segunda-feira, 29 de junho de 2020

Fundos de Pensão: EFPCs começam a recuperar perdas havidas durante pandemia



Depois do tombo sofrido em março, os fundos voltam a operar no positivo, mas muitos consideram improvável o cumprimento das metas do exercício

Três meses após terem sido levadas às cordas pela crise dos mercados causada pela pandemia da Covid-19, as entidades fechadas de previdência complementar (EFPCs) sinalizam que, em sua grande maioria, suportaram o tranco. Os retornos negativos apurados em março começaram a ser compensados a partir de abril e alguns fundos de pensão já projetam, inclusive, a superação das perdas acumuladas no ano ainda no primeiro semestre, embora parcela significativa do segmento considere improvável o cumprimento das metas atuariais traçadas para o exercício. Essa solidez foi refletida em levantamento da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), com base em dados de abril de 260 entidades, segundo o qual 94,23% das integrantes do sistema não preveem quaisquer problemas de liquidez em seus planos nos próximos 2 meses.

“Houve, de fato, uma recuperação importante a partir do início do segundo trimestre, mas os fundos de pensão devem ficar muito atentos à volatilidade dos mercados em geral, que ainda é elevada, em razão da incerteza do cenário”, comenta o líder da área de Wealth da Mercer, João Morais. “Um dado muito positivo revelado pela pesquisa da Previc é que apenas 18 entidades tiveram de revisar políticas de investimento. Isso demonstra o acerto na definição dessas diretrizes, que conseguiram superar a crise, demandando apenas alguns ajustes finos.”Criado em meio à crise pela Funcesp, o fundo Pirineus, comandado por Simino, apresentou retorno de 21% em pouco mais de dois meses

A Funcesp, o maior fundo de pensão de patrocínio privado do país, com reservas técnicas ao redor de R$ 32 bilhões, reagiu com agilidade aos primeiros sinais da crise. No início de março, dando prioridade à liquidez, a entidade vendeu cerca de R$ 2,7 bilhões em várias classes de ativos, garantindo recursos de sobra para o pagamento de benefícios por um largo período. Depois de amargar uma queda de 4,17% naquele mês, o portfólio apresentou evolução de 3,38% entre abril e maio, reduzindo a perda acumulada no ano para a casa de -0,91%. “Se crescermos mais 1% em junho, praticamente zeramos o resultado do primeiro semestre”, observa o diretor de investimentos Jorge Simino Júnior. “Mas para cumprir as metas atuariais do exercício será necessária uma melhoria significativa do cenário ao longo do segundo semestre, o que não parece provável.”

Conduzida pela equipe da casa, a carteira de renda variável da Funcesp vem puxando a recuperação. Entre abril e maio, apresentou crescimento de 10,74%, em grande parte pelo FIA Pirineus criado praticamente no meio da pandemia. Em pouco mais de dois meses de operação, o fundo apresentava valorização de 21%, com patrimônio de R$ 350 milhões. “Formada por cerca de 14 papéis, a carteira do Pirineus contempla apenas papéis de empresas resilientes, com boa governança, e que tendem a crescer durante e após a crise, inclusive por meio da aquisição de concorrentes de menor fôlego”, assinala Simino. “Trata-se de um fundo baseado em rígidos critérios fundamentalistas, que aposta em retornos consistentes de longo prazo.”No Postais, Alexandre Dias Miguel, pretende travar os ganhos com mecanismos de hedge
No Postais, Alexandre Dias Miguel, pretende travar os ganhos com mecanismos de hedge

Igualmente expressivo foi o retorno alcançado pelo Postalis, o fundo de pensão dos funcionários dos Correios. Aproveitado a queda das bolsas em março, a fundação aproveitou para fortalecer o Plano de Benefício Definido (PBD) alocando R$ 200 milhões em fundos de ações, que saltou de 1% para 8% em renda variável. Essa estratégia resultou numa valorização de 38% do PBD entre o final de março e final de maio. Considerando o acumulado no ano, até maio, a valorização foi de 5,43%, superando a meta atuarial do período em 3,54 percentuais. “Iniciamos o aporte no momento em que o Ibovespa atingiu o seu menor patamar no ano, na faixa de 63 mil a 67 mil pontos”, observa o diretor interino de investimentos, Alexandre Dias Miguel.

