Governo e empresas fazem manobras para impedir a representação democrática nos fundos de pensão, impondo obstáculos à participação de trabalhadores em seus processos de gestão
A presença dos participantes na governança dos fundos de pensão, garantida pelas Leis Complementares nº 108 e 109 de 2001, nunca foi assimilada pelo governo e menos ainda pelas empresas patrocinadoras de planos, desde a concepção original. Várias manobras infralegais foram tentadas e vários obstáculos foram impostos para impedir que os trabalhadores ocupassem essa posição, reservada pela legislação, que assegura a democratização dos fundos de pensão.
A Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão e de Beneficiários de Planos de Saúde de Autogestão (Anapar) sempre defendeu a transparência e democratização das instâncias de poder das entidades, sem o voto de qualidade, por entender que o patrimônio acumulado nos planos de benefício pertence aos participantes e aos assistidos, e que compete a eles contribuírem na sua administração.
A conquista da paridade no Conselho Deliberativo, no Conselho Fiscal e, em alguns casos, na Diretoria Executiva das entidades de previdência complementar patrocinadas pelo poder público e suas empresas é uma das mais importantes conquistas dos trabalhadores nos últimos tempos. E que, por isso, o instituto dos dirigentes eleitos deve ser preservado a todo custo, sobretudo no que diz respeito à valorização da participação na gestão de seus recursos.
Temos denunciado os ataques sucessivos ao direito dos participantes de planos de previdência complementar de eleger os seus representantes, tal como ocorreu com o PLP 268/2016 na Câmara Federal, cuja tramitação conseguimos barrar. A luta pela manutenção desses direitos se dá também muitas vezes no âmbito do Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC), onde se tornam mais flagrantes os interesses do governo e das patrocinadoras de afastar os participantes, verdadeiros donos do patrimônio acumulado dos fundos de pensão.
No entanto, algumas decisões estão sendo adotadas ou até mesmo orientadas pelo órgão fiscalizador, a Previc, para facilitar as mudanças pretendidas pelos patrocinadores. Entre elas estão as alterações unilaterais dos estatutos das entidades para validação de mudanças ou estabelecimento de regras que dificultam a eleição dos trabalhadores como conselheiros ou diretores dos fundos de pensão. A cada dia torna-se indisfarçável o interesse que se esconde por trás dessas manobras: alijar o participante da governança dos fundos de pensão para transferir a gestão dos recursos – hoje em torno de R$ 1 trilhão – para o setor financeiro.
Um exemplo clássico de como a cartilha do governo está sendo interpretada é o que acontece hoje na Funcef, um dos maiores fundos de pensão do país em dois lances, no mínimo, curiosos. Após a aprovação de mudanças no Estatuto da entidade, ferindo os avanços conquistados nos últimos anos, a Caixa cassou arbitrariamente os mandatos de representantes eleitos nos Conselhos Deliberativo e Fiscal, em reunião realizada no dia 11 de maio. Na sequência, a Comissão eleitoral impugnou as chapas devidamente inscritas, sob alegação de conflito de interesse entre o cargo e a existência de ação judicial ajuizada por candidatos contra a fundação.
O lamentável é que este ataque aos dirigentes eleitos da Funcef não constitui um ato isolado. Está acontecendo em diversas entidades, como ocorreu no Banesprev, que teve proposta de alterações estatutárias aprovadas pela Previc, com o quase total esvaziamento de uma importante instância de decisão dos trabalhadores, a Assembleia de Participantes. Grande conquista da luta dos trabalhadores, durante a criação do Banesprev, o Estatuto só poderia ser alterado com a aprovação da maioria dos participantes e assistidos em reunião da Assembleia.
O desrespeito ao Estatuto foi tão evidente que o Banesprev não conseguiu o registro das alterações aprovadas pela Previc, apesar de ter interposto ação judicial contra o cartório, que foi julgada improcedente (este caso já foi tema de programa do Canal Previdência e Saúde, da Anapar, na TVT). Não bastasse esse ataque, nova alteração foi aprovada neste mês de maio pelo órgão fiscalizador. Agora retirando da estrutura de governança os diretores eleitos pelos participantes e liberando o Conselho Deliberativo, com maioria absoluta dos indicados pelas patrocinadoras, para dissolver órgãos consultivos como os Comitês Gestores de Planos, inclusive o Comitê de Investimentos, que deixa de ser estatutário.
A Previc corrobora todos esses casos e se faz omissa aos comandos da Lei Complementar 109/2001, que estabelece a função do Estado na relação entre participantes e patrocinadores e na garantia dos princípios norteadores dos contratos previdenciários, lidos aqui como Estatutos e regulamentos de planos.
A Anapar segue sua rota na defesa intransigente da participação dos trabalhadores na governança dos fundos de pensão e conclama as demais entidades que representam participantes e assistidos de planos de previdência complementar a assumir essa bandeira de lutas contra este e outros ataques, bem como contra o desmonte do sistema patrocinado pelo governo.
Fonte: Rede Brasil Atual / Claudia Ricardoni (23/05/2021)
Nota da Redação: As Leis Complementares 108 (fundos de pensão com patrocínio predominante estatal) e 109 (fundos de pensão com patrocínio predominante de empresas privadas, como a Fundação Sistel) de 2001 estabelecem que, no caso da primeira, os conselhos deliberativo e fiscal devem ter paridade de representação entre participantes e patrocinadoras e, em caso de empate na votação de qualquer decisão, existe o voto de qualidade atribuído ao presidente do respectivo conselho.
Já no caso da LC 109 e dos fundos de pensão como a Sistel, essa Lei determina que a representação dos participantes nos respectivos conselhos deve ser de no mínimo 1/3, porem vários fundos de pensão de empresas privadas já adotaram a paridade nesta representação.
No caso da Fundação Sistel a representação dos participantes nos 2 conselhos se mantem até hoje no mínimo exigido pela Lei, de 1/3, pois as duas maiores empresas patrocinadoras (Oi e Telefonica) não abrem mão de serem as mandatárias em todos planos da Sistel, mesmo sabendo que não contribuem com qualquer plano desde 2001. Uma verdadeira aberração com a conivência da Previc.
O acordo entre participantes e patrocinadoras entorno da ação judicial da Cisão do antigo plano PBS, ocorrida em 1999, ação esta já ganha pelos participantes representados pela Fenapas em 2a. instância na Justiça do RJ, deveria considerar a formação da paridade de representação nos dois conselhos da Sistel. Vamos aguardar!
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