sexta-feira, 12 de junho de 2020

TIC: Telebras ganha fôlego para tirar a RNP do seu caminho na Inclusão Digital



O novo Ministério das Comunicações, criado na noite de ontem por meio da Medida Provisória 980, pelo presidente Jair Bolsonaro, foi a lufada de ar que faltava para a Telebras recuperar o fôlego e poder mostrar o seu valor. Até então, a estatal vinha sendo constantemente sabotada pelo ministro astronauta Marcos Pontes e sua equipe no Ministério da Ciência e Tecnologia, Inovações, que agora perde a “perna” das telecomunicações, radiodifusão e serviços postais.

A estatal já tinha conseguido um apoio expressivo, do ex-ministro da Ciência e Tecnologia do Governo Temer, Gilberto Kassab, que numa entrevista na terça-feira ao UOL deixou claro que seria “um crime” privatizar a Telebras.

Mas faltava apoio político interno, no Governo Bolsonaro, que acaba de chegar agora com a nomeação de Fabio Faria para o Ministério das Comunicações. A nomeação dele ocorreu numa articulação política entre Bolsonaro e o próprio kassab, em troca do PSD – partido que compõe o Centrão – não apoiar qualquer iniciativa de impeachment do presidente.

Desvios de finalidade
Agora a estatal poderá explicar ao novo ministro, se este tiver interesse em ouvi-la, de que tem sido vítima de um processo de esvaziamento político das suas atribuições pela equipe de Marcos Pontes na condução de políticas públicas de Inclusão Digital. E tem muita história para contar neste sentido, inclusive fatos que vêm ocorrendo desde a época em que o próprio Gilberto Kassab ocupava o ministério, em 2018.

A Telebras tem razão de sentir-se esvaziada em suas atribuições, enquanto ente deste governo. Pois há indícios de favorecimento e desvios de finalidade em acordos fechados entre o MCTI e uma organização social vinculada ao ministério: a RNP – Rede Nacional de Ensino e Pesquisa. Esses acordos suspeitos vem ocorrendo desde a saída de Gilberto Kassab do Ministério da Ciência e Tecnologia em 2018 e a entrada de Marcos Pontes, em 2019.

Por exemplo, a Telebras desde 2018 já poderia estar “iluminando” por satélite, através do programa GESAC (Governo Eletrônico, Serviço de Atendimento ao Cidadão) todo o Estado de Roraima. E garantido uma banda larga com no mínimo 10Mbps de velocidade real.

Só não fez naquela época devido a uma ação predatória do Tribunal de Contas da União, que agiu para favorecer justamente os interessados em não ver a Telebras levar o projeto à frente e ganhar peso político com ele.

Se tivesse concretizado o projeto, o internauta de Roraima teria se tornado um privilegiado em relação ao resto do país, pois poderia baixar arquivos ou subi-los simultaneamente com a mesma velocidade de 10Mbps. No serviço de banda larga por satélite da Telebras não há franquia embutida no contrato com o usuário. Como fazem hoje as super lucrativas empresas de telefonia, que costumam limitar o “upload” a apenas 10% dessa velocidade. E quando o assinante estoura essa franquia, ou desligam o sinal ou passam a cobrar o acesso à Internet mais caro.

Durante o primeiro ano de Governo Bolsonaro (2019), Pontes e equipe tiraram a estatal do circuito em Roraima e passaram a usar nessa política a RNP. Uma organização que se autodenomina “sem fins lucrativos”, criada para atender Universidades Federais e Centros de Pesquisa com rede de banda larga de alta velocidade. Só que a partir da gestão Marcos Pontes vem atuando em áreas que fogem ao objeto do seu Estatuto, com interesses nitidamente comerciais.

Essa atuação tem sido endossada pelo titular da secretaria de Telecomunicações do MCTI, Vitor Menezes, um técnico oriundo da Anatel que agora será transferido para o Ministério das Comunicações, assim como toda a estrutura da secretaria. Mas seu futuro é incerto, dependerá do novo ministro das Comunicações, Fábio Faria.

“PowerPoint”
Roraima é um caso exemplar desses desvios, que podem estar se alastrando para toda a região Amazônica (ainda a conferir). A decisão de entregar o projeto de conexão para a RNP na região já promoveu situações bem estranhas. Por exemplo, algum dia o brasileiro tomará conhecimento que pagou R$ 6 milhões para um “estudo técnico” feito por essa organização social sem fins lucrativos, que no máximo entregará ao ministério um “PowerPoint” com as conclusões dos trabalhos.

