quarta-feira, 18 de maio de 2022

Comportamento: ‘Não nascemos para viver sozinhos’, diz psiquiatra de Harvard




Em entrevista ao GLOBO, Robert Waldinger afirma que quando as pessoas estão mais conectadas umas com as outras, isso não apenas as deixa felizes, mas as mantém mais saudáveis

Há mais de 80 anos, pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade Harvard investigam o desenvolvimento da vida humana, por meio do estudo de milhares de casos, rastreamento genético, exames médicos, entrevistas e observação. E uma das grandes e surpreendentes conclusões é: quem é feliz vive mais. Não existe, porém, uma fórmula mágica para a felicidade, disse ao GLOBO o psiquiatra Robert Waldinger, um dos líderes do Harvard Study of Adult Development (Estudo de Harvard sobre Desenvolvimento de Adultos), realizado desde 1938 nos Estados Unidos. O que se sabe, afirmou, é que as relações interpessoais são fundamentais nesse processo.

A forma como as pessoas se relacionam impacta o bem-estar?

O que vimos em nossa pesquisa é que quando as pessoas estão mais conectadas umas com as outras, isso não apenas as deixa mais felizes, mas as mantém mais saudáveis. E, em média, elas também vivem mais. Essa conexão pode ser [intensificada] encontrando mais pessoas durante um tempo ou estabelecendo relações mais próximas e calorosas com uma ou algumas pessoas que você sente realmente que irão apoiá-lo se você precisar.

O senhor disse que as pessoas conectadas são mais felizes. A solidão tem então implicações para a saúde humana?

A solidão é uma fonte de estresse. Não fomos feitos para viver sozinhos. Quando estamos sozinhos, os níveis de estresse do corpo aumentam e isso nos leva a um estado de resposta de luta ou fuga, que acontece quando você está com medo de algo, sua frequência cardíaca e pressão arterial aumentam e você se prepara para enfrentar um desafio. Mas a solidão é um desafio que não tem fim. Assim seu corpo permanece nesse estado com níveis mais altos de hormônios do estresse, inflamação crônica, e isso contribui para destruir o corpo e a saúde.

Existe uma fórmula mágica para uma vida feliz?

Não existe, e é bom que as pessoas saibam disso. Às vezes pensamos que as outras pessoas são felizes o tempo todo, enquanto nós não sabemos o que estamos fazendo, mas nenhuma vida é feliz 24 horas por dia, sete dias na semana. Por outro lado, há certas coisas que podemos fazer que nos tornam mais propensos a nos sentirmos bem na maior parte do tempo. Isso inclui cuidar da nossa saúde, cuidar do nosso corpo, comer bem, fazer exercícios regulares, não abusar de drogas ou álcool e ter senso de propósito, além de estarmos mais conectados com outras pessoas.

É possível prever o quão bem uma pessoa chegará à velhice analisando seus índices de felicidade?

Não, porque na vida acontecem coisas que não podemos prever. Eu poderia fazer de tudo para cuidar de mim, da minha saúde, ter bons relacionamentos, e ainda assim ter câncer. E não é minha culpa, simplesmente acontece. Então, quando olhamos para qualquer pessoa, não podemos dizer com certeza como será sua vida, não importa o que ela faça. Mas quando olhamos para milhares de pessoas, ao longo de muitos e muitos anos, podemos dizer que essas são as coisas que tornam mais provável que você permaneça saudável e feliz.

A felicidade tem impactos neurológicos também? Ela pode modificar nosso cérebro?

Sim pode. Sabemos que a felicidade pode nos manter mais afiados por mais tempo, ao passo que a solidão e a infelicidade podem contribuir para um declínio cognitivo precoce.

A primeira geração dos estudos foi feita apenas com homens. Apesar disso, podemos generalizar suas conclusões?

Essa é uma boa pergunta. Começamos a estudar as mulheres há 20 anos, quando eu entrei no estudo. E você está absolutamente certa. Não podemos presumir que o que é verdade para os homens também é verdade para as mulheres. Assim como não podemos presumir que o que é verdade para as pessoas nos Estados Unidos é verdade para as pessoas no Brasil. Mas estamos sempre procurando outros estudos e tentamos compartilhar particularmente as descobertas que outros estudos confirmam.

O que o estudo já descobriu sobre as mulheres?

Bem, sabemos que há muito mais semelhanças entre mulheres e homens do que diferenças, ao contrário do que se pensava. Vou te dar um exemplo. Recentemente, revisamos a literatura sobre padrões de amizade, porque há vários estudos sobre as mulheres serem muito mais conectadas a outras pessoas e valorizarem a amizade muito mais do que os homens. Acontece que as diferenças não são muito grandes entre homens e mulheres quando você analisa com cuidado os dados de bons estudos. É importante olhar para as diferenças de gênero e estar aberto ao que encontramos, às vezes destruindo nossos estereótipos.

A pandemia de Covid-19 teve impactos na percepção de felicidade das pessoas e na forma com que elas se relacionam?

Ainda estamos no começo das análises, mas já sabemos que a pandemia fez as pessoas refletirem sobre o que realmente importa para elas. Muitas decidiram que era hora de pedir demissão e procurar um novo emprego; ou que queriam trabalhar de forma diferente, talvez trabalhar menos e passar mais tempo com as pessoas que eram importantes para elas; ou seguir um tipo diferente de carreira, desenvolver novos interesses. A Covid interrompeu nossos padrões habituais de trabalho, vida doméstica, convívio, então claro que teve muitos efeitos negativos: mais depressão, ansiedade. Mas também houve esse efeito, provavelmente positivo, que nos fez parar para avaliar nossas vidas e dizer o que é realmente importante para mim agora.

Diversos especialistas afirmam que a tecnologia e as redes sociais tornaram as relações humanas mais frágeis e superficiais. Seu estudo confirma isso?

Esse também é um assunto que estamos começando a investigar.. Mas outras pesquisas sugerem que muito depende de como usamos as mídias sociais. Se usarmos apenas para percorrer o feed do Instagram de alguém, ou Tik Tok, e olharmos para a vida de outras pessoas que eles nos mostram, ficamos mais deprimidos, sentimos que estamos perdendo. Isso diminui nossa auto-estima. Mas se usarmos as mídias sociais mais ativamente, para nos conectarmos uns com os outros, talvez para reunir grupos de velhos amigos de escola que não conversam há anos, isso pode ser uma força muito positiva em nossas vidas. Portanto, não é que a mídia social seja boa ou ruim. É como a usamos.

Chega um momento em que é tarde demais para se buscar a felicidade?

O que descobrimos em nosso estudo é que nunca é tarde demais para fazer mudanças em sua vida que o ajudarão a ser mais feliz. Algumas pessoas pensam, “Oh, é tarde demais para mim”, “Estou muito enferrujado”, “As coisas simplesmente não deram certo para mim”. E o que descobrimos quando acompanhamos a vida dessas pessoas por décadas é que, de fato, muitas pessoas, mesmo no final da vida, fazem grandes mudanças que podem ajudá-las a serem muito mais felizes.

Fonte: O Globo (16/05/2022)

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