Adeptos de estratégias fundamentalistas, os gestores a serviço da fundação deram prioridade, entre outras empresas, a companhias de energia, com receitas dolarizadas, e bancos.Desde então, o Postalis não mais realizou aportes em fundos de ações. No momento, a sua diretoria aguarda a conclusão de um novo ALM (casamento de ativos e passivos) para definir novos rumos em meio a cenários econômicos e sanitários ainda bem nebulosos. “Não pensamos em realizar lucros em renda variável”, observa Miguel. “Estamos, sim, estudando mecanismos de hedge para travar os ganhos obtidos no mercado acionário.”

A Valia só executou ajustes pontuais em suas estratégias. Patrocinada pelo grupo Vale, a fundação contava, em fevereiro, com 8,44% dos seus recursos aplicado em ações, o que lhe poupou maiores perdas com a forte queda da B3 no mês seguinte. No pior momento da crise, em 23 de março, a carteira consolidada da fundação caia 3,11% enquanto o seu Plano de Benefício Definido (PBD), o maior da casa com R$ 10,81 bilhões, caia 0,56% no acumulado do ano. Em 15 de junho, ambos tinham superado as perdas e acumulavam ganhos de, respectivamente, 0,79% e 1,32% no ano. “Nossa posição em renda variável chegou a registrar -44% em março, hoje estamos em -18%, com um desempenho superior ao do Ibovespa”, diz o diretor de investimentos Maurício Wanderley.

As principais medidas adotadas foram uma ligeira redução no estoque de ações, na primeira quinzena de março, e apostas em títulos públicos. Em vários momentos entre março e abril, a fundação adquiriu Notas do Tesouro Nacional da série B (NTNs-B) com taxas de remuneração na faixa de 4,5% a 5% ao ano além da variação da inflação, alinhadas com as metas atuariais do PBD, que já dispõe de mais de 80% de seus recursos alocados em papéis do gênero. Desde então, a composição do portfólio não sofreu mais alterações. Outras opções de ativos e produtos seguem em análise. “Estamos avaliando fundos imobiliários e acompanhando as tendências do mercado de crédito privado. Como, no entanto, só investimos em títulos de empresas de primeira linha, os spreads ainda terão que subir consideravelmente para despertar o nosso interesse”, assinala Wanderley.Cláudia Trindade, da Fusan, comenta que muitas entidades que estavam mais alavancadas em renda variável devolveram, em março, boa parte dos ganhos obtidos em 2019

Já a Fusan, com um maior participação da renda variável da ordem de 13,19% do portfólio em dezembro passado, iniciou este ano realizando algumas compras na bolsa. Mas interrompeu a estratégia a partir de segunda quinzena de janeiro, em razão das cotações elevadas dos papéis negociados em pregão e, sobretudo, de um plano de aposentadoria incentivada anunciado pela patrocinadora, a Sanepar, que apontava para uma elevação do volume de benefícios a serem pagos pela entidade. Com a eclosão da pandemia, em março, a fundação sofreu uma perda de 4,70%. “Muitas entidades que estavam mais alavancadas em renda variável devolveram, em março, boa parte dos ganhos obtidos em 2019”, diz a diretora-presidente Cláudia Trindade. “Mas não havia o que fazer. Mantivemos todos os ativos e aguardamos a superação do pior momento da crise.”

Depois de obter um crescimento acumulado de 2,47% entre abril e maio, como resultado quase que exclusivo da recuperação dos mercados, a entidade aguarda a conclusão de um novo ALM, encomendado no fim de março, para definir suas novas estratégias. A priori, a executiva pensa em elevar as aplicações no exterior, hoje concentradas em um único fundo de investimento que responde por 1,7% do portfólio da fundação. “Outra opção em estudo é o crédito privado, mas para que as taxas desses títulos se tornem vantajosas seria necessária uma retomada do crescimento econômico”, observa Cláudia. “O fato é que não será fácil cumprirmos a meta atuarial do plano Fusanprev, a menos que surjam boas surpresas no segundo semestre.”

