terça-feira, 4 de maio de 2021

Idosos: O Envelhecer e o estigma da velhice



O preconceito sobre o envelhecimento persiste e está relacionado com o mito de que ele é acompanhado de declínio físico, cognitivo e mental significativo

“Não sei o que essa velha faz aqui a esta hora.” “Nossa, você tem 60 anos, não parece!” “Você não acha que já passou da idade para usar isto?” Frases certamente já ouvidas e faladas por muitos. A discriminação por idade se apresenta de todas as formas, mais “gentis”, “camufladas” ou descaradamente “na cara”.

Um preconceito etário que culpa a idade por tudo. Preconceito que afeta mais de 60% da população mundial e também é alimentado pela negação e relutância em reconhecer que todos envelhecem, que serão pessoas velhas. Caso vivam.

Sandra Carvalhais, psiquiatra e psicanalista, coordenadora e professora do curso de pós-graduação lato sensu em psiquiatria da Faculdade Ipemed de Ciências Médicas, lembra que é inevitável nos tornarmos velhos se permanecemos vivos. E acolher esse inevitável como uma fase da existência nos permitirá vivê-la na sua plenitude com suas dores e prazeres, alegrias e tristezas.

“Essa é a sabedoria do envelhecimento, aceitá-lo com a maturidade de nos sabermos finitos, de conviver com as modificações corporais e sociais e ter resiliência para manter a juventude psíquica. “Essa juventude se revela na capacidade de lidar com todas as modificações que esse momento pode trazer e na capacidade de manter os vínculos afetivos. A pensadora francesa Simone de Beauvoir descreve bem essa contradição: 'A impressão que tenho é de não ter envelhecido embora esteja instalada na velhice'.”

A psiquiatra e psicanalista conta que o grande desafio identificado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para a população idosa é acrescentar vida aos anos já acrescentados: manter o envelhecimento ativo e a boa qualidade de vida.

Esse desafio deve ser um projeto pessoal, de cada sujeito dessa população, para o qual necessitam-se de políticas públicas voltadas para os idosos. E no contexto familiar, mesmo quando há a intenção explicita de cuidar dos velhos, os familiares frequentemente contribuem para aumentar a sua invisibilidade, na medida em que os infantilizam, enxergam a sua fragilidade e não as suas capacidades, o que intensifica a sua dependência.

“Observa-se esse tipo de tratamento mesmo em contextos (serviços de saúde, espaços de convivência para pessoas idosas) em que o esperado é exatamente o contrário, a estimulação dessas pessoas para se manterem independentes e autônomos, com liberdade para fazer escolhas e tomar decisões a respeito de si e da sua vida. O velho pensa e sente toda a gama das emoções que pessoas mais jovens sentem, é capaz de amar e trabalhar.”

O grande desafio identificado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para a população idosa é acrescentar vida aos anos já acrescentados: manter o envelhecimento ativo e a boa qualidade de vida. Esse desafio deve ser um projeto pessoal, de cada sujeito dessa população, para o qual necessitam-se de políticas públicas voltadas para os idosos

Sandra Carvalhais enfatiza que o envelhecimento é um processo multideterminado relacionado com a passagem do tempo, um fenômeno híbrido com determinantes biológicos, psicológicos e sociais. “Esses determinantes são diferenciados pela história particular de cada sujeito. Relaciona-se com todos os aspectos estruturais da vida, como aspectos hereditários, etnia, vida urbana ou no campo, condições de saúde, nível educacional, classe social e gênero. Em um país com tantas desigualdades sociais como o Brasil, há uma acentuação dessa heterogenicidade.”

E completa: “Nesse panorama de dificuldades para uma velhice bem-sucedida, encontramos pessoas que conseguem envelhecer de forma positiva. Exemplos estão aí no dia a dia. O que as faz assim? Provavelmente, a capacidade de enfrentar os desafios da vida para superá-los com todas as marcas emocionais que possam deixar e continuar vivendo com alegria. “É preciso saber viver”, como canta o octagenário Roberto Carlos. Encontramos essas pessoas nos diversos estratos sociais e sabemos que a vida é mais desafiadora para os mais pobres. Felizmente, a sabedoria de vida não é estratificada pela classe social. Encontramos pessoas de todas as classes que apodrecem sem amadurecer mesmo nas classes mais altas”.

