Falhas frequentes de conexão fazem consumidor perder a paciência com provedores
Aline Bianchi não teve muitas dificuldades para se adaptar ao trabalho em casa. Dispensada da agência onde trabalhava no início da pandemia, a profissional de marketing se ajustou rapidamente à empresa de saúde na qual ingressou depois disso e em cuja sede não precisou pisar até agora. Só uma coisa atrapalha sua rotina: os problemas para se conectar à internet. “Já fiquei na mão várias vezes. Habilitar a câmera [em videoconferências], nem pensar. Fica travando e a imagem aparece distorcida”, diz.
Como Aline, milhares de brasileiros estão enfrentando dificuldades para trabalhar, estudar e se divertir na web. O isolamento social fez saltar a demanda por conexões residenciais e elevou o tráfego de dados em até 50% em muitas localidades. Esse movimento tem provocado instabilidade nas redes e sobrecarregado a infraestrutura. O resultado é uma onda de insatisfação como há muito tempo não se via sobre a disponibilidade dos serviços e a qualidade das conexões.
De janeiro a julho, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) registrou 183.807 reclamações relacionadas à banda larga, um acréscimo de 11,5% em relação ao mesmo período do ano passado. As queixas relativas à internet vão desde cobrança indevida até oferta não cumprida, mas no caso das conexões rápidas concentram-se no funcionamento do modem, na queda de sinal e nas dificuldades para cancelar contrato.
A sensação dos clientes é de desamparo. No início da pandemia, Aline chamou um técnico da Net [controlada pela Claro ], da qual é cliente, para corrigir problemas na TV a cabo. Aproveitou para perguntar como poderia melhorar a internet. “O técnico sugeriu trocar o modem e mudar de plano”, conta ela. “Ou seja, a solução seria pagar mais.”
Depois de fazer uma pesquisa, Aline decidiu mudar de operadora. Não conseguiu. Moradora de uma das vizinhanças mais valorizadas de São Paulo, na rua Oscar Freire, ela ligou para a Vivo, mas nem chegou a fazer o pedido. “Informaram que não tinham mais armário disponível na região”, afirma. “Armário” é como se chama a central de distribuição. Agora, Aline está sem telefone fixo e TV paga, que mandou desligar. E avalia o que fazer a seguir. “As empresas abusam porque não há muitos competidores”, diz. Ao Valor, a Vivo afirma que vai avaliar o caso.
O acesso à internet entrou na lista das despesas adicionais da covid-19, ao lado de notebooks e cadeiras de escritório, porque, com o isolamento social, muitas famílias se viram na necessidade de comprar pacotes com velocidades mais rápidas, a preços maiores. O benefício, porém, não é visível. Ao contrário, com o sinal sendo compartilhado por muitas pessoas simultaneamente, as falhas se multiplicam, deixando o consumidor irritado. A sensação é de que se está pagando mais para receber menos.
Mesmo quem não mudou de plano está tendo de colocar a mão no bolso. Em agosto, a internet ficou 8,51% mais cara que em julho, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No mesmo intervalo do ano passado, para comparar, o aumento foi de 0,11%. Com a alta, a banda larga tornou-se um dos vilões da inflação, contribuindo com 0,05 ponto percentual para o aumento mensal de 0,24% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA).
O número de queixas sobre a internet, que vinha decrescendo, voltou a aumentar a partir de março, quando foi declarada pandemia. Segundo levantamento feito ao Valor, o site Reclame Aqui registrou 115.465 reclamações sobre os provedores de serviço neste ano até setembro, 15% a mais que um ano antes. Do total, 33.150 foram especificamente sobre a qualidade da banda larga, com alta de 24%.
Em 12 meses, as operadoras deixaram sem resposta quase 297 mil reclamações feitas no Reclame Aqui, diz Maurício Vargas, fundador e presidente da empresa, que é um serviço privado. “Sai muito mais barato não responder e levar multa da Anatel do que fazer melhorias na rede e no serviço”, afirma o empresário.
Reclamar, aliás, é um motivo de reclamação. Nos últimos anos, as operadoras investiram maciçamente para automatizar o atendimento e reduzir custos. Mas a dificuldade de falar com uma pessoa de carne e osso do outro lado da li0nha aborrece os usuários.
“Sempre tivemos problema de conexão caindo, é recorrente. Ligo para a Net e passo por toda a burocracia, um tempão ouvindo a gravação até a tecla certa. A opção para falar com atendente é a última”, diz Lucas Zerbinato da Silva, estudante de Direito do Centro de Ensino Unificado de Brasília (Ceub).
Para Zerbinato, falta regulamentação para que as empresas ofereçam um canal mais rápido de comunicação. “Quando atendem, dizem para tirar [o modem] da tomada um minuto. Não tenho aula de qualidade porque a conexão fica caindo e a previsão é que [a aula presencial] só volte em 2021.”
Com a pandemia, os serviços de atendimento ao consumidor (SACs) das empresas passaram a ser muito procurados e começaram a funcionar mal, diz Juliana Oliveira Domingues, secretária da Senacon. Muitos SACs foram fechados. O órgão, ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, estabeleceu uma política que obriga as empresas a ingressarem na plataforma on-line consumidor.gov.br, na qual o público pode registrar suas queixas. Atualmente, são mais de 2 milhões de consumidores cadastrados. “Não vamos substituir o SAC das empresas, mas ajudamos a achar a solução do problema”, diz Juliana.
Hoje, são monitoradas 20 empresas de telecomunicações. Depois de registrada uma queixa, a empresa tem dez dias para responder. Das reclamações feitas neste ano até julho, 89,03% tiveram solução.
Os casos sem acordo ou recorrentes podem gerar punição. No ano passado, segundo a Senacon, a TIM foi multada em R$ 9,7 milhões por adicionar serviços não solicitados à conta do celular. A empresa foi novamente multada neste ano, em R$ 3,1 milhões, por publicidade enganosa e descumprimento de contrato. Além disso, TIM, Vivo, Oi e Claro foram condenadas em quatro processos distintos, com multas de R$ 800 mil cada, relacionados à falta de transparência na política de preços dos serviços de celular entre 2014 e 2015. Só a Vivo pagou a multa; os demais casos estão em fase de recurso.
Zerbinato diz que já está cansado de reclamar aos provedores de serviços. Sua família contratou um pacote de TV paga e banda larga de 120 Mbps por R$ 359,69 mensais. “Costumo medir a velocidade da internet. Recebo 7, 15, 20 megas... Quando está em 50, fico feliz. É de indignar”, afirma o estudante.
Além da dificuldade para estudar, ele diz que é frustrante usar internet para se entreter, outra atividade que passou a se concentrar no universo on-line. “Perco o prazer de ver uma série; também sou jogador de videogame on-line e a conexão faz diferença”, diz. “O personagem fica travado e me faz perder o jogo. O raro tempo que tenho é jogado fora.”
Fonte: Valor (20/10/2020)
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