A Fipecq, fundo de pensão dos funcionários da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e de três institutos federais de pesquisa (Inpe, Ipea e Inpa) viu seu principal produto, o Plano de Previdência Complementar (PPC), um BD com patrimônio líquido de R$ 1,45 bilhão encolher 5,21% em março. Isso porque o plano tinha, no início do ano, aproximadamente 15% dos seus recursos aplicados em renda variável. “Em abril e maio a situação começou a mudar, acumulamos ganhos de 2,63% nesses meses e a perda do PPC no ano retrocedeu para 1,87%. Dependendo do que ocorrer em junho, poderemos zerar a conta ainda no primeiro semestre”, prevê o diretor de investimentos Claudinei Rolim Perez.

Patrocinada por seis empresas aeroportuárias, a Infraprev registrou a maior queda entre as EFPCs ouvidas pela Investidor Institucional, tendo fechado o primeiro trimestre com um recuo de 7,1%. O resultado foi consequência de uma alocação acima da média do sistema em renda variável, carteira que em 2019 havia rendido 35,59% e permitido uma rentabilidade consolidada de 15,66% à entidade. “Considerando a carteira própria, os fundos de ações e multimercados, a renda variável detinha uma participação em torno de 25% do patrimônio. Hoje, a sua fatia corresponde a 19%”, informa a diretora-superintendente Interina e diretora de administração e finanças Juliana Koehler.

A redução foi decorrência, além da desvalorização das ações, de ajustes efetuados na carteira antes da crise. A Infraprev trocou alguns papéis em seu portfólio, desfez-se de outros sem realizar reposições, aumentando a liquidez, e abandonou sua estratégia passiva no mercado acionário, resgatando cotas de um fundo de índices. “Iniciado em fevereiro, quando a bolsa já apresentava sinais de instabilidade, esse trabalho buscou reduzir riscos no curto prazo”, diz a executiva, que também teve de lidar, em março, com a desvalorização do estoque de títulos públicos. “Marcados a mercado, os papéis apresentaram rentabilidade negativa no mês, devido à volatilidade do mercado causada pela forte abertura da curva de juros.”

A elevação das taxas dos papéis de renda fixa no mercado secundário cumpriu, no entanto, papel central na retomada. Já em março, a entidade deu início a compras de NTNs-B, reforçando as suas reservas nesses títulos, que respondem por cerca de 55% da carteira do Plano CV. Isso permitiu uma diminuição das perdas em 2,43 pontos percentuais entre abril e maio.

Além disso, nos meses seguintes, a diversificação ganhou escala com a seleção de um novo fundo de investimento externo, segmento no qual as aplicações somam 0,5% dos ativos. “A ideia é injetar entre R$ 20 milhões e R$ 40 milhões adicionais em renda variável no exterior até o fim do ano. Pretendemos reiniciar o processo de aumento da exposição ao risco após a crise”, diz Juliana, que contudo se mostra algo apreensiva em relação às perspectivas local e global. “Uma segunda onda de queda já começa a ocorrer em bolsas de valores nos Estados Unidos e na Europa, projetando as apreensões dos investidores em relação aos resultados das empresas.”

Leituras semelhantes são feitas por Jorge Simino e Maurício Wanderley. O primeiro não descarta um novo e forte ajuste das bolsas após a divulgação, em maior escala, de informações sobre o desempenho das companhias abertas de março em diante, ao passo que o diretor da Valia pondera que, apesar dos consistentes pacotes de estímulos fiscais anunciados por diversos governos, muitas empresas e setores enfrentarão dificuldades para se recuperar.

Na avaliação de João Morais, qualquer que seja o cenário no curto e no médio prazo, os investidores institucionais locais não terão opção a não ser dar continuidade aos processos de diversificação. “Isso inclui maiores exposições em renda variável e em investimentos no exterior”. Um levantamento recente da Mercer mostrou que, apesar da queda dos juros, a renda fixa ainda concentra 73% dos recursos dos fundos de pensão locais.

Fonte: Invest. Institucional (29/06/2020)

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