Questionamentos envolvem exigências sobre rede privativa do governo na adoção do 5G
A pressa do governo em garantir a realização do leilão da quinta geração de telefonia móvel (5G) até meados do segundo semestre não conferiu maior fluidez à análise dos estudos econômicos pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O ministro Raimundo Carreiro, relator do processo no tribunal, assinou despacho este mês no qual reforça a necessidade de sanar “indícios de ilegalidade” e “incompletudes relevantes” que impedem a unidade técnica de “analisar e opinar conclusivamente” sobre o edital.
O documento, classificado como sigiloso, foi endereçado à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que responde sobre o cálculo de precificação das licenças ofertadas e o custo associado às contrapartidas de investimentos das operadoras vencedoras. O trabalho faz parte da série de diligências sobre a licitação realizadas não só com a agência, mas com os ministérios das Comunicações e da Economia.
Sobre as “incompletudes”, Carreiro ressalta que elas correspondem a, “no mínimo”, R$ 28,4 bilhões a serem movimentados pela licitação. O valor está atrelado às contrapartidas de investimentos e à parcela do fluxo de caixa das teles projetado na exploração do serviço ao longo dos anos.
No ofício do TCU, a maior inconsistência de cálculo ou falta de clareza na metodologia é o das “receitas provenientes da linha de negócios de atacado” na rede de 3,5 gigahertz (GHz), a principal faixa da tecnologia 5G. São R$ 18 bilhões, que correspondem a cerca de 30% das receitas totais estimadas para esta modalidade de serviço pelos próximos 20 anos - prazo de vigência da autorização.
O TCU lançou dúvidas sobre a garantia de controle na aplicação de R$ 6,3 bilhões na “limpeza” da faixa de 3,5 GHz. A rede é ocupada pela TV aberta com recepção por parabólicas e terá o custo da migração assumido pelos compradores da licença.
Com valor consideravelmente menor, a implantação da rede privativa de uso exclusivo de órgãos federais, orçada em R$ 1,26 bilhão, reúne as ressalvas que mais preocupam o setor, segundo interlocutores ouvidos pelo Valor.
A rede segura, incluída como contrapartida no edital, foi considerada o grande trunfo do Ministério das Comunicações para conter a pressão dos apoiadores mais radicais do presidente Jair Bolsonaro contra o fornecimento de equipamentos Huawei para as redes de 5G no Brasil.
Carreiro se valeu da análise da área técnica para apontar “ausência de elementos necessários e suficientes para definir e dimensionar a obra, seus custos e prazos de execução, para a construção” da rede segura.
As ressalvas mais graves estão relacionadas aos “diversos indícios de ilegalidade” na estratégia de comunicação da administração pública federal - a mesma alegação foi usada na análise da contrapartida de investimento no projeto Amazônia Conectada, avaliado em R$ 1,89 bilhão.
Com a rede privativa incluída no edital, a Anatel garantiu o livre acesso das operadoras aos equipamentos chineses. O setor contará ainda com a oferta da sueca Ericsson e da finlandesa Nokia para instalar as redes comerciais de 5G no país. A barreira à Huawei ficou limitada à entrada na rede segura do governo, cuja viabilidade tem sido duramente questionada do TCU.
Para o tribunal, a rede privativa, como o próprio nome já diz, não atenderá o usuário final. Seria, então, uma aquisição de bens e serviços pela administração federal, o que demandaria uma licitação à parte com esta finalidade.
Outro aspecto considerado pelo TCU envolve o risco de infração das “regras orçamentárias e fiscais” vigentes. A avaliação parte da tese de que a rede segura é um típico projeto que demandaria investimento direto da União, onde o leilão de 5G seria apenas um veículo de arrecadação.
Neste caso, o governo deixaria de declarar despesa orçamentária em lei, o que pode configurar uma maquiagem nas contas públicas - “pedalada fiscal”- e ainda provocar o furo do teto de gastos.
Fonte: Valor (26/05/2021)
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