Para técnico da Anatel, muitos serviços em 5G seriam inviáveis com a visão mais restrita do uso de rede no país
A variedade de planos de serviços previstos com a chegada da quinta geração de celular (5G) poderá ter o alcance limitado no Brasil se houver uma aplicação abrangente do princípio da neutralidade de rede. O conceito, que foi incorporado ao Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), impede que as operadoras privilegiem ou restrinjam qualquer tráfego de dados a depender da sua origem ou destino.
Ao discutir o assunto em workshop promovido pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o superintendente de competição, Abraão Balbino, disse que boa parte dos novos planos de serviço em 5G “seria inviável” se for considerada a visão mais restritiva sobre a neutralidade adotada no país.
O comentário do técnico da Anatel, responsável por monitorar as novas tendências do setor, foi direcionado à apresentação, no evento, do diretor de soluções integradas da Huawei do Brasil, Carlos Roseiro. O executivo da companhia chinesa detalhou modelos de oferta da nova tecnologia lançados na Coreia do Sul, nas Filipinas e na China.
Roseiro citou o exemplo de um cliente que, por meio de aplicativo, poderia contratar um pacote de serviços com duração de poucas horas, enquanto estivesse num estádio ou num shopping center, para ter “prioridade” no uso da rede ao subir um vídeo nas redes sociais. “Será que num contexto de concentração de pessoas o cliente não poderia ter o direito de pagar para ter mais velocidade?”, questionou o executivo.
Roseiro ressaltou, no evento on-line, que a tecnologia 5G permite usar o modelo comercial de venda de passagens pelas companhias aéreas, com classe executiva e econômica. A primeira classe contaria com conexão mais rápida e baixa latência - tempo de resposta aos comandos enviados à rede. Já a classe econômica continuaria a usufruir dos planos regulares.
Outro exemplo citado pelo diretor da Huawei é o de clientes que contratam conexão 5G com a menor latência oferecida pela operadora para melhorar a experiência com jogos virtuais. A baixa latência é capaz de proporcionar a sensação mais fiel de interação em tempo real.
O rigor na aplicação da neutralidade de rede é criticado pelas operadoras brasileiras desde a aprovação do Marco Civil da Internet. O assunto está no centro do impasse sobre a redução da velocidade ou o corte do acesso quando o cliente atinge limite mensal de download estabelecido pelo plano de internet fixa.
As teles continuam proibidas de impor a restrição de acesso para quem atinge o limite da franquia de dados. Elas alegam que a neutralidade de rede obriga a cobrar mais de toda a base de clientes para ser capaz de atender clientes com uso mais intenso da rede - os “heavy users”.
Em 2017, os Estados Unidos revogaram a neutralidade de rede por considerar que inibia os investimentos no setor de telecomunicações. A decisão partiu do órgão regulador americano, a Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês).
No workshop da Anatel, foram discutidos os novos modelos de negócio baseados na economia de dados. A representante da consultoria Deloitte, Marcia Ogawa, argumentou que é possível potencializar os benefícios a partir da cooperação entre plataformas digitais, sistemas operacionais de smartphones e teles.
Marcia entende que cada um desses segmentos detém o “domínio de dados” que transitam pelo ambiente digital. Ela explicou que as plataformas digitais, que englobam os serviços financeiros, de comércio eletrônico, entretenimento e comunicação, são propensas a reunir informações individuais e de nicho.
Já as teles reúnem dados sobre o tráfego de rede, informações mais gerais dos usuários. E os sistemas operacionais sabem dos hábitos de uso de smartphones.
“A questão-chave é como estas empresas vão se organizar para fazer parcerias entre si. Aí sim elas acabam ficando poderosas”, disse.
Fonte: Valor (08/10/2020)
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