nagamine com base nos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) Anual. O diagnóstico considera os beneficiários do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que agrega principalmente os trabalhadores da iniciativa privada, e dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), que abrange servidores públicos dos governos federal, estaduais e municipais.

Em 2013, o país contabilizava 23,4 milhões beneficiários de aposentadoria e pensão por morte. Segundo estimativas de Nagamine, o número saltou para 29 milhões em 2023, uma alta de 23,7% no período ou uma média anual de 2,2%. Os grupos que mais cresceram foram justamente os que englobam beneficiários a partir de 80 anos.


Os aposentados e pensionistas de 80 anos ou mais passaram de 2,9 milhões, em 2013, para 4,3 milhões, em 2023, conforme estimativa amostral, o que dá uma variação média de 3,9% ao ano. Com isso, a participação do grupo do total saiu de 12,6% para 14,9% no período. Já no contingente com 90 ou mais foi constatado uma elevação de 416 mil para 769 mil, o que corresponde um acréscimo médio ao ano de 6,3%.

A baiana Maria José dos Santos de Araújo faz parte do grupo dos 90 mais. Com 95 anos, a dona de casa nunca contribuiu para a Previdência Social e, portanto, vive de pensão desde a morte do marido, Valdino Pinto de Araújo, há 12 anos. Seu Dudu, como era mais conhecido, começou a trabalhar cedo como mestre de obras para sustentar os 12 filhos. Ele se aposentou aos 55 anos recebeu até os 83 anos, quando faleceu.

Bem-humorada, a pensionista defende um aumento do seu benefício pois quer ter condições de vida melhor. “Com o salário mínimo está difícil viver pois gasto quase tudo com remédios. Seria bom que aumentasse porque quero viver muitos anos mais”, brincou dona Maria, moradora de Lauro de Freitas, município localizado na região metropolitana de Salvador.

O levantamento aponta que o rápido envelhecimento da população vai demandar nova reforma das regras de aposentadoria no curto ou médio prazo. Isso porque a contribuição de beneficiários, como a de seu Dudu, não são suficientes para bancar um período tão longo de aposentadoria e, posteriormente, de pensão por morte.

Para Nagamine, o que mais surpreendente nos dados é justamente o aumento acelerado da proporção de beneficiários da previdência com mais de 80 anos e 90 anos em relação ao total. Esse comportamento vai impactar diretamente na duração dos benefícios, o que por sua vez, será mais uma pressão nos gastos. Além disso, também será motivo de pressão adicional para o sistema de saúde. “Não é surpresa que a população está envelhecendo. O que chama atenção é que está sendo mais rápido do que se imaginava”, explicou.

O professor sênior da FEA/USP Hélio Zylberstajn também afirma que o envelhecimento da população já era esperado, mas o que tem surpreendido é a velocidade.

“Os países da Europa levaram dezenas de anos e aqui foi muito rápido. Isso torna mais aguda a questão da Previdência Social, porque temos cada vez mais aposentáveis e esses aposentáveis vivem cada vez mais. Então, a gente vai gastar mais. Na outra ponta, temos cada vez menos jovens, menos pessoas para contribuir para o sistema. O destino desse sistema é inevitavelmente um desequilíbrio”, afirmou o professor, que é também coordenador do Salariômetro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).

O economista Paulo Tafner, presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), afirma que o aumento da quantidade de aposentados “superidosos” vai demandar novos parâmetros para estimar o tempo de duração dos benefícios.

O fato de termos um crescimento espantoso de superidosos [acima de 80 anos] mostra uma capacidade espantosa de aumento de qualidade de vida da população brasileira e sinaliza que teremos que adotar novos parâmetros para estimar o tempo de duração dos benefícios”, explicou. “Por consequência, o déficit [da Previdência Social] vai crescer”, completou.

A demografia envelhece a Previdência; o STF a apodrece”— Paulo Tafner

Diante desse cenário, é inevitável uma discussão de uma nova reforma da Previdência para manter a sustentabilidade do sistema no longo prazo. O pesquisador do Ipea defende a necessidade de mudanças nas regras para aposentadoria pelo MEI (Microempreendedor Individual) e a previdência rural. Ele ressalta, por exemplo, que a idade mínima de 55 anos para aposentadoria da mulher na área rural é muito precoce.

Nagamine também sugere mecanismo automático de ajustamento da idade mínima conforme o aumento da expectativa de vida das pessoas. Uma nova reforma também deveria mexer nas regras de aposentadoria dos militares e dos professores e exigir que Estados e municípios sigam as mesmas regras de aposentadoria aplicadas pela União. Num cenário otimista, o governo poderia retomar o assunto em 2027, primeiro ano de mandato do próximo governo.

Já Zylberstajn afirma que a próxima reforma da Previdência precisa ser estrutural, ou seja, mexer em todo o funcionamento do sistema, e não apenas nos parâmetros para obtenção das aposentadorias e pensões. Isso porque, na visão do professor, o sistema atual, de repartição - em que as contribuições à Previdência bancam as aposentadorias e pensões - está “condenado ao fracasso”.

O professor da USP defende a proposta da Fipe, baseada em quatro pilares: criação de uma renda básica para o idoso, que seria paga a todas as pessoas, independentemente de contribuição à Previdência; uma camada de repartição que repusesse a renda média do brasileiro para quem contribuiu à Previdência; um terceiro pilar que seria o atual fundo de garantia; e um quarto pilar de capitalização voluntário. O sistema valeria para todos, inclusive servidores públicos e militares.

“O Brasil gasta 13% do PIB com benefícios da Previdência [em todas as esferas]. Isso é um nível equivalente ao da Alemanha, dos países escandinavos, que já envelheceram e que são países ricos. E nós ainda somos um país pobre”, afirmou Zylberstajn.

O economista e relações institucionais da Polo Capital, Arnaldo Lima, acrescenta que a expansão da população idosa em uma velocidade maior do que a população em idade ativa e o aumento da expectativa de sobrevida em todas as idades pressionarão a necessidade de financiamento da Previdência duplamente.

“Teremos um menor contingente de contribuintes pagando por um número crescente de beneficiários e por mais tempo. Ou seja, esse desequilíbrio atuarial fará com que o valor médio do benefício se aproxime cada vez mais do salário mínimo, assim como acarretará em um déficit per capita cada vez maior”, disse Lima, acrescentando que, o INSS está se tornando uma proteção social de renda mínima, caso não sejam feitos novos aperfeiçoamentos na legislação previdenciária. Atualmente, cerca de 60% dos benefícios já são iguais ao piso.

Tafner criticou o fato de o Supremo Tribunal Federal (STF) estar com maioria formada para derrubar alguns pontos da reforma da Previdência de 2019 aplicado aos servidores públicos, o que pode agravar o déficit dos regimes, numa situação que contrasta com o crescimento do tempo que as pessoas ficam aposentadas. “A demografia envelhece a Previdência; o STF a apodrece.”

Fonte: Valor (24/09/2024)



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