Comandos de campanha pelo "aprovo" e "rechaço" finalizaram as atividades com atos públicos na última quinta-feira (22)
A população chilena se divide entre as campanhas "Aprovo Chile Digno" e "Rechaço para Reformar" às vésperas ao plebiscito constitucional do próximo domingo
No próximo domingo (25), cerca de 14 milhões de chilenos estão convocados para votar no plebiscito constitucional. Em questão a aprovação ou não da escrita de uma nova carta magna e a decisão de qual será o instrumento para esta mudança. A primeira opção é uma convenção mista, composta 50% pelos atuais parlamentares e 50% por representantes eleitos; a segunda prevê a formação de uma comissão constituinte totalmente nova.
Na última quinta-feira (22), os grupos que defendem o "aprovo", a favor de uma nova constituição, e "rechaço", contra, finalizaram as campanhas com atos públicos na capital, Santiago.
Pelo lado do sim, a manifestação foi até o Palácio La Moneda, sede do governo, com faixas e gritos de ordem que reforçavam a campanha Eu Aprovo Chile Digno, composta por organizações sociais, sindicatos e entidades estudantis.
Nesta proposta, a ideia é uma nova constituição que garanta acesso à saúde e educação gratuitas, reconhecimento ao direito territorial dos povos originários Mapuche, fim da criminalização dos movimentos sociais, reestatização da água — que hoje é um bem privado no país. Além da criação de um novo sistema previdenciário que substitua o atual gerido pelas Administradoras de Fundo de Pensão (AFP), empresas privadas que aplicam as arrecadações previdenciárias dos chilenos na bolsa de valores.
"Também acreditamos que é fundamental que a soberania, em todos os planos político, social, econômico e cultural, pertença ao povo chileno. Isso não está previsto na atual constituição. No projeto que Salvador Allende e a Unidade Popular deixaram — que nunca foi concretizado por conta do golpe de Estado — está essa base fundamental que no Chile a soberania se estabelece no povo, nas trabalhadoras e trabalhadores", comenta Juan Andres Lagos, do comando de campanha "Eu Aprovo Chile Digno".
Já o setor contrário ao plebiscito, realizou uma caravana na região metropolitana de Santiago. Os parlamentares da plataforma Chile Vamos afirmam que o processo gerará gastos extraordinários ao Estado e que a reforma seria uma 'carta branca' aos atuais parlamentares. Para eles, as demandas já estão contempladas na carta magna e o ideal seria reformá-la com projetos de lei no Congresso.
Herança da ditadura militar
A atual Constituição foi promulgada em 1980, durante a ditadura militar chilena. Depois do plebiscito que colocou fim ao regime de Augusto Pinochet, em 1989, iniciou o período de governos civis da chamada Concertação de Partidos pela Democracia - um acordo pactuado entre organizações social democratas e de centro-esquerda para governar o país.
É a herança da ditadura, mas também queremos mudar esse sistema neoliberal
"É uma constituição muito antidemocrática de forma e fundo, que de alguma maneira foi legitimada pelos governos da Concertação. São 30 anos. É a herança da ditadura, mas também queremos mudar esse sistema neoliberal, que tem sido administrado por uma elite, com uma democracia representativa muito desgastada", denuncia Lagos.
O comando da campanha Rechaço para Reformar ainda afirma que realizar o referendo seria validar "protestos violentos" como forma de exigir mudanças.
No entanto, os números apontam que a violência começa pela polícia militar. No último domingo (18), milhões de chilenos saíram às ruas para celebrar um ano da convulsão social que começou em 2019. Nos atos em Santiago, uma igreja teria sido incendiada sob ação de policiais infiltrados.
Nas mesmas manifestações, um jovem de 26 anos teria sido morto pelos carabineros — a polícia militar chilena. Aníbal Villarroel se dirigia a sua casa em bicicleta, quando passou pela manifestação e foi baleado pelos carabineros, segundo reportam testemunhas.
De acordo com organizadores do ato, aproximadamente 30 mil pessoas ocuparam a Praça Itália, no centro da cidade, dentre elas, cerca de 580 foram detidas por supostamente cometerem atos violentos.
Para a jornalista chilena Marcela Cornejo, a repressão se aprofundou nas semanas prévias ao plebiscito, mas é uma situação permanente na sociedade chilena desde o fim da ditadura e se deve à impunidade. Ela destaca que apesar das 8.800 denúncias de violações aos direitos humanos cometidas pela polícia, somente um policial foi condenado por seus atos no último ano.
"E isso não vai mudar somente dissolvendo a instituição carabineros do Chile, como quer toda a cidadania. O Estado deve assumir a luta de verdade e justiça de maneira global como um compromisso, não só no papel, mas em fatos. E para que sejam garantidos os fatos, é necessária uma mudança na raiz do modelo político e econômico, que impera hoje no país", afirma.
Fonte: Brasil de Fato (23/10/2020)
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