quarta-feira, 3 de junho de 2020

Meu bolso: Para alcançar os objetivos de retorno no longo prazo será necessário correr mais risco



Juros baixos e maior volatilidade criam novo cenário de investimento
Em reuniões recentes com diretores de fundos de pensão e gestores de recursos tenho ouvido muita história sobre perdas nas carteiras de investimento e aumento da exposição aos riscos de mercado, além de como a mudança no ambiente de investimentos criou um problema no gerenciamento ente risco e retorno.

O ponto de reflexão e decisão para os executivos das fundações e planos de previdência (investidores institucionais) é como alocar os recursos entre as diferentes classes de ativos, de modo a gerar riqueza e renda no longo prazo sem incorrer em níveis elevados de risco que provoquem oscilações mais bruscas nas taxas de retorno.

Sou de uma geração que passou boa parte da vida discutindo ou reclamando das taxas de juros elevadas da economia brasileira. Passamos anos projetando os benefícios de o Brasil praticar taxas civilizadas, em padrões americanos ou europeus. Quando este dia chegasse, o crédito destravaria, os investimentos produtivos cresceriam, uma espiral positiva teria início e as condições para um crescimento sustentado estariam lançadas. Juros baixos nessa época, para nós economistas, seriam o resultado da casa arrumada.

Pois bem, chegamos a Canaã, mas a terra prometida não é bem como imaginada.

Como escrevi em um artigo recente neste espaço, os juros baixos são resultado de nossos fracassos, mais do que produto de nossas virtudes.

Os juros baixos em nosso caso são resultado de recessão, desemprego e baixo investimento. A tudo isso, que já estava no radar, se somou a pandemia da covid-19.

Se já estava difícil de lidar com a falta de vitalidade da economia, que de tão fraca reagia muito modestamente aos seguidos estímulos monetários do Banco Central, os impactos do coronavírus debilitaram de vez o paciente.

A crise derrubou os preços dos ativos, a Bolsa sofreu 5 circuit breakers quase seguidos e a volatilidade se elevou a níveis extremamente altos. No bimestre março-abril de 2020, por exemplo, a volatilidade do IMAB 5+, composto por NTN-Bs (títulos também chamados de Tesouro IPCA+) com mais de 5 anos para o vencimento, foi mais que o dobro da registrada pelo índice Ibovespa no mesmo período de 2019. Renda fixa com volatilidade de renda variável.

A comparação entre esses períodos indica que a volatilidade tanto do IMA-B 5+ quanto do Ibovespa foi praticamente multiplicada por 5.

Diante deste cenário de expressivo aumento da volatilidade, ocorreu uma série de rompimentos de limites de risco previstos nos mais diferentes mandatos sob gestão das assets.

Os muitos anos em que convivemos com juros reais altos e baixa volatilidade permitiram alcançar objetivos de retorno generosos e limites de risco espartanos.

Os tais limites de risco, contudo, são estabelecidos por meio de indicadores baseados em séries estatísticas, tais como VaR (Value at Risk). Algo como projetar o presente a partir do comportamento passado.

Mas o que fazer quando o presente não guarda correspondência com os fatos pretéritos? O nível de volatilidade do IMA-B 5+ hoje é quase 5 vezes o de um ano atrás.

O dilema que estes investidores enfrentam hoje é vender os ativos e realizar a perda e assim enquadrar os fundos aos limites de risco; ou elevar seus limites de risco.

Se optarem por vender os ativos, além da perda, precisarão enfrentar outra questão. Com a taxa de juros em níveis tão baixos, ficará inviável atingir as metas de rentabilidade. Aos patamares atuais de volatilidade, estima-se que precisariam reduzir a exposição ao risco para 10% dos limites atuais. Ou seja, não restaria qualquer upside para gerar um diferencial de retorno.

Elevar os limites de risco sem elevar os objetivos de rentabilidade soa mal, mas é muito razoável, já que as taxas de juros, tudo indica, permanecerão baixas por muito tempo, enquanto o risco seguirá alto. Um novo normal, como se tem chamado.

Aceitar este trade-off entre risco e retorno em uma sociedade viciada em juro alto e volatilidade baixa não é fácil. Implica em uma mudança de comportamento e muita discussão em comitês.

A discussão sobre assumir mais risco para atingir retorno era inevitável. A redução consistente da taxa de juros levaria naturalmente a isto. Mas a crise do coronavírus não só adiantou a conversa como criou o pior cenário para o debate.

Gestores profissionais e investidores institucionais precisam sentar e combinar um novo jogo. No longo prazo, não será possível pagar aposentadorias e benefícios sem aumentar a exposição aos ativos de risco.

Fica aqui uma sugestão metodológica. Medidas como o VaR são altamente dependentes do comportamento passado e costumam criar disfuncionalidades como as relatadas. Uma solução em alta entre os reguladores internacionais é a utilização do stress test, que pode ser criado sobre cenários prospectivos.

Fonte: Valor Investe (03/06/2020)

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