Essa história veio à público no dia 10 de outubro de 2019, quando então o senador Chico Rodrigues (DEM-RR) anunciou na imprensa de Roraima, que estava liberando R$ 6 milhões em emenda parlamentar que apresentou ao Orçamento Geral da União, para a RNP ser contratada – via Ministério da Ciência e Tecnologia – e realizar um “estudo de viabilidade técnica” para um projeto de rede de conexão banda larga vinda de Georgetown, na Guiana, para a capital Boa Vista.

Chico Rodriges inclusive fez um vídeo para explicar as razões de estar conversando diretamente com a RNP para fechar esse “estudo de viabilidade técnica”, quando deveria ter conversado com o MCTI. Não há registro de que essa tratativa tenha sido feita primeiro com o ministério.

Resta saber de quem partiu essa inciativa deste estudo: se do senador ou da RNP, que pode ter procurado o parlamentar oferecendo um serviço que não está no seu Estatuto.

Viabilidade técnica
Seja quem for o autor da ideia, ocorreu outro fato estranho nesse processo. O anúncio do senador da contratação da RNP ocorreu no dia 10 de outubro de 2019. Curiosamente, no dia 23 de outubro a Comissão de Ciência e Tecnologia aprovou R$ 100 milhões em emendas parlamentares, que tratavam de conexão de Internet para toda a região Amazônica e o Centro-Oeste.

Deste total, R$ 50 milhões foram destinados exclusivamente para garantir a internet de Georgetown, na Guiana, até Boa Vista, via cabo de fibra óptica, conforme divulgou na época o site especializado Tele.Sintese.

A reportagem demonstra que a comissão parlamentar aprovou no dia 23 de outubro os R$ 50 milhões sem sequer esperar pelos resultados do tal “estudo técnico” que seria feito primeiro pela RNP. Que atestaria justamente se a ideia era viável ou não.

Ou seja, fica a impressão de que o valor do projeto já estava definido pelos parlamentares, embora eles não tivessem o menor conhecimento se o montante de R$ 50 milhões seria suficiente para cobrir os custos de tal conexão com a Guiana.

Desvios de recursos
Quando confrontado o valor destinado pela Comissão do Congresso com o que a Telebras pretendia cobrar para fazer o mesmo serviço de conexão por satélite em Roraima em 2018, fica mais evidente a possibilidade de superfaturamento no projeto.

Se tomarmos por base apenas o valor de R$ 6 milhões, que será será gasto com a RNP para ela apresentar um “estudo técnico” e o preço estimado pela Telebras em 2018 de R$ 700 por ponto de conexão de satélite com velocidade nominal de 10Mbps, isso significa que daria para conectar cerca de 714 pontos de internet banda larga via satélite em Roraima por ano (estimativa leva em conta o gasto anual de R$ 8,4 mil para cada ponto).

Caro? Não. Lembre-se que o internauta de Roraima estaria gozando do privilégio de não ter franquia na sua banda larga. Ela chegaria limpinha na velocidade de 10Mbps.

Além disso, com apenas 714 pontos de Internet por satélite, a Telebras teria atendido, por exemplo, todas as 15 prefeituras que compõem o Estado de Roraima, o Legislativo e o Judiciário locais. Ou atenderia 384 escolas públicas estaduais e mais 399 escolas da rede municipal. Apenas teria de ampliar em 69 pontos, para cobrir todo o universo das escolas públicas do estado beneficiadas pelo programa.

Esse montante de R$ 50 milhões para conectar Roraima à Guiana torna-se mais absurdo ainda, se levado em conta a proposta da Telebras de 2018. para uma população estimada de Roraima de 500 mil habitantes ao custo de R$ 700; com velocidade de 10Mbps (full). Pelas contas da Telebras, daria para conectar cada grupo de 7 habitantes do Estado.

Bastaria que houvesse o compartilhamento do sinal de satélite para cada grupo, o que seria plenamente viável, se olharmos para quantos usuários estão conectados em cada ponto de WiFi de uma operadora de telefonia ou provedor deste serviço.

Fonte: Capital Digital (11/06/2020)

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