"A MESMA SOCIEDADE QUE GEROU LONGEVIDADE GEROU HORROR AO ENVELHECIMENTO"

A psiquiatra Sandra Carvalhais enfatiza que uma grande conquista das últimas décadas foi o aumento da longevidade das populações. E deveria ser vivenciada como uma conquista, um momento de prazer e liberdade. Entretanto, observa-se um paradoxo sintetizado pelo filósofo e escritor brasileiro Luiz Felipe Pondé: “A mesma sociedade que gerou a longevidade gerou o horror ao envelhecimento”. 

A palavra velho, segundo a psiquiatra, virou sinônimo de algo negativo, como se ser velho remetesse sempre ao sentido de “gasto, antiquado” e criam-se expressões para substituí-la: melhor idade, terceira idade etc., o que só explicita o preconceito, a impossibilidade de aceitar o que se escancara.

“Em uma entrevista a propósito do seu aniversário de 85 anos, o ator carioca Paulo Autran se cansou de dizer para a repórter que o corrigia sempre que ele se referia como velho, usando um eufemismo ou dizendo 'velho não'. Em dado momento, já impaciente ele diz: 'Velho sim, se uma pessoa que já viveu mais de 80 anos não é velho, o que seria velho?'.”

O QUE JÁ DEVERIA SABER SOBRE O VELHO E A VELHICE*

  1. Ser idoso não torna a pessoa ranzinza, mal-humorada ou depressiva. Qualquer sujeito, em qualquer idade, pode apresentar essas características.
  2. Muitos idosos se recusam a aceitar a velhice, como se isso fosse possível. Não se vê como idoso, mas reconhece a velhice no outro da mesma idade. Parafraseando Sartre: “O velho é o outro”.
  3. Ser idoso não é sinônimo de comprometimento da saúde mental.
  4. Sim, há declínio do corpo e pode ocorrer mudanças de status social, diminuição das relações sociais, alterações na situação econômica e maior risco para doenças crônico-degenerativas (como a depressão e transtornos cognitivos, entre os quais as demências). 
  5. É possível diminuir os riscos de uma velhice debilitada com comportamentos, hábitos e atitudes ao longo da vida que possam manter reservas para alimentar o corpo e a alma no processo de envelhecimento.
  6. Envelhecimento ativo é resiliência para acessar as reservas necessárias para se adaptar, suportar e aprender com os desafios que surgirão ao longo da vida e que a saúde, segurança financeira, conhecimentos e habilidades representam as reservas para conseguir o crescimento pessoal, que levam ao bem-estar e à qualidade de vida. 
  7. Envelhecimento não é um processo homogêneo. A idade cronológica não é um marcador preciso às mudanças que acompanham o envelhecimento. Há variações significativas relacionadas ao estado de saúde, participação e níveis de independência entre pessoas mais velhas que têm a mesma idade.
  8. No modelo capitalista vigente, a inserção social é muito identificada com o mundo do trabalho, a produção de riqueza. Estar fora desse mundo como é a situação da maioria das pessoas que passaram dos 60 anos representa a perda do seu valor social, são relegadas a um lugar marginalizado, tornam-se invisíveis, perdem o seu valor simbólico. No mundo do trabalho são avaliados como pouco produtivos e desatualizados. Nesse contexto, a aposentadoria é uma imposição e não uma escolha. O que é um equívoco. 
  9. As mulheres sofrem mais com o preconceito com relação ao envelhecimento. Mas há uma pressão constante sobre homens e mulheres para ostentar uma aparência jovem, para que não demonstrem sinais da passagem do tempo. Ambos são invisíveis ou subrepresentados, mas os homens ainda são representados mais positivamente do que as mulheres.
  10. As pessoas que podem experimentar a plenitude no envelhecimento são aquelas que amadureceram com sabedoria.

Fonte: Sandra Carvalhais e Estado de Minas, Colaboração: Houw Ho Ling (01/05/2